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Microcontos – 1ª Edição │ Misael Pulhes

Palavra: Ponte

 

 

Enfim

 

No quarto, os gemidos do corpo, perdido numa dor sem fim. A mente sonhava com aquela ponte sobre o rio alvoroçado. O homem cambaleante se agarra no parapeito e anda sem saber o que o espera. No meio da travessia, uma brisa fresca. Levanta-se e consegue chegar até o outro lado. O quarto silenciou.

 

 

 

Frase: “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia.” – Guimarães Rosa

 

 

Condescendência

 

Antes da primeira bala acertar-lhe o peito, o tempo parou. Aliviado, justificou o milagre com sua inocência. Riu-se de seus algozes. Anos depois, ainda acorrentado, lembrou-se com alguma vergonha de quem foi. Veio, então, o asco de si. De cabeça baixa, resignou-se. Pouco depois, o tiro o matou.

 

 

 

Música: Gostava tanto de você – Tim Maia

 

Não sei por que você se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus não pude dar

 

Você marcou na minha vida

Viveu, morreu na minha história

Chego a ter medo do futuro

E da solidão que em minha porta bate

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você

 

Eu corro, fujo desta sombra

Em sonho, vejo este passado

E na parede do meu quarto

Ainda está o seu retrato

 

Não quero ver pra não lembrar

Pensei até em me mudar

Lugar qualquer que não exista

O pensamento em você

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você

 

Não sei por que você se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus não pude dar

 

Você marcou em minha vida

Viveu, morreu na minha história

Chego a ter medo do futuro

E da solidão que em minha porta bate

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você

 

Eu corro, fujo desta sombra

Em sonho, vejo este passado

E na parede do meu quarto

Ainda está o seu retrato

 

Não quero ver pra não lembrar

Pensei até em me mudar

Lugar qualquer que não exista

O pensamento em você

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você

 

Eu gostava tanto de você

Eu gostava tanto de você

Eu gostava tanto de você

 

Adeus

 

– Adeus.

– Adeus?

– O que foi?

– Ah, minha mãe sempre disse que adeus é pra sempre.

– Nada, amor. Eu sou formal, só isso. Volto amanhã. Queria te mostrar o projetinho da nossa casa…

– Casa?

– Pra quando casarmos! Uma casa grande, pros filhos, cachorro… mas deixa pra amanhã. Tchauzinho.

– Adeus.

 

 Ilustração:

Anedonia

2184. Enfim concluído o repovoamento. Os robôs tornaram o mundo mais eficiente.

Uma abelha X-49 estranhou algo. Se apartou das demais e descobriu uma antiga colmeia desabitada.

No fundo, pendia uma última gota de mel. A X-49 se aproxima, prova, e sai indiferente.

Fotografia:

Smile

– Moça, o dinheiro é…

– No final, você já sabe… agora sorria.

Ele buscou motivos.

A fotógrafa o conhecia de outros bicos.

Tinha idade para ser seu pai.

Chegou próxima a ele, tocou seu ombro e sussurrou:

– Não é difícil. É só fingir.

13 comentários em “Microcontos – 1ª Edição │ Misael Pulhes”

  1. 1. Macabro. Achei legal. Deu pra seguir esse homem cambaleante. Parece que ele não fez algo muito bom.
    2. Estou começando a perceber o seu “nick” hehe
    3. Realidade dos tempos atuais ou pessimismo? (talvez as duas coisas)
    4. Achei que esse teria um final mais impactante. O começo foi bem legal.
    5. Interessante, mas achei que faltou alguma coisa para chamar a atenção.

    Gostei dos micros. Percebi o seu nick neles. Algum pessimismo com o cotidiano ou talvez com a vida moderna. Parabéns pelos textos.

