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Quem Deus ajuda │ Zulmira Carvalheiro

Oi, mãe. Olha eu aqui. A senhora já sabe, né? Quando eu apareço assim, de supetão, é porque tenho alguma coisa pra contar. Ou pra desabafar.

Primeiro um copo d’água. Não precisa café não, tá bom assim. Se prepara, mãe. O caso de hoje é desabafo mesmo. Faz dias que isso não sai da minha cabeça. Preciso colocar pra fora. Então lá vai.

Tem a ver com aquele ditado que a senhora sempre fala, “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Então. Eu sigo esse conselho desde que me entendo por gente, e não me arrependo.  Madrugar é meu costume. Quando arranjei o primeiro emprego de carteira assinada, pensei: “é aqui que vou ficar até a aposentaria”. Por isso chegava antes da hora, pegava os meus apetrechos e já começava a trabalhar. Eu era faxineiro, lembra? Mas tinha jeito com eletricidade e também consertava coisas, então fui promovido pra ajudante geral. Daí comecei a prestar atenção no serviço do pessoal do escritório. Perguntei como fazia pra trabalhar naquele serviço. Falaram que eu não podia porque não tinha estudo. Arranjei escola noturna e fui atrás do diploma, isso a senhora se lembra porque me esperava toda noite com a janta na mesa, mesmo eu chegando tão tarde.

Tirei o diploma e pensei que já podia mudar de função. Até mudei, mas não foi bem do jeito que eu queria. Me botaram pra fazer um monte de coisa na rua: buscar e levar documento, resolver assunto em banco e cartório, falar com fornecedor, e o que mais aparecesse.

Nessa época me veio uma ideia: prestar muita atenção em tudo e aprender o máximo para conhecer a empresa por completo. Meu pensamento era: quem sabe um dia eles reconhecem o meu valor e me dão uma oportunidade no escritório.

Como a senhora sabe, esse dia chegou. Mandaram embora um funcionário e, em vez de pegar um novo, me colocaram no lugar.

Olha, eu fiquei feliz que só vendo. E continuei com a minha ideia de aprender cada vez mais pra poder subir de cargo. Disseram que era preciso faculdade, então fui fazer a faculdade. Dessa vez quem me esperava tarde da noite com a janta em cima da mesa era a minha mulher, abençoada seja.

Então, mãe. Tirei o diploma da faculdade. Aprendi tudo o que era preciso. Não faltava mais nada, a não ser a vaga de supervisor, era essa que eu queria.

Mês passado o supervisor morreu, Deus o tenha. Era bem idoso e estava doente. Coisas da vida. Logo começaram a comentar quem ia ocupar o cargo. A maioria achava que só podia ser eu, antigo de casa, conhecia o serviço de cabo a rabo, e além do mais, funcionário de confiança.  

Sabe o que aconteceu, mãe? Isso tá fazendo uma semana. Convocaram a gente pra uma reunião. Meus colegas já foram me dando os parabéns antes mesmo do anúncio.

Pois não é que apresentaram lá um molecote todo engomadinho que nunca ninguém tinha visto antes, e disseram que era o novo supervisor?

Ficou todo mundo de boca aberta sem entender. Pior ainda, mãe: me chamaram e disseram que era pra eu ensinar o serviço pro molecote.

Ele não é má pessoa, parece esforçado e me trata com respeito, reconheço.

Mas isso não foi justo, mãe. A gente descobriu que é filho de um amigo do diretor, e nem acabou a faculdade ainda.

Tanto que madruguei, tanto que me esforcei, confiando que Deus ia me ajudar… Não me arrependo de ter seguido o seu conselho, mãe, porque é o caminho certo pra se tomar na vida, mas tenho pensado muito numa coisa. Sabe a conclusão que tirei? É triste, mas não tenho outro modo de encarar isso: “mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”.

