
Rashomon │ Cícero Gilmar Lopes
Prólogo – O delegado
— Sou delegado de polícia e me confesso; esgotado e triste. Para desopilar a alma, reservei, hoje, uma entrada para o cine, na sessão da meia-noite. A última. Preciso me distrair da diabólica comédia humana.
***
A versão de Nô
O facão vive os dias, assubiano o vento e deitano abaixo, os pé da cana. E vem: é zap-zap-zoiiin! Os braços, seu moço, tão é muito acostumado ao tamanho do peso do facão, se mexe igual bicho ensinado, só repetino o movimento. Golpear, baixar, braçar o feixe da cana, carregar e jogar nos monte. São é horas! Todo dia, o mesmo sufoco e suor.
Eu sou o Nô: um trisquinho de sujeira. Um calango cabeçudo, sem atinar meu tamanho, nesse mundão de estrelas e nesse tantão de largura de terra e céu. Agúia perdida nas páias secas que olho nenhum vê. Sou é mesmo, um traço cinza no meio do oceanão verde das cana-cayana e o facão ó: só zap-zap-zoiiin. Seguimos é cortano, juntano e contano os minutos que faltam pra goiabada do meio-dia.
Tem vez que os gaios de cana usa suas foias afiadas pra se defender. Daí, seu moço, qualquer pedaço de pele que num tá coberta, a navaia das foia, corta… E é fundo, viu! Nestante mesmo, eu deixei os pensamento voar e zóia… Veio a foia e beijou na minha testa. Seus dentes de piranha abriram um taio, grandão assim e o sangue começou a escorrer de cima pra baixo, da testa pros zóio, pareceno que eu tava chorano sangue. Com as costas da mão, eu limpava o corte, mas, o sangue voltava logo a escorrer e aí, eu chorava sangue. Foi nisso, chegou o Assis de Anacleto e, ficou alí, me olhano, bestano, os zóios borboletano sem óiar. Arrudiano, como se quisesse soltar um peido e num achava posição. Daí, eu arrumei o facão na cintura e perguntei: — O que qui tu quer moleque?
Assis é o faz tudo, que a Usina paga para circular nas plantações, traz água, fumo, e o soro que eles, agora, tão dano pra gente vencer o calor! Assis é menino virgem… meio brôco. Que eu já vi por aí, se arroçano em criação pra se satisfazer… Demorou, mas o sarnento, finalmente me oiou e disse:
— Acho que tu não ia querer ir na beira do rio, junto da ponte do trem…
— E a por que eu não ia querer de ir lá? Perguntei, já julgano que ia vir maribondos daquela conversa.
— Oxê! Tu não ia querer de ver.
— Mas, menino! Que mulesta! Do que você tá falano, Assis? Eu digo, aperreado.
— Não ia querer de ver tua mulher e teu primo…
Não precisou falar mais nada. Eu já tinha visto os cochichos dos dois; Irina e Elias, meu primo… Os risos, a conversa quebrada, assim que eu me chegava. Tinha caroço no angu.
Corri, atropelando o moleque, desabalei na carreira. Era distância de uns dez minutos. Dez minutos, o mundo acaba seu moço, nem precisa tanto! Meu mundo tava se acabano atrás de mim.
Chegou na beira do rio, só um pedaço d’eu! Prumode a minha cabeça, meu juízo e meu coração de homem bom, tinha ficado para trás. Na carreira que eu dei, juízo e coração num conseguiram seguir minha raiva de assassino. Alí, o rio era de águas rasas, enriba: a ponte e os trilho do trem; embaixo, donde tava eu, tanto dum lado como d’outro, tinha muitas tocas, covas estreitas na parede de barro vermelho, que subiam, uns oito, nove metros até o alto, uns regos que dava pra se esconder do sol e dos zóios dos passantes. Nem uma alma à vista. Escapuliram! Mas tinha rastro! Os pé descalço de Irina, marcando o barro, mais as marca das bota do traidor, mais o capim arriado pelo peso dos infame que se deitaram neles. Não podiam tá longe. Prometi que seria a última vez que ia seguir Irina. A ùltima vez. O mato mexido delatava a fuga dos covardes. Não demorou, vi Irina e tudo escureceu… é eclips que chama?
E o facão zap-zap-zoiiin.