  2. Palavra – ponte – Enfim
    A ponte ao além, o fim da agonia. Gostei da apropriação metafórica aqui.
    Frase: “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia.” – Guimarães Rosa – Condescendência
    Parece que travessias continuam a tematizar seus textos. Isso e a morte, conquistada e aqui aceita. A “travessia “ que aqui aparece é a da bala, o caminho é o da culpa. Mais uma boa abordagem.
    Música: Gostava Tanto de Você – Tim Maia – Adeus
    Esse eu achei engraçado e triste ao mesmo tempo. Duas emoções em curto espaço é um grande mérito. Não se sabe se o último “adeus” é um aprendizado ou uma reiteração do que a personagem afirma ser o seu adeus. E ainda observo: essa do Tim Maia é clássica! Invejei.
    Fotografia – Smile
    A ambiguidade está aqui também. Achei bem interessante, pois dá uma situação que sugere alguma profundidade aos personagens e sua relação, isso no breve diálogo e no pensamento do músico.
    Ilustração – Anedonia
    Os resquícios de um mundo vivo, o começo de um mundo novo? Só posso fazer essa pergunta tão profunda porque o texto me permitiu. Sci-fi num desafio de microcontos é surpresa. Massa!

  3. Felipe Lomar Darbilly

    Acho q a coletânea com a tematica mais coerente aqui. Todos os textos trabalham a morte, ou assim podem ser interpretados.

    1) a princípio, interpretei como um sonho. Mas a ideia da ponte realmente faz muito mais sentido com a outra interpretação. Muito bonito
    2) uma reapresentação da ideia de que na morte se passa um filme na nossa cabeça.
    3) a morte de um relacionamento por ambições diferentes. Soa como uma piadoca, mas não muito engraçada.
    4) um futuro distópico. Robôs não tem emoções, apenas fazem o que são programados. Bom impacto
    5) um grande impacto. Subentende uma trama profunda, que não precisa ser contada para se fazer. Não fica vago, ao contrário de muitos micros nesse certame.

    Gostei bastante. Boa sorte !

  4. Giselle Fiorini Bohn

    Micro 1
    Não entendi direito. É sobre suicídio? Sonho? Morte? Ficou muito vago para minha limitada interpretação.
    Micro 2
    Este entendi menos ainda. Desculpaê.
    Micro 3
    Adorei este. É bem do tipo de que gosto. Queria ter escrito rs…
    Micro 4
    Bem legal. Uma FC meio Black Mirror. Gostei.
    Micro 5
    Melancólico. Bonito, mas faltou alguma coisa que costurasse melhor as frases. Mas é um bom micro.

    Um bom conjunto, que foi melhorando do meio pro final. Parabéns e boa sorte no desafio! 🙂

  5. Claudia Roberta Angst

    Pseudônimo remete à ideia de morte. Quantas mortes teremos nesses micros?

    1º micro: ꙳꙳꙳꙳꙳ A morte vista de uma forma poética, uma ponte que liga uma realidade à outra. Palavra estímulo bem empregada.

    2º micro: ꙳꙳꙳꙳ O tempo parou e a bala não o acertou? Ou acertou e ele não morreu? E depois, anos mais tarde, a consciência de que não fora uma boa pessoa o atingiu como uma bala? A morte como tema novamente.
    Antes da > Antes de a

    3º micro: ꙳꙳꙳꙳ Um diálogo com toque de humor. A formalidade de planos futuros atingiu o contexto romântico e dissipou a vontade da moça rever o namorado. Conto bem conduzido, mas sem grande impacto.

    4º micro: ꙳꙳꙳꙳ Anedonia é a dificuldade ou incapacidade de uma pessoa em sentir prazer ou se motivar a realizar atividades que antes eram prazerosas. Apesar de estar diante do último pingo de mel e poder prová-lo, nada atinge a abelhinha robô, segue indiferente.

    5º micro: ꙳꙳꙳ Primeiro pensei que se tratasse de um nu artístico, o homem posando em troca de dinheiro. Mas depois, é esclarecido que ele tinha idade para ser pai da fotógrafa e ela sentiu pena. Não sei se peguei bem o que o(a) autor(a) quis dizer.

    Microcontos que revelam domínio da escrita e bom aproveitamento dos estímulos dados. Bom trabalho! Parabéns pela participação no desafio e boa sort

  6. O primeiro e segundo conto tratam, parece, o mesmo tema: a morte. O primeiro é muito bom , o segundo eu achei um pouco confuso e isso prejudicou a leitura.
    O terceiro é maravilhoso! Irônico, engraçado. Adorei!
    O quarto e o quinto não me “pegaram” muito.
    No geral uma boa coleção.
    Boa sorte e parabéns.

