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Sem óculos │ Gabriely Santos

Ele tirou os óculos e deixou em cima da mesa – suscetível a ser esquecido, sempre arrumando desculpas pra voltar depois, mas agora ele tinha a desculpa perfeita pros próximos dezoito anos, a criança. Mas ele é tão gostosinho, mas assim, de preferência quando fica de boca fechada e melhor ainda quando fecha os olhos, que mania de ficar cavocando reação no meu rosto, por que não fica de boa em ter o corpo inteiro ali pra ser desbravado? Não, ai, assim, olha pra lá, assim ele goza e ele não pode e nem vai gozar dentro, de jeito nenhum.

Ele tirou os óculos pra poderem se beijar sem bater aro com aro – ele sempre estava pronto pra despir qualquer camada fosse física, psíquica ou moral. Essa mulher que eu amo, pensou, talvez porque temos um filho ou porque ela foi a única pessoa que eu transei nos últimos quantos anos, ah, tanto faz, ah assim, assim, contato visual, contato visual. Eu sei que ela goza assim.

Ela não tirou os óculos como forma de defesa. Eu não vou tirar esses óculos porque eles são parte da minha máscara social de pessoa séria que não estaria aqui se entregando de bandeja, só faltando os sushis por cima – ao passado. Não os óculos ficam. Assim eu continuo no controle, mesmo que minhas roupas estejam no chão e o DNA dele já dentro de mim há um ano e dez meses. Em algum momento eu escorrei e caí nessa areia movediça de gostar de uma pessoa que eu não amo e quanto mais eu me mexo pra correr, mais eu afundo.

Um barulho no outro quarto, a bebê chora. É, hora de vestir a roupa e ir lá ser mãe. Como se tivesse deixado de ser por meia hora. Ou esquecido por um minuto sequer.

Um barulho no outro quarto, a bebê chora. Ela chorou, cadê minha cueca, não posso deixar a cueca. Veste, parece que o choro para. Será que dá tempo de terminar? Beijo. Tu acha que dá pra tempo? – ele pergunta.

— Não, acho melhor não, ela dorme melhor comigo. – ela disse, já completamente brocha e se perguntando por quê daquilo tudo, se resultava num trabalho integral e vitalício. Lembrou de quando disse pro obstetra que ter bebê era muito bom, mas preferia nunca mais transar a ter outro e ele riu e brincou que era bobagem e reduziu a questão a: agora por que pode ser atropelada, nunca mais vai atravessar a rua? E ali, no meio da rua, os carros passando ao meu redor, o caos do trânsito da BR e dos planetas e eu só queria estar na minha cama.

Ela tá bem dúvida – ele pensa e começa a beijá-la de novo.

— Amanhã, tá?

— Tá bom, tá certo. Amanhã? – quem sabe amanhã a gente termina, por mim, eu nem ia embora, a gente dormia aqui mesmo – ele pensa, mas não diz.

— Tá, amanhã então. Vou lá. Não vou te levar até o portão, tudo bem? – ela tem pressa porque agora que passou o calor da hora, lembra que a filha espera e que possivelmente está com fome ou xixi ou com alguma dor e parece que faz horas que está ali naquele quarto, quando vê no telefone, não foram nem cinquenta minutos. E eles ainda assistiram meio episódio de Simpsons.

22 comentários em “Sem óculos │ Gabriely Santos”

  1. Andreas Chamorro

    Bem, eu reli e continuei um pouco confuso. Há uma troca clara de ponto de vista entre os dois personagens. O que os une além do relacionamento é o fato de que são pais de uma criança. Acredito que esse conflito, bem real e contemporâneo, poderia ter sido melhor ajambrado, havia mais umas mil palavras para isso. Mas, de resto, não foi uma leitura enfadonha e realmente o conflito apresentado é muito pertinente na sociedade.

  2. Bem… Eu encerrei a leitura um pouco confuso, pareceu-me que o texto foi escrito em um fôlego e dentro de alguns minutos, sem atenção especial a uma revisão e se detendo somente na ideia inicial. O recurso proposto pelo certame está presente na alternância entre as perspectivas e desejos na hora do sexo, mas o contexto e a relação pregressa das personagens fica mal apresentada, quase esboçada, além de que há apenas o princípio de um início, meio e fim que se possa seguir aqui.

  3. Ana Maria Monteiro

    Olá, Umma Nin
    Pois gostei deste conto, escrito de forma leve e jovial, como que saindo diretamente do pensamento destes jovens, ela mãe de uma criança que é dele e ele, também jovem, mais disposto ao compromisso.
    Toca muitos assuntos sem adentrar muito, exatamente como aprecio ler, sem qualquer julgamento.
    Nesse sentido, é muito bom.
    A frase final é realmente a cereja no topo do bolo.
    Parabéns e boa sorte no desafio.