14 comentários em “Quem Deus ajuda │ Zulmira Carvalheiro”

  1. Júlio César Vilagran Teixeira

    Domínio da escrita: Não chama a atenção para nenhum erro gramatical. Entretanto, conta com uma estrutura atípica, deixando a narrativa quase com se fosse um monólogo ou uma carta. Ademais, apresenta cortes na continuidade de alguns parágrafos que deveriam seguir coesos, e isso, na minha opinião, quebra um pouco a fluidez. Não é nada grave ou que comprometa a inteligibilidade, podendo ser creditado ao estilo do autor, ainda assim, apesar de respeitar a opção, não posso deixar de dar um pequeno desconto.
    Nota: 2,5

    Domínio narrativo: Apresenta um enredo simples e sem muito se deter em minúcias e detalhes. Acho que a ideia é boa e a descrição é bem feita, ainda assim, senti falta de alguma carga dramática.
    Nota: 2,5

    Abordagem do tema: A temática é bem explorada como desfecho da história e cumpre com o que o desafio exige.
    Nota: 2

    Impacto: Apesar da construção narrativa pouco usual para um conto, é interessante a descrição sucinta da trajetória de um longo período de tempo na vida do personagem. É, além disso, verossímil e bem contado. Gostei muito da subversão do dito popular no desfecho. Parabéns!
    Nota: 2

  2. Olá.

    Domínio da Escrita

    Texto de linguagem simples e bastante fluído. Não encontrei erros.

    Domínio narrativo

    Seguimos a história de um homem que tenta lutar por uma posição melhor, até que se vê ultrapassado por outro. Gostei da forma como foi contada, se bem que deve ser chumbada pelas minhas caras colegas que podem ver na história algum machismo.

    Abordagem do tema

    O texto é sobre a desconstrução de um ditado. Alguém que sempre viveu a sua vida de acordo com um ditado, para chegar ao ponto de reconhecer que o ditado tem de ser alterado. Achei este recurso bastante criativo.

    Impacto

    É um texto que faz reflectir. Da minha parte, sempre dei o meu melhor, mesmo sabendo de algumas injustiças. Não podemos é desistir, porque “parar é morrer”, como se diz aqui em Portugal, e porque estamos numa de ditados.

    Avaliação

    Domínio da Escrita (0 a 3): 3
    Domínio narrativo (0 a 3): 2
    Abordagem do tema (0 a 2): 2
    Impacto (0 a 2): 1,5

    Nota final: 8,5

  3. Claudia Roberta Angst

    Domínio da escrita: Nota 2,5
    Conto bem escrito em forma de desabafo ou algo epistolar, apresentando coesão e clareza na exposição de ideias. Apenas me incomodou a repetição do vocativo “Mãe”.

    Domínio narrativo: Nota 2,5
    O enredo baseia-se na ascensão social e profissional do protagonista/narrador. Sabe-se que o narrador é trabalhador, ambicioso e madrugador. Não há preocupação com a ambientação, no entanto sem prejuízo ao conto. Leitura flui com facilidade como se ouvíssemos um desabafo de alguém, mas sem grandes surpresas. Essa história já aconteceu milhares de vezes.

    Abordagem do tema: Nota 2,0
    O tema – Ditado Popular – não só foi abordado como ganhou uma nova versão segundo o narrador: ““mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”.

    Impacto: Nota 1,0
    Por se tratar de um desabafo corriqueiro, muitas vezes ouvido, presenciado ou mesmo vivido, não surtiu grande efeito. O desfecho foi a conclusão de uma carta com um toque de ressentimento e constatação de que a vida não é justa.

    Nota total: 8,0

    Parabéns pela participação.

  4. Eudes de Pádua Colodino

    Domínio da escrita: Algumas frases e parágrafos não tiveram um recorte adequado, o que deixa a leitura um pouco atravancada. Mas não atrapalhou tanto a fluidez da história, que foi escrita como se narrada fosse. Gostei do estilo. Nota: 1,5.