***
O relato de Elias
O primo Noberto não merecia… Não merecia a desgraça de vida que carregava no lombo. Mas também, não merecia ter mais que isso! Não fazia por onde.
Somos primos, parenteda igual; meu tio era tão calvo quanto o meu pai – eram dois bois zebus, sem muita valia. A gente tem a mesma idade e nascemos nessa mesma triste vila. Mas veja: enquanto eu, fui para o Sul, buscar estudo, trabalho e oportunidade, o primo Nô, ficou aqui, na qualidade de jumento de carga, de braço escravo da Usina, cortando cana a preço de farinha grossa.
Até os dez anos, a gente era os melhores amigos, irmãos! Parceiros de tantas brincadeiras e aventuras; banho de rio, caçar passarinho. Subir em jaqueira e pé de manga… foi então que eu fui com minha mãe pra São Paulo.
Ficamos longe, uns oitos anos. Na minha visita em 85, nos reencontramos e pareceu que a gente nunca tinha ficado um dia sem se vê, a mesma camaradagem. Visitamos uma casa de moças, onde na época, a Irina trabalhava, divertindo os homens. Vocês devem conhecer! A casa da mãe Zezinha, onde, naquela noite, a gente bebeu até não lembrar de nada.
Voltei para São Paulo.
Mês passado, regresso para o enterro da minha mãezinha querida e revi o primo Norberto. E olhe a surpresa: casado com Irina!
Insistiu. Ele insistiu para que eu ficasse na casa deles. Afinal, eu tinha mais quinze dias de folga, até voltar para meus negócios, na capital de São Paulo.
— Se estou rico? Hemorróidas e dinheiro não se contam!
Volto a dizer que meu primo, Nô não merecia, entre outras coisas, uma mulher como Irina. Não merecia, quero dizer: que aquela bichinha é da pá-virada, viu! Mas o primo devia saber, avalie o lugar de onde ela saiu! Não vou negar, Irina é bem divertida e não é feia! Faria um estrago louco, nos bolsos dos playboys de Alphaville…
— É um lugar onde os ricos moram! Eu? Não! Eu ando mais pela Augusta!
— Eu não estava de chamego com Irina, não!
— O que a gente fazia, enquanto o primo estava no canavial?
— Quem disse que eu não saía da rede? Bater prego? Meu amigo, eu estava de férias!
Tinha coisa que eu não podia gritar! Por isso a gente falava baixo. É verdade que se eu fosse mais fraco, a gente tinha se deitado. Não faltou indireta, direta. Umas conversas de que eu era bonito feito o cão! Isso no começo, mas logo eu, numa oportunidade dessas em que o Noberto estava no campo, expliquei direitinho a minha vida. Mostrei que na minha vida não tinha lugar para ela. Então, eu posso garantir que não foi por minha causa que o primo fez o que fez! Não teve nada a ver com traição, ciúmes, paixão, traquinagem no mato, nada disso! A gente tava tranquilo e bem.
— Por que ele me bateu? Ele não… Mal-entendido.
— Querem saber? Não queria ser fuxiqueiro, mas é isso… Irina tava querendo voltar para vida de rapariga! Pra casa da mãe Zezinha! Pronto, falei!
***
Assis de Anacleto – um testemunho
— Se eu disse que vi, foi por que vi, com esses zóios! Sou de mentir, não!
— Os dois, no rio… que nem contei pru boi!
— Tavam vestidos. Se tão pelado, eu ia querer assistir!
— Atracados? De vera, não! Mas teve uma hora que ele empurrou ela no capim e se jogou por cima. Pensei é agora, que vai ter filme! Mas foi não! Tava muito couro de pica e aí, desistir e fui avisar o Nô!
***
Irina – três anos depois, numa sessão espírita
Era a terceira semana daquela reunião mediúnica, cujo propósito era tentar atrair o espírito obsessor que há meses, assombrava os dias e as noites de Celinha de Caruaru. Celinha, que foi colega de irina na casa da mãe Zezinha, avistava vultos no escuro da cozinha; sentia uns sopros na nuca; acordou, um dia, toda beslicada e nos sonhos, a amiga aparecia sempre chorando. Os mestres do Centro Espírita buscavam nessas três semanas, um contato para que a desencarnada pudesse ser esclarecida e encaminhada à luz. Na mesa estavam: Celinha, a médium e mais dois ajudantes. Fizeram as orações, a médium buscou concentração e desta vez, não demorou para incorporar o espírito obsessor.