  4. Claudia Roberta Angst

    Olá, Umma Nin, tudo bem?
    A princípio, analiso a adequação (ou não) ao tema proposto pelo desafio: “A proposta é escrever um conto cujo enredo transite entre as perspectivas de dois ou mais personagens.” O seu conto apresenta o ponto de vista de uma mulher e de um homem, pais de um bebê, que ainda lidam com sentimentos conflitantes no que se refere à relação que terão a partir do nascimento da filha.
    Há alguns lapsos que escaparam à sua revisão:
    suscetível a ser esquecido > suscetíveis a serem esquecidos (os óculos)
    Tu acha que dá pra tempo? > Tu acha que dá tempo? ou Tu acha que dá pra eu ficar mais tempo?
    perguntando por quê daquilo tudo > perguntando o porquê daquilo tudo
    Ela tá bem dúvida > Ela tá bem dividida??? ou Ela tá em dúvida?
    O conto é rápido e rasteiro, mas traz verdades que muitos já vivenciaram. A frase final foi ótima.
    Parabéns pela sua participação no desafio e boa sorte!

    1. Claudia Roberta Angst

      – E eles ainda assistiram meio episódio de Simpsons. > O correto mesmo (gramaticalmente falando) seria: E eles ainda assistiram A meio episódio de Simpsons. O verbo ASSISTIR sem preposição significa auxiliar, ajudar. Com preposição – assistir AO jogo, assistir À novela , assistir AO debate, assistir A um desenho animado. Mas continuo achando a frase final ótima!
      – Em algum momento eu escorrei > Em algum momento eu ESCORREGUEI – (erro de digitação)
      Enfim, ninguém é infalível, muito menos os revisores. Tem um momento que as palavras fogem e não se enxerga falha nenhuma.
      O intuito aqui é ajudar sempre para estimular ainda mais a escrita.
      <3

  5. Conto que narra a história de uma mãe adolescente que tem um caso com o pai da criança, outro adolescente. Ela está grávida do segundo filho, mas não se decide a ter um relacionamento mais sério porque, no fundo, não gosta dele. O conto vive de contradições, fala de assuntos sérios que se manifestam em pequenos sinais que podemos achar irrelevantes. Tem alguns momentos geniais, mas que ficam estragados pela falta de uma revisão mais apurada.

  6. Gostei do conto. Simples, sucinto e que cumpre o desafio proposto. A única parte confusa, para mim, é a questão de não morarem juntos? Sei que há, hoje em dia, diversos tipos de constelações familiares, mas não entendi muito bem isso no texto. Isso não é, entretanto, algo que atrapalha no entendimento geral do conto.

  7. Fernando Dias Cyrino

    Ei, Umma Nin que história legal você me traz! Gostei da ambiência, gostei da colocação a partir dos óculos largados na mesa. Um conto triste. Um casal que se encontra / reencontra e transam. Uma volta que sabem que será fortuita, me passa essa impressão. Um amor que acabou, ou um amor que nunca ocorreu, somente uma paixão, somente a fome instintiva do sexo… Mas aí há a filhinha no outro quarto… “seu dna está em mim” e ele deverá voltar pelo menos pelos próximos dezoito anos. Como eu disse um conto triste. Uma história de solidão, só que uma solidão a dois. Ou seria já (tadinha da criança) uma solidão que começava a crescer e se tornava naquele choro do outro quarto numa solidão maior. Uma solidão a três. Parabéns pela sua história. Gostei muito. meu abraço.

  8. Gostei do ritmo e da construção, boas metáforas, sacadas inteligentes, algumas provocações, personagens adoráveis e verdadeiros… a confusão da digitação, o pesadelo da pontuação não me pareceram propositais, mas se assim fossem trabalhados, ficaria genial. Como disse alguém aqui, retrataria a desordem do casal. Em meio disso tudo, gostei e gostei muito! Parabéns e boa sorte

  9. jowilton amaral da costa

    Achei o conto médio. O tema do desafio foi executado. Apesar de ter gostado do humor ácido, achei o conto apenas uma cena de algo maior. Pouca trama. Gostaria de saber mais sobre as personagens, criar uma conexão com elas. Da forma que está, eu não consegui. Boa sorte no desafio!

  10. Anna Carolina Gomes Toledo

    A segunda leitura ficou melhor. A mãe logo no início não querendo ficar grávida mostra um humor adulto que poderia ser mais explorado. Esse cotidiano inusitado entre casais menos ortodoxos oferecem uma riqueza de interações que funcionariam bem demais se o humor fosse abraçado com mais intensidade(a comparação de ter filho com engravidar me incomodou a princípio, mas quando peguei o tom jocoso, adorei ). O jeito de misturar as falas, ideias e perspectivas pode ter sido proposital, mas carece de um pouquinho mais de polimento para não atrapalhar a leitura. Textos rápidos se beneficiam muito de narrações mais “óbvias”, em que não é preciso se esforçar para entender o que está acontecendo(e qui foi preciso certo esforço para sintonizar ). De todo jeito, gostei do contexto de olhares cruzados, tinha potencial de ser ainda melhor, mas no geral foi divertido.