  7. Luís Fernando Amâncio

    Olá, Rick’n Morte! Muito boa a referência no pseudônimo. Sua coleção de microcontos é bem interessante. Saber contar algo em poucos caracteres não é tão simples. Você faz isso com desenvoltura, até ficção científica experimenta.
    Por outro lado, achei que você derrapou em alguns microcontos. Vou apontar nos comentários específicos.
    1) Um bom microconto, mas o jogo entre as duas cenas não se solidifica. Há o personagem na cama sonhando com uma travessia sobre uma ponte. Você menciona que ele está cambaleante no sono, mas o uso do “levanta-se” confunde o leitor: foi o homem no leito que se levanta ou o que atravessa a ponte? Isso atrapalha um pouco a experiência.
    2) Micro ousado, uma fantasia sobre ter uma segunda chance diante da morte. Me lembrou o filme “A última tentação de Cristo”.
    3) Simples e divertido. Pelo tom, destoa dos demais. O meu predileto.
    4) Gostei do uso do estímulo e da história contada. Boa quebra de expectativa.
    5) Triste e bem construído. Sendo um pouco chato (imagina!), penso que fazer um modelo fingir é o mais difícil nesse tipo de registro. Não sei se o fotógrafo daria esse conselho. Mas é só um comentário, o texto está bom.

  8. fernanda caleffi barbetta

    Microconto 1: Gostei bastante. Criou uma boa dose de mistério. Fica a dúvida sobre o que aconteceu com o dorminhoco.

    Microconto 2: Achei estranha ideia de o tempo parar para a bala não o acertar… Não entendi o que aconteceu quando o tempo voltou. Faltou conectar melhor o restante do microconto com este “milagre”.
    Não acho que a palavra “inocência” naquele contexto tenha sido a melhor escolha.
    Antes da – Antes de a

    Microconto 3: kkkkk excelente. Boa opção fazer este com os diálogos.

    Microconto 4: Um bom microconto, uma boa reflexão, só não foi muito impactante porque não se espera mesmo que um robô sinta algo.

    Microconto 5: Outro micro triste, mas muito bom. Achei o começo um pouco confuso, pois a primeira fala pode nos levar para vários caminhos… não sei se foi sua intenção gerar um estranhamento logo no início.

  9. MAQUIAM MATEUS SILVEIRA

    Oi, Rick’n Morte!
    O conto 01: Gostei dessa atmosfera de sonho, de delírio. É uma proposta bem ousada para um espaço tão pequeno. Por isso mesmo, talvez funcione melhor num conto maior, porque o achei um tanto confuso. Mas o clima e a ideia são muito bons.
    O conto 02: Também fiquei um tanto confuso nesse. A ideia da bala parada no tempo é ótima, mas não entendi o porquê de ele estar acorrentado. Em que tempo isso ocorre? Faltaram elementos para uma história complicada.
    O conto 03: A ideia é muito legal ehehe. E todo escrito em diálogos, que ousado. Diálogos são difíceis de escrever. A situação é clara e dá material para o leitor preencher as lacunas.
    O conto 04: Que imagem difícil você ganhou! Gostei do conto, mas não me encantou. O tom robótico tomou conta, faltou um pouco de contraste, talvez. Não sei…
    O conto 05: É um conto triste e bonito. Mas poderia ser mais claro, ficou um pouco difícil de entender. O começo é muito fechado e acaba irritando, queremos saber do que estão falando e o conto demora para montar a cena.

