A menina que entrou na história │ Alex Andrade e Beto Caldeira

Abrindo a página
Lançado em janeiro deste ano, o livro infantojuvenil A menina que entrou na história (Quase Oito), escrito por Alex Andrade e ilustrado por Beto Caldeira é, como antecipa o título, um convite a um mergulho num universo repleto de referências históricas e literárias. Seguindo a tradição que vai de Peter Pan a Harry Potter, somos apresentados a um pequeno grupo de crianças transportadas a um universo fantástico, habitado por dinossauros, deuses gregos e clássicas figuras da literatura mundial.
Para prender a atenção de um público que ainda não construiu essas referências, Alex e Beto lançam mão de uma linguagem ágil, repleta de grafismos e ilustrações, antenada às tendências narrativas e visuais de uma geração que já nasceu inserida na era dos smartphones e das redes sociais.
As meninas e o menino
O enredo começa apresentando a protagonista Clara, menina curiosa e inteligente, e seus inseparáveis amigos: a vaidosa e viciada em tecnologia Valentina e o aventureiro Rafael, o nerd da turma.
Não é um time formado à toa. Enquanto Clara cultiva sua paixão pelos livros e não larga um fascinante, ainda que antiquado, dicionário, Valentina não desgruda do celular e está sempre pronta para uma selfie ou um vídeo no Tik Tok. Alex, porém, não toma o fácil caminho da oposição entre as personagens. A menina que entrou na história defende que ambos os universos podem coexistir, que o novo é sempre bem-vindo, mas sem que percamos de vista o valor do que nos trouxe até aqui.
Já Rafael permite que o autor dê piscadelas ao público adulto. Fã de dinossauros e super-heróis, o menino está sempre pronto para trazer referências à cultura pop, que vão dos clássicos Star Wars e Jurassic Park, ao recente Uma noite no museu. Como em toda boa obra infantojuvenil, A menina que entrou na história foca em entreter os pequenos, mas sem esquecer de agradar também aos pais.
Muitas histórias
A trama gira em torno do plano das crianças que, inconformadas com o abandono das bibliotecas da cidade, organizam um evento numa biblioteca desativada e distante de suas casas, a fim de revitalizar o espaço. Chegando lá, porém, acabam atravessando um portal que as conduz para dentro das histórias gravadas nas páginas dos livros largados naquele lugar.
Assim começa um passeio por eventos históricos, onde Clara e seus companheiros presenciam o início do universo e a origem da vida e convivem com dinossauros e homens das cavernas. Depois, a jornada passa para as páginas literárias, e logo a trupe encontra outros personagens que, cada um ao seu modo, também entraram em suas histórias: Sherazade e Dom Quixote.
A inserção desses elementos é suave, lúdica, respeitando as obras originais e as apresentando a um novo público leitor.
Traços certeiros
Se a teia construída por Alex Andrade funciona tão bem, muito se deve ao excelente projeto gráfico do livro. As ilustrações de Beto Caldeira são parte integral da história, aparecendo não apenas como complemento, mas invadindo as páginas e interagindo com o texto, transformando a experiência de leitura em algo próximo ao folhear de uma revista em quadrinhos.
Beto opta por traços simples, cartunescos. É uma decisão acertada: além de oferecer uma fácil assimilação para as crianças, o estilo adotado pelo ilustrador permite que ele brinque com os desenhos, dando diferentes contornos e expressões para os personagens, de acordo com o que estão presenciando ou sentindo. Quando Valentina está no meio de um chilique por ter esquecido o carregador de seu celular, por exemplo, Beto a representa em linhas tortas e exageradas, ilustrando o estado de espírito da garota.
Aos traços de Beto juntam-se os diversos grafismos do livro. Diferentes tamanhos e estilos de fontes e formatações, onomatopeias, palavras soltas pelas páginas ganhando novas formas e significados — são muitos os recursos que potencializam uma identidade visual contemporânea e imaginativa.
Presente e passado
A menina que entrou na história é uma aventura divertida que conversa com as crianças e com uma nova forma de comunicação ultraconectada. É também uma ode de amor à literatura e aos livros e bibliotecas como elementos fundamentais na nossa formação. Uma obra que mostra ser possível aderir ao Tik Tok sem desprezar os livros, da mesma forma que se pode aproveitar um bom clássico da literatura enquanto se tira uma selfie. Um recado essencial para novas e velhas gerações.