Magna Mater │ Fabíola Terra Baccega

Cheguei quando existia o nada, o infinito, o desarranjo. O caos reinava absoluto, e o vazio era ocupado por uma matéria desestruturada onde a incongruência e o conflito imperavam. Um turbilhão sem sentido e sem fim clamava por mim. Solta nesse desarranjo, à mercê de forças extrínsecas a minha vontade, rodopiei incontáveis vezes e me tornei bela aos olhos daquele que, sobre meu corpo, depositou seu manto azul e prata.
Muito tempo passamos assim. Eu flutuava livre no meu espaço, e as forças e acontecimentos começaram a ser organizados. A noite visitou o dia, o sol iluminou a lua, as estrelas pontilharam o infinito. A desordem foi, aos poucos, sendo substituída pelo ordenamento.
Pronta para gerar, vi o fluxo rubro, sinal de fertilidade, correr livre por vales e planícies. Rios cor de cobre se formaram como veias e artérias e correram pelo meu ser. Volumosos, jorraram, me inundando, umedecendo e tornando fecunda. Sementes estelares caíram sobre mim, e então me cobri de verdes, amarelos e ocres.
Pari todos meus descendentes e os mantive comigo. Tive tantos e diversos filhos que, por vezes, não os reconheci. Cordilheiras, picos gelados, falésias a emoldurarem os mares, desertos infinitos e florestas misteriosas me cobriram e me abrigaram. Torrentes vermelhas e quentes foram expelidas em contrações dolorosas e se derramaram em minha pele, queimando-me e deixando cicatrizes. Exerci meu papel com dedicação e abnegação.
Assim como os trouxe ao mundo, também os levei de volta para minhas entranhas, com medo de perdê-los e para protegê-los dos perigos. Rasguei-me e, com urros estrondosos, abri minha carne, fazendo-os voltar para dentro de meu útero.
Nas cavernas mais profundas, abriguei-os para renascerem, nesse constante movimento de gerar, guardar e parir. Quantas vezes não os tive no colo, acalentando seu sofrimento, para então os deixar ir, mais uma vez?
Tornei-me fértil novamente e gerei as mais altas montanhas, os maiores glaciais, os mais profundos e extensos rios. Gigantes, tiveram seus próprios herdeiros e, espargidos sobre mim, criaram seus mundos, lutaram suas batalhas e sofreram suas derrotas.
Vivíamos finalmente em harmonia, mãe e filhos. Concedi a eles, longas e profícuas vidas. Nosso universo pacificado e organizado, com tudo em seus lugares, foi abruptamente invadido pelo tempo. Este, trouxe, ao chegar, o limite, a intriga, a finitude. Varreu minha tranquilidade, minha constância. Passava rápido demais, e meus filhos passavam com ele. Iam e vinham e, a mim, espectadora eterna, restou oferecer mais uma vez meu ventre, para repousarem, pela eternidade, seus corpos.