— O que lhe aflige, irmã? Perguntou, um dos ajudantes e para espanto de Celinha, (quase urinou na calcinha), ouviu-se a voz da Irina sair da boca da médium.
— Por que, Nô? Por que? A gente era feliz igual um pirata dos cordéis e sua condessa roubada… Era tão grata ao teu amor, Nô! Não havia mulher mais santa que eu nas ruas, nem tão devota ao teu sexo nas noites estreladas.
Celinha não se aguentou e perguntou:
— Mas o Nô disse pra todo mundo que você, Irina, meteu galha nele, com o primo!
Houve um longo silêncio e nesse hiato, a mulher que recebia o espírito, tremeu as pálpebras fechadas e repuxou o lábio. Os que estavam despertos à mesa se entreolharam, como perguntassem se o espectro tinha ido embora.
— Teve galhas, mas não fui eu quem colocou… Eu vou contar a história. Dói tanto! Mas eu preciso contar! Aproveitar que a escuridão que pesava sobre mim se derramou e meu pensamento se aclareou de novo. Eu vou contar…
E contou.
No dia da sua morte, Irina foi ao canavial, para tirar satisfações com o marido. Bem que ela desconfiava, quando os conheceu na Casa de Mãe Zezinha. Os rapazes beberam, luxaram e, ao invés de pegarem umas moças pra xamegar, se afeiçoaram dela e dormiram foi os três, costurados uns nos outros.
O desastre é que o Elias ficava falante quando bebia e na casa do casal, sempre tinha uma cachaça de cana da boa. Num desses dias de preguiça, Elias disparou a beber e puxou conversa. Não era rico de nada! Era chapeiro numa casa de lanches no Brás. Morava depois de duas linhas de metrô e mais uma viagem de trem. E, teve a hora em que o infeliz lhe encurralou contra um móvel, exalando seu bafo de cana, próximo, como fosse beijá-la e, confessou o disparate. Já havia combinado, ele e Nô: iriam fugir na sexta, dalí a quinze.
— Meu primo não pode sofrer mais! Me cortou o coração ver o quanto o Nô está acabado! Vou levá-lo para São Paulo.
— E eu? Gritou a médium, alterada, algo trêmula… reproduzindo a dor de Irina e repetiu. — E eu?
Não havia planos para três. Era só o primo Elias e Nô. Um pirata e seu conde raptado.
Então, Irina enlouqueceu e queria, imediatamente, tirar satisfações do marido. No susto, curou-se a bebedeira e o primo a fez prometer que não faria isso. Desmentiu-se. Não tinha plano de fuga algum, era só um desejo pessoal dele. Nô nem sabia de nada. Fez a moça ficar comovida, contando o real motivo de sua ida para São Paulo. Foi obrigado. Um exílio. A mãe o levou para casa de parentes e o deixou lá, somente para que seu pai não lhe matasse. Sua homossexualidade fora descoberta num flagrante clássico: ele e outro menino no deleite. Eram conversas cochichadas, escondidas de Nô. E aos poucos Irina foi gostando do primo novamente. Era engraçado, divertido. Ria demais das histórias dele em terras paulistas.
Só que o cão não dorme. E no dia do seu infortúnio, Irina achou no bolso do paleto do primo, não, uma, mas duas… Duas passagens de ônibus para o Tietê. Recomeçou a arenga. Irina saiu correndo e o rapaz atrás dela. Ele a alcançou na beira do rio. Discutiram. Ele já não negava que houvesse, sim, um plano que não a incluía. Teve um momento em que ele a jogou no chão e tentou esganá-la. Ela defendeu-se e deu-lhe com uma pedra na cabeça que o fez desmoronar e sangrar, dalí foi buscar a verdade de Nô. A princípio não o encontrou. Não achou ninguém. Voltou para casa. E entre idas, vindas e descaminhos, Irina encontrou-se com Nô.
A confusão inevitável. Estapearam-se. Se morderam. Choraram arrependidos. Ele pedindo penico. Ela pedindo socorro. Ele implorando perdão. Ela jurando vingança.
— Seu nome vai parar na sarjeta!
E gritava demonstrando como seria.