    Domínio narrativo: Começo, meio e fim bem delineados e, como já adiantado no quesito anterior, a forma da escrita, transcrevendo a palavra falada num desabafo de filho para mãe, foi uma boa pedida. A decepção do protagonista foi bem retratada, e sua índole, também. História curta, simples e bem manejada em seu espaço, mas, talvez por essa brevidade e simplicidade, por mais que haja uma virada na história, ela não foi de todo tão inesperada. Nota: 2,0.

    Abordagem do tema: Mais uma história que aborda o tema em forma de releitura, e construiu bem o conto sobre o ditado escolhido. Nota: 2,0.

    Impacto: Uma decepção do cotidiano, quem nunca se deparou com uma situação semelhante? A quem vem de baixo e batalha para mudar sua sina, essa história é muito familiar. Espero que a tristeza do protagonista e sua decepção com Deus não perdurem e não abatam sua inspiradora força de vontade. Nota: 1,0.

  5. Mantenho o comentário anterior
    Apenas uma ressalva quanto ao impacto.
    Domínio da escrita: Possui alguns erros de coesão e coerência, NOTA 2,75
    Domínio Narrativo: O texto se adequa ao estilo de conto, entretanto possui pobre ambientação e personagens pobres. NOTA 1
    Abordagem do tema: A autor aborda o tema, adequando-se a proposta, entretanto achei pobre a desenvoltura temática, não é um texto que traga algo inédito. Nota 0,5
    Impacto: O texto não me provocou impacto, entretanto, destaco a nova roupagem que o autor dá ao ditado. achei pobre, Nota 1

  6. Misael Felipe Antônio Pulhes

    1) Domínio da escrita (nota de 0 a 3)
    NOTA: 3
    [Em Domínio da escrita devem ser abordadas questões referentes à escrita, como revisão, coesão e estilo]

    O conto flui coerente, coeso, sem problemas que atrapalhem a fluidez da leitura. O estilo do leitor é seco, direto.
    Não encontrei erros de escrita. Mesmo que houvesse ainda alguma coisinha, há que se considerar que se trata de uma história narrada em linguagem coloquial. Nisso o autor também vai bem, já que o nível bom de articulação do idioma cabe perfeitamente na fala de um rapaz de origem simples, mas instruído, como o protagonista.

    2) Domínio narrativo (nota de 0 a 3):
    NOTA: 2
    [Em Domínio narrativo devem ser tratados aspectos do enredo, da ambientação, construção de personagens, e demais elementos da narrativa]

    O autor constrói uma narrativa rápida, direta, verossímil. Há uma linha clara do início ao fim que amarra bem a história.
    A crítica aqui iria para a falta de clímax. Não que todo conto deva ter um, claro. É que este é o tipo de conto que criou a expectativa de algo maior, de um conflito mais grave do que uma simples falta de promoção.

    3) Abordagem do tema (nota de 0 a 2)
    NOTA: 2
    [Em Abordagem do tema deve-se discorrer sobre a adequação e o aproveitamento da temática do certame no texto]

    Criativa a forma como o autor trabalhou o ditado. No título, na forma como a história flui do ditado que a mãe lhe ensinou, e na crítica ao final.

    4) Impacto (nota de 0 a 2)
    NOTA: 0,5
    [E em Impacto o participante pode fazer observações pessoais]

    A falta de clímax fez toda a diferença na minha assimilação do conto. Acredito que, no entanto, se trata de um bom conto, leve tal como quase uma crônica.

