Naufrágio │ Giselle Fiorini Bohn

Quando os arqueólogos do futuro vasculharem o passado, as redes sociais serão a ânfora quebrada ou a ponta de lança a serem estudadas para nos compreender. Só espero que lá e então vejam mais sentido em tudo isso do que eu aqui e agora.
Nem sei mais como vivíamos antes. Lembro-me da sensação de não sobrar muito tempo para nada, mas descobri, para meu espanto, que dei um jeito de enfiar várias horas frívolas no meio daquela velha rotina, e não me orgulho nada dessa conquista. Hoje passo boa parte do meu dia – da minha vida, sim, esta única que tenho – lendo divagações de pessoas que mal conheço, abrindo links para informações esquecidas assim que os fecho, escolhendo os emojis a melhor traduzirem minha reação, parabenizando por aniversários ou grandes feitos, acompanhando brigas nas quais, finalmente e a duras penas, aprendi a não me envolver, ou rindo de memes –de longe, a melhor parte do meu vício.
Tantas vezes já pensei ter chegado ao limite da minha paciência, tantas vezes tomei a decisão de me manter afastada; embora por vezes tenha conseguido, em todas, voltei. Venceu sempre a sufocante sensação de não mais existir, o avassalador desejo de conexão, a necessidade de validação, patética e irreal, de pessoas que, em sua maioria, nada significam para mim. Por mais que tente escapar, sou sempre enredada de volta.
Navegamos nas redes sociais, dizem, e esse navegar é longo e repleto de dualidade, de opostos que se atraem e se repelem, de náuseas e prazeres, de curiosidade e enfado, de riso e indignação. São dores e delícias tão novas a nosso espírito que não sabemos como lidar com elas; talvez falte em nossa carga genética a experiência com a descarga emocional trazida por um like. Não fomos projetados, acredito, para estarmos todos, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, tentando conduzir esse barco em tantas diferentes direções.
Essa navegação, a mim, não traz a ideia de desbravamento inerente a esse substantivo. Mais do que navegar, nas redes sociais eu sinto que naufraguei, sem bússola ou mapa. Ano após ano, espero por um navio-resgate a me tirar desta ilha, onde passo meu tempo a ler posts como um náufrago a observar ondas quebrando na praia: sim, não há duas iguais, mas pouco as diferencia.
Nenhuma ajuda virá, eu sei. Cabe a mim a escolha entre construir aqui uma cabana e chamar de lar este local, ou a balsa que, com sorte, me levará de volta para onde um dia foi minha casa.
Por ora, deixem-me com os memes.

Gostei demais!
Eu entrei em uma balsa de resgate há 8 anos, meses após meu filho nascer. Resgatei um pouco de sensatez e racionalidade, mas há muitas pessoas ao meu redor que acham que me tornei um ET.
Olá, André! Muito obrigada por seu comentário. Pensei que esta crônica havia naufragado neste mar de textos rsrs…
Parabéns pela decisão corajosa de embarcar nessa balsa de resgate – meu sonho.
Um dia hei de vivê-lo.
Um abraço!