    Gostei das ideias, mas achei um tanto difícil de ler. Algumas complicações surgem de elementos que poderiam ser retirados, outras de fatos que poderiam ser melhor esclarecidos. Continue escrevendo e essas questões devem se resolver com a prática 🤓

  10. Olá, autor!
    1° micro: 🙂
    Gostei! Entendi que estamos vendo os minutos finais de alguém… Enquanto o corpo padece, o espírito está fazendo a travessia. Muito bom!
    2° micro: 🤔
    Não sei se entendi direito… O que captei foi que o tempo parou e a bala não o atingiu, por causa de sua inocência, mas de alguma forma o tempo continuou e no final ele não era mais inocente e então a bala o atingiu. Mas por que ele estava acorrentado? Não sei se gostei ou não. Precisaria entender melhor pra decidir. Então, autor, se puder me explicar, ficarei grata!
    3° micro: 🙂
    Eu gosto muito dessa música! Seu conto é interessante, imagino que a moça tenha feito de propósito, sua intenção inicial era terminar tudo mesmo, por isso falou em casa, família e filhos.
    4° micro: 😐
    Achei frio e robótico. Combinando perfeitamente com o conto. Mas não me encantou 🤷🏻‍♀️
    5° micro: 😐
    Falou muito, tirando o foco da história. No começo achei que a moça era prostituta, depois fala que é uma fotógrafa. Esse equívoco seria evitado cortando o começo que fala sobre o pagamento já que é totalmente desnecessário para a trama. Ou não? E o negócio de fingir no final, me levou a pensar de novo na prostituta 🤔

    Conjunto da obra: 😐
    Não me agradou tanto… Porque não sei se entendi direito as coisas e isso me irrita 🤭

  11. Oi, vou comentar os micros um de cada vez, ok?
    O primeiro é bem enigmático, trágico e triste. Eu não entendi bem a divisão de acontecimentos, a pessoa que estava no quarto era a mesma que atravessava a ponte antes?
    O segundo foi bem interessante com a descrição do que o personagem sentiu e pensou quando o tempo parou. Ele reavaliou tudo e talvez decidiu que merecia o destino dele. Só não entendi porque ele estava acorrentado. Era em sentido figurado ou literalmente?
    O terceiro teve um final surpreendent e sutil, adorei. Esse homem parecia bem ansioso, já imaginando cada detalhe, isso parece ter assustado a outra pessoa.
    O quarto foi muito criativo! Esse cenário futurístico foi muito interessante, pena que a abelha cibernética não sentiu nada ao provar o mel. Mas também, ela não era viva né?
    O quinto micro foi bem misterioso, pelo menos para mim.
    Achei misterioso aqueles vários motivos que ele estava pensando. Fiquei intrigada com todo o contexto contido no micro.
    Foram ótimos microcontos, boa sorte no desafio.

  12. Micro 1
    Uma linda metáfora da morte. Muitos sentimentos em poucos caracteres e sem pieguice.
    Micro 2
    Mais uma linda metáfora da morte. No instante final, será possível repassar a própria vida, revivê-la, obter uma melhor compreensão de si?
    Micro 3
    Gostei, mas pareceu meio fora de lugar, acho que o humor ficou sem timing. Um humor triste.
    Micro 4
    Puxa, pena que ela não saiu diferente. Neste caso, poderia ser um recomeço? Bom microconto que só é bem compreendido se se souber o significado do título. Priorizando a eficiência, perdemos o prazer?
    Micro 5
    Este eu não entendi.

    Um belo conjunto de micros, sendo os dois primeiros especialmente impactantes. Parabéns e boa sorte!

  13. Misael Felipe Antônio Pulhes

    Olá!

    i) Enfim – Gostei! Essa temática de sonhos, essa atmosfera onírica muito me interessam. Acho que a ideia e a imagem ainda poderiam ser mais bem trabalhadas, talvez num espaço maior.

    ii) Condescendência – Um estória diferente e um toque reflexivo. Gostei também.

    iii) Adeus – Honestamente, acho que o autor se sai melhor em outras áreas, que não o humor hehe. E essa cena me soou um pouco clichê também, me desculpe. Não achei o microconto ruim, não. Mas é o último colocado no meu ranking desta antologia.

    iv) Anedonia – Gostei! Uma boa ficção científica com um toque de melancolia. Precisei conferir o significado do título no Google hehe. Mas o significado maximizou o efeito do conto. Acho que é meu preferido.

    v) Smile – Doeu. Uma cena simples, singela, com um bom desfecho.

    Achei o conjunto homogêneo. O 3º conto é que me soou um pouco destoante. Mas talvez tenha servido pra quebrar o clima mais acinzentado dos demais contos. Enfim… Parabéns e boa sorte no certame, Rick!

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