— Nô viado! Nô viado! Nô viado!
Foi ái que o facão fez: zap-zap-zoiiin!
Conclusão – O delegado
— No final não se discute quem matou… O facão não deixou dúvidas. O que ainda não se sabe é: por que matou?
Fui ao cinema – nome do filme era…
Conto interessante. A montagem de um crime pelas perspectivas de todos envolvidos, vítima inclusa, consegue se dar garantindo a voz de cada personagem e o contexto em que se dá a história, num esforço que perpassa a linguagem e a ambientação. Mostrou um grande controle de narrativa e deu ao texto uma verossimilhança. É difícil pontuar aqui a existência de tropeços no português, pois há trechos de dialeto, mas há outros que parecem ter sido deixados para trás pela revisão, em número o bastante para distrair. Ainda assim, um bom conto que dialoga bem com o recurso proposto pelo certame.
Olá, Maria
Um dos bons contos que aqui li, sem dúvida. Bem contado, bem escrito, sem deslizes nem tropeços. Sem julgamentos, os factos são o que são, estão na mesa. O olhar das três mulheres atende ao desafio.
Lê-se bem, é triste, mas não piegas, tem a tristeza da verdade, sem rodeios nem floreados.
Ótimo contributo.
Parabéns e boa sorte no desafio
Percebi pelos comentários que o texto é uma adaptação. Me deu vontade de conhecer o original porque eu adorei essa história. Particularmente não me incomodo com a oralidade, aliás, foi meu trecho favorito no conto. O detetive aparentemente ficou de moldura e investigador “fantasma” mas não desestabiliza o texto. E que babado o enredo! Adorei a leitura. Muita boa sorte!
Adorei a história. Não conheço o conto no qual foi inspirado, mas a sensação de uma investigação abrasileirada soou realmente cativante. O contexto interiorano me fez pensar em esquetes de teatro e atuações intencionalmente caricatas e tudo culmina num desfecho surpreendente. Todas as relações aqui funcionam e cada personagem brilha em seu espaço. Gosto muito da sensação de diferenças e semelhanças nas narrativas, como se quisesse mostrar que o Elias é o moço da cidade, mas nem tanto. Adoraria ler uma dúzia de depoimentos assim, mas a quantidade aqui é aceitável e cumpre muito bem a ideia de um conto sucinto.
Olá, Kurozawa, tudo bem?
A princípio, analiso a adequação (ou não) ao tema proposto pelo desafio: “A proposta é escrever um conto cujo enredo transite entre as perspectivas de dois ou mais personagens.” O seu conto contou quatro versões de um mesmo crime – relato do assassino (Nô), do primo Elias, do faz-tudo Assis de Anacleto e da vítima (Irina), por meio de uma sessão espírita, além da conclusão inconclusiva do delegado. Vou considerar que o conto atendeu à exigência do desafio quanto ao tema.
Há lapsos na sua revisão:
e me confesso; esgotado e triste > e me confesso esgotado e triste
ficou alí > ficou ali
— O que qui tu quer moleque? > O que qui tu quer, moleque?
Assis é o faz tudo > Assis é o faz-tudo
Dez minutos, o mundo acaba seu moço > Dez minutos, o mundo acaba, seu moço (separar o vocativo com vírgula)
A ùltima vez > A última vez
— Por que, Nô? Por que? > Por quê, Nô? Por quê?
dalí a quinze > dali a quinze
paleto > paletó
dalí foi buscar > dali foi buscar
Foi ái > Foi aí
A história prende a atenção pela curiosidade de se querer saber quem matou quem e o porquê do crime. Não há grande originalidade no enredo criado, mas a leitura foi interessante.
Parabéns pela sua participação no desafio e boa sorte!
Olá. Normalmente não tenho problemas com textos com linguagem sertaneja, mesmo sendo eu português. No entanto, achei este seu texto confuso. A forma como trabalhou a mudança de olhares também não ajudou. Percebi a ideia, mas a leitura foi penosa, não ajudando algumas faltas de pontuação.
Ei, Kurosawa, uma história de amor. Uma triste história de amor. Um triângulo amoroso que se fez numa casa de encontros e que se desfaz na morte. Uma história bem contada. Não foi algo que me trouxe encanto. Preenche os requisitos dos olhares cruzados, mas me faltou alguma coisa… abