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Recém nascer │ Ana Luísa M. Texeira

Luz. Toco a luz. Falho e emito um som.

Grito. Perto de mim um aconchego. Como já era. Era assim antes o tempo inteiro. Me frustro por me lembrar de onde eu estava. Choro e grito novamente,

A luz aparece novamente. Uma sombra. Frio. Vazio. Um vazio enorme. Me abro, tento me comunicar, só ouço um choro doído. Esse som saiu de mim. Tenho que preencher o vazio, é tudo muito desesperador. Que angústia. Sou finalmente preenchido. E sinto também um calor voltar ao meu ser.

Não morrerei. Não morrerei?

Calor. Sombra. Algo fofo sob a minha parte de cima. Movimentos. Algo gira. Cores e sons. Tento me mover, não consigo, grito.

Algo se aproxima. Duas redomas. Bolas de vidro me observam. Me sinto protegida; não morrerei. Me deixo preencher pela leve sensação de paz. Sorrio.

Olho no fundo de seus olhos. Me vejo como em um espelho e penso pela milésima vez naquele dia o que será que passa pela sua cabeça.

Me questiono se a luz machuca seus olhinhos e se ela sabe que estou aqui. Um ser tão pequeno, indefeso. Como eu. Não tenho nenhum tipo de condição de manter essa criança viva.

Como se ainda eu mesma me sinto uma?

Fico sozinha com ela pela primeira vez na minha vida.

“Ela nunca estará tão bem como quando está com a mãe” – disse a doula.

A frase materlava em minha cabeça desde quando a mesma foi proferida.

Ela não parecia tão bem. Chorava e gritava ao menor movimento e e por dentro eu gritava ainda mais alto. Me derramava por dentro. A dor, a solidão e a angústia me engoliam como um buraco negro. Um poder que sugava tudo a seu redor inclusive a si mesmo que nascia do ponto mais central e inerente do meu ser.

Tudo sumiu e deixou em seu lugar um ser informe. A cara de sono, os cabelos revoltos e a alma espalhada por todo o chão. Era impossível recolher pedaço por pedaço para juntar o que antes era um todo.

O móbile sobre a sua cabeça gira e me questiono se é super estímulo, se a noite não vai dormir e procuro olhar novamente para seus olhos, para que ela também conheça os meus e, assim como eu se reconheça neles.

A observo a procura de sentimentos. O que ela sentiria por mim? O que deveria sentir por ela?

Nos seus olhos brilhavam uma luz e um sorriso leve passou pelos seus lábios. Estaria delirando? Foi mesmo um sorriso? De satisfação? Um espasmo? Por que?

Resolvi acolher o sorriso. Foi sorriso sim. Reverberou em mim, respondi com um sorriso e finalmente entendi que ali diante de mim se encontrava a minha salvação;

Viverei, conclui. Viverei

Me deixei ser tomada por um sentimento intenso de paz.

23 comentários em “Recém nascer │ Ana Luísa M. Texeira”

  1. O texto retrata com delicadeza a transformação na vida de uma adolescente que se vê diante da maternidade. A autora consegue transmitir as diversas emoções que tomam conta da protagonista, desde o susto inicial até a felicidade que preenche seu coração ao sentir o bebê mexer em sua barriga.
    As palavras escolhidas são poéticas e descrevem com precisão a beleza desse momento único. A autora também aborda com sensibilidade as preocupações e incertezas que a jovem mãe enfrenta, como o medo de não ser capaz de cuidar do filho e a responsabilidade que a nova fase exige.
    Em suma, o texto transborda sensibilidade e consegue transmitir com maestria a beleza e os desafios da maternidade na adolescência. Com certeza a autora tem um talento nato para a escrita e um grande potencial para desenvolver histórias tocantes como essa. Parabéns!

  2. Um texto curto e potente, em especial na releitura quando se percebe que a confusão inicial não é só propositada como adequada à perspectiva adotada. Muito bem pensado e ousado pela economia. Conta-se uma história sem se alongar, uma com a qual se pode se simpatizar facilmente.

  3. Ana Maria Monteiro

    Olá, Donna Sheridan

    Um texto bonito, agradável de ler e que nos oferece o olhar da mãe e do filho, no momento do parto.
    É bonito, está poético, bem escrito, emotivo e adequado ao tema.
    Parabéns e boa sorte no desafio

  4. Que texto sutil, uma fotografia do nascimento, uma leitura que me emocionou um tanto. Acho que é sempre poético e melancólico relembrarmos na imaginação nosso nascimento, acabei pensando no meu e me causou uma sensação boa, graças a seu conto. É um retrato lindo dessa simbiose imediata que ocorre com as mães e bebês na nossa espécie, e os olhares se cruzando? Que cena mais linda. Em termos literários a economia textual só realçou a delicadeza. Nota alta!

  5. Anna Carolina Gomes Toledo

    É tão bom encontrar um conto fofo e redondinho assim. Em outros contos cheguei a discordar da reação dos demais comentários, às vezes parecia que eu gostava mais ou menos que todos, mas aqui parece unanimidade de que a história é maravilhosa! Gosto da criatividade em relação ao tema e da escolha de palavras ser tão aconchegante. O evento em si não é tão complexo, mas é prova de que mesmo uma situação curta, sob o olhar de um contador aguçado, pode apresentar resultados extraordinários!

  6. Olá. O seu conto parece materializar a ideia de “conto fofo”. Porque é isso, um conceito fantástico de ver a vida do ponto de vista de um recém-nascido. Mesmo tendo erros como o da palavra “materlava” em vez de “martelava”, isso não estraga o facto de estamos perante uma ideia forte, original e bem trabalhada. Dispensa tudo o que é supérfluo, limitando-se ao campo sensorial, o que é a essência do ser nessa idade, onde as sensações prevalecem sobre um intelecto em desenvolvimento. Parabéns.

  7. Bom conto, O tema foi executado. A narrativa é bem feita, As frases curtas no início dão a tensão necessária para um nascimento. O texto é repleto de ótimas passagens, o autor ou autora mostra experiência. Boa sorte no desafio.

  8. Fernando Dias Cyrino

    Um conto bonito como é a vida. O começo, a nova vida que chega. Sua história, curta e consistente, ficou bem legal. Os olhares estão cruzados na minha avaliação, conforme pede o desafio. Sua narrativa me fez sorrir e isto é bem legal. Abraços e sucesso no desafio.

  9. Que conto mais bonito! Gostei deste tema, que tanto me toca. Tem algumas palavras escritas errado, algumas vírgulas faltando, mas nada que uma segunda revisão não arrume.

    Gostei muito deste trecho: “Tudo sumiu e deixou em seu lugar um ser informe. A cara de sono, os cabelos revoltos e a alma espalhada por todo o chão. Era impossível recolher pedaço por pedaço para juntar o que antes era um todo.”

  10. BRUNO HENRIQUE DA CUNHA

    A narrativa enxuta faz bom uso de seu tamanho, traçando um competente paralelo entre suas diferentes vozes em sua forma e, principalmente, em seu conteúdo. O universo abordado não chega a ser original, mas é narrado com técnica, lirismo e fluidez.
    Nota: 7,0

  11. Eu amei esse texto, sabe, as vezes eu me pergunto se não perdi alguma coisa por não ter feito um parto normal, talvez a dor acordasse alguma coisa da mãe em mim, mas depois, foi tudo tão instintivo, o amor tão grande que me inundou apesar da anestesia e o corte e os vinte minutos que demorou o processo todo, a maternidade começa quando a gente segura o bebê e sente que a vida (re)começa literalmente. Achei muito criativa essa troca de olhares que começa lá no útero e termina com o primeiro sorriso entre mãe e filha, poético e tocante e profundo – algumas coisas só as mulheres sentem e é uma pena que por tanto tempo a literatura tenha sido tão predominantemente masculina e não tenhamos tanto contato com acontecimentos assim como temos das guerras, ainda que, felizmente, os nascimentos sejam mais comuns. Parabéns.

  12. A relação mãe e bebê pelos olhos de ambos. Um conto curtinho, que atende ao tema proposto, ao mesmo tempo que emociona. Os dois pontos de vista estão muito bem desenhados e o final, com o encontro de olhares que salva.
    Muito bem escrito e interessante.
    Por um lado, gostaria de ter visto mais, acho que teria espaço para tanto. Por outro, ficou tão bonito assim mesmo, do jeito que está. Uma leitura prazerosa.
    Parabéns e boa sorte.

  13. Um parto – o começo da estrada para uma, e uma encruzilhada na estrada da outra… Descobertas e incertezas. Sensação de desconforto, de dor e de esperança se misturam às promessas que vida traz a cada nascimento. Parabéns pelo texto.

  14. Lindo conto! A maternidade deve ser um amor muito forte e dizem que amar demais dói. Senti as emoções escritas, todas as dúvidas dela me pareceram congruentes. A felicidade no final foi aliviante. Dor e felicidade na mesma vivência. Todo o sofrimento da mãe valeu a dor. Será que ela vai se tornar adulta? Será que ser mãe amadurece? Eu não sei. Esse conto é sobre dúvidas e me trouxe mais perguntas. A felicidade que vibrou entre as duas talvez seja a solução e um objetivo alcançado.

