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A antimenina

Elisa Ribeiro


Desde antes de ser concebida

sina através de eras:

fingir que não sente dor

não fazer sofrer quem a cerca.


Mas a dor, perversa, a pressente

e se apressa em apossar-se dela

dor de rasgar, vingar, ser expulsa

nascer em berço que não a quer

nem a espera.


[Por que ela?

as mãos tão pequenas

a lavar louças, panelas

a cuidar dos irmãos miúdos

enquanto brincam lá fora os mais velhos

a limpar a sujeira

e recolher do chão o lixo

com seus dedinhos de pétala?]


Desde sempre preterida

o que pode, a menina-grão posterga

o que não pode

[o fruto em seu mandatório ciclo]

a antimenina declina

— a sua dor e a do mundo —

a nenhuma criatura transmitiria

o legado de sua miséria.


Abrigada em negativas

— nem covarde, nem negligente, nem lerda —

a menina indolente

lança ao vento perguntas

e só fecunda as respostas que espera.



Poema publicado no livro Aragem, que você pode adquirir clicando aqui.

1 comentário em “A antimenina │ Elisa Ribeiro”

  1. Esse é um dos melhores exemplos da potência dessa poeta incrível a quem tenho o orgulho de me referir como amiga.
    Elisa é um dos grandes nomes da poesia contemporânea, observem essa “menina”!
    Um abraço ao Lume e à Elisa!

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