    NOTA FINAL: 7,5

  7. Priscila Pereira

    Domínio da escrita:
    Escrita leve e gostosa de ler, não notei nenhuma falha na revisão ou qualquer entrave na leitura. O autor escreve com fluidez e naturalidade.
    nota: 2,5

    Domínio narrativo:
    O autor sabe contar uma boa prosa! Vai levando de mansinho o leitor a se entreter com a história que está contando.
    nota: 2,5

    Abordagem do tema:
    Tema abordado com sucesso! Não soltou só um ditado no meio pra entrar no tema, mas contou a história toda em volta do ditado.
    nota: 2

    Impacto:
    Eu gostei bastante!
    Só discordo do final… Licença que vou filosofar um pouquinho 😁
    Acredito que o molecote que roubou a vaga do protagonista não foi ajudado por Deus e sim pelo amigo do pai. Deus ajuda aqueles que não tem ajuda de ninguém mais.
    De qualquer forma, o seu conto é ótimo, pena o final ser tão desesperançoso.
    nota: 2

    Total: 9

  8. Domínio da escrita: gostei. Tem uns errinhos bobos (como “aposentaria”), mas nada que tire o brilho do texto. Simples, competente e cheio de emoção nas entrelinhas. Nota 3,0

    Domínio narrativo: bateu uma saudade dos meus avós ao ler esse texto. E só por gerar esse sentimento, ganha muitos pontos (bem, no máximo 3, culpe o Bruno). Nota 3,0

    Abordagem do tema: além de tratar da gíria, conseguiu trazer o “call-back” e ainda acrescentar um novo jargão. Excelente. Nota 2,0

    Impacto: sabia que se tratava de um drama mais melancólico, mas esse é suave, traz muita verdade e sinceridade na escrita que cativa à primeira vista. Nota 2,0

    Nota final: 10,0

  9. Arlindo Kamimura

    1. Domínio da escrita ……… Nota: ( 1,5 ).
    Comentário: Estilo discursivo pouco convincente. Razoável domínio léxico.
    2. Domínio narrativo ………..Nota: ( 1,5 ).
    Comentário: O que confere humanidade à obra: carne, ossatura e sangue. Infelizmente, não notei isso no texto, apenas o tom lamuriento.
    3. Abordagem do tema………Nota: (1,0 ).
    Comentário: Boa adequação à temática do concurso.
    4. Impacto…….. Nota: (0,5 ).
    Comentário: Narrativa sem ímpeto, nem dinamismo.

  10. Domínio da escrita 3,0
    Escrita bem correta, sem erros que chamem a atenção.

    Domínio narrativo 2,0
    Engraçado, por algum motivo que Freud deve explicar, eu cismei que o narrador era mulher e não consegui reimaginar do jeito certo. Acho que a voz narrativa soa feminina… Outra coisa, foi que imaginei que a mãe estivesse morta e ele estava conversando com ela no túmulo. Acho que porque o texto todo é uma narração do protagonista, sem que a mãe diga nada. Agora, se ele está conversando com a mãe ali, cara a cara, por que ele está contando toda a história, se ela esteve lá do lado dele sempre? Ela já não sabe de 90% da história?

    Abordagem do tema 2,0
    Dentro do tema. O personagem questiona se Deus ajuda mesmo quem cedo madruga.

    Impacto 0,5
    Uma boa história, simples e bem contada. Mas, senti falta de algo mais… Não me conquistou.

    Nota: 7,5

  11. LIZANDRA OLIVEIRA

    O texto possui alguns problemas de coesão, estilo coloquial, há ausência de conectivos entre as frases. Nota 2,0.
    Concernente ao domínio narrativo, há sequência dos fatos, descrição pormenorizada. Nota 3,0.
    Abordagem do tema está de acordo com o ditado popular. Nota 2,0.
    Impacto: o texto possui um conflito, mas faltou um clímax e inovação, faltou originalidade. Nota 1,0

  12. Domínio da escrita: Possui alguns erros de coesão e coerência, NOTA 2,5
    Domínio Narrativo: O texto se adequa ao estilo de conto, entretanto possui pobre ambientação e personagens pobres. NOTA 1
    Abordagem do tema: A autor aborda o tema, adequando-se a proposta, entretanto achei pobre a desenvoltura temática, não é um texto que traga algo inédito. Nota 0,5
    Impacto: O texto não me provocou impacto, entretanto, destaco a nova roupagem que o autor dá ao ditado. achei pobre, Nota 1,5

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