  15. Muito tocante e muito bem estruturado. O contraste entre as frases longas da mãe e as frase, quase como pequenos socos (que, em contrapartida, é praticamente como o nascimento deve ser, socos de todos os lados) é ótima e impede qualquer confusão entre os pontos de vista, e a forma como as duas narrações se juntam nas duas últimas frases é perfeitas. Muitas vezes, contos muito curtos acabam deixando a desejar, esse, por outro lado, sabe se medir e se utilizar de sua pequena extensão de forma muito boa:
    Nota: 8,5

  16. Adorei o que é tratado e retratado. Texto lírico, sem dúvidas, no geral um monólogo clássico.
    Uma das leituras mais curtas, porém uma das boas.
    Fico na dúvida quanto a adequação ao tema, por ser primordialmente um monólogo.
    Há belos versos a partir de “Não morrerei. Não morrerei?” — pois o que é morte para quem acabou de nascer?
    Eu também gosto e chego a empregar essa técnica de pontuação que encadena momentos. Não é exatamente fácil de fazer e as pessoas não veem isso como um recurso estilístico (…), e esse é um texto que pode ser trabalhado com ainda outras ideias estéticas, como em Hemingway ou Shakespeare, que foi bem lembrado aí.
    Esse recurso se usa comumente na terra do sol nascente e nos seus hakais.
    Continue trabalhando no texto que ele pode alcançar muito se transformando numa experiência completo sobre o que é “vir à viver”.

  17. Antonius Poppelaars

    Um conto surpreendente sobre um parto. O começo relata do ponto de vista da recém-nascida e o final represente os medos e esperanças da mãe. O resultado é um conto comovente. Gostei das frases curtas, expressando a agonia e em uma situação estressante, e no mesmo tempo, bonita.

  18. Claudia Roberta Angst

    Olá, Donna Sheridan, tudo bem?
    A princípio, analiso a adequação (ou não) ao tema proposto pelo desafio: “escrever um conto cujo enredo transite entre as perspectivas de dois ou mais personagens.” No caso do seu conto, há pontos de vista simultâneos de mãe e filha sobre a hora do nascimento.
    – Sou finalmente preenchido. > Sou finalmente preenchida.
    Cuidado com o excesso de pronomes pessoais, alguns podem ser excluídos sem prejuízo à compreensão.
    O texto é escrito em prosa poética, dando um outro viés ao nascimento de um bebê, sob o ponto de vista tanto da mãe quanto da filha. O nascimento para um bebê deve ser angustiante, uma sensação de morte, já que sai da proteção do ventre materno para uma luz não muito confortável.
    O pseudônimo faz menção ao musical Mamma Mia, mas poderia ser qualquer dupla de mãe e filha, que o impacto seria o mesmo.
    Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.

  19. Premissa interessante mas desenvolvimento confuso. As vezes busca palavras e frases para florir e acaba por não dizer o que seria providencial ao fluxo narrativo. Algumas frases com pronomes demais: “ME frustro por ME lembrar de onde EU estava”

  20. antonio stegues batista

    A narrativa descreve uma mulher no hospital no momento do parto, o marido ao lado, as luzes sobre ela. A dor que sente, tem a impressão de que vai morrer. Depois ela em casa contempla o bebê na cama e questiona o futuro e sua condição de mãe.
    Ouvi dizer que algumas tem orgasmo nessa hora e por vergonha não fala sobre isso. Não é surpresa esse acontecimento devido a anatomia feminina. É uma coisa normal, incontrolável, claro.
    A narrativa usa um pouco linguagem figurada, a escrita com frases curtas de uma só palavra direta, dando fluidez a leitura. O conto começa com a palavra Luz, que se refere às lâmpadas esféricas da sala de parto, também como o nascimento da criança quanto o renascimento dela. Faça-se a Luz, diz no Gênesis. Simbolicamente, um olhar que se cruza no presente e no futuro.

  21. Adorei o texto, me reverbei em cada parágrafo até deparar com o final do terceiro parágrafo “Sou financiamento preenchido”.
    Seria capaz de jurar que o texto fala de uma mãe e seu bebê.
    Por favor, me corrige se estou errada?

    1. Sim, o texto são dois monólogos de Sophie e Donna Sheridan, respectivamente filha e mãe, do Mamma mia, um musical de 2008 baseado nas canções do ABBA. O conto é um prelúdio das declarações de amor entre Sophie e Donna.’ Note que o conto segue perfeitamente o tema do desafio, porque os pontos de vista mãe e filha sobre o nascimento são simultâneos. O recurso principal aqui é o chamado “solilóquio”, como o “Ser ou não Ser” de Hamlet, o que dá ares dramáticos ao conto.
      O estilo, de frases curtas e significativas, é bastante lível. Realmente não encontrei erros. Talvez a autora queira se referir ao “ser” quando fala “preenchido”, ou talvez quisesse dizer “preenchida” mesmo. Um dia saberemos.

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