  11. BRUNO HENRIQUE DA CUNHA

    A incomunicabilidade entre os personagens faz o conto pagar o preço pela narrativa fragmentada e de poucas conclusões. É curto, mas também é mais denso do que uma primeira leitura pode sugerir.
    Nota: 7,0

  12. Um casal tem filho mas não mora junto. Tentam transar, mas rola um desencontro, de tempo, de gostos, de comunicação. Ao menos foi o que entendi. O conto está de acordo com o tema, pois temos os pontos de vista do homem e da mulher.
    Achei o resultado meio confuso. Talvez tenha sido proposital, para retratar a confusão interior dos personagens. Mas, no geral, fiquei com a sensação de estar faltando alguma coisa.
    Boa sorte no desafio.

  13. Ana Luísa Manfrin Teixeira

    O conto é super compacto, e isso é super positivo em um conto de uma maneira geral, mas nesse caso parece que falta algo., Um final ou uma continuação.
    A ideia por trás do texto é muito boa, mas também não pareceu cumprir com os requisitos de mostrar os diferentes pontos de vista.

  14. Tanto a proposta quanto o conceito são deveras interessante. Essa “entrega” que toda mãe tem que fazer de si mesma é uma tema que precisa cada vez precisa ser mais abordado. Entretanto, o início, o título e a conclusão pouco se conectam e acho que certos parágrafos possuem excessos de virgulas ou de “isso e aquilo e aquilo” que quebra qualquer possível imersão e, num conto tão curto, isso é impraticável. Os pontos de vistas dos personagens poderiam também ser expressos com maior clareza. Mesmo sendo curto, me vi voltando diversas vezes para pinçar o que estava sendo dito. Uma boa revisão e alguns leitores destes fariam muito bem aqui.

    Nota: 5

  15. O conto é ótimo. Bem intimista. Por que será que ela não mora com ele se é tudo tão intenso? Um possível amor sem entrega total, sem vidas divididas. O corpo teima em se entregar e a alma quer ser toda solitária. É tão reflexivo. Acho que ela se engana dizendo não amar, gostar é mais conveniente. Gostar ainda nos coloca em uma posição de auto controle. Eles já tiveram um filho! O que mais falta para selar essa União? Talvez eles assistam Os Simpsons querendo viver aquele amor cômico, é o código de declaração deles. Loucura essa situação.

  16. “Em algum momento eu escorreguei e caí nessa areia movediça de gostar de uma pessoa que eu não amo e quanto mais eu me mexo pra correr, mais eu afundo.” É uma bela definição. O conto é no estilo moderno, voltado para produzir literatura através de figuras literárias, no caso muitas antíteses “essa mulher que eu amo, pensou, talvez porque temos um filho ou porque ela foi a única pessoa que eu transei nos últimos quantos anos” e metáforas: “É, hora de vestir a roupa e ir lá ser mãe.” Nisso o conto se sai muito bem. No conto realmente não acontece nenhuma “reviravolta”, não explode nenhuma guerra, mas não é obrigado. As descrições e narração são boas e poéticas. Boa sorte.

  17. Faltou o resto do texto nesse aqui também. Que isso gente? Estou rindo, mas não é deboche.
    Não há exatamente contexto, parece que o que há de texto pula de um fragmento para outro.
    Gostei das premissas, a começar por uma possível miopia, mas entre a ficada e o bebê tem muito espaço. Dá para desenvolver os olhares do nosso protagonista entre a própria vida, a mãe do bebê e o bebê como se os olhos dele fossem nossa câmera. Mas falta desenvolver.
    Único outro ponto de recordo é em relação à pontuação, as falas do personagem no meio do texto não são indicadas.
    Por enquanto temos um meio diálogo e uma meia narrativa.

  18. Vejo um erro em criar parágrafos monstruosos. Frases curtas funcionam na narrativa, não apenas para o gênero de terror (excetuando-se Lovecraft), mas e também em historietas de amor. Percebe-se a falta de revisão (escorrei ao invés de escorreguei). Ficou confuso, como bem observado pelo amigo Antonio Stegues. Bem, continue a escrever e boa sorte.

  19. antonio stegues batista

    Não entendi bem a história, há uma mistura de pensamentos e alguns errinhos de digitação, falta de palavra, etc.. Me pareceu dois amantes que usam óculos, se encontram de vez em quando, ou todo dia, conforme a libido. O uso dos óculos tanto pode ser por uma miopia precoce, ou pela idade. não captei o mote do conto, mas os olhares se cruzaram, ou se miraram, na hora do engodo que a Vida criou para garantir a perpetuação da espécie.

  20. Antonius Poppelaars

    Um conto curto, então a linguagem deve ser econômica e as palavras devem ficar no lugar certo. É exatamente executado assim no conto. Os óculos representam a diferente ponto de vista dos personagens, um simbolismo interessante. O episódio dos Simpsons marca bem o desinteresse surgindo entre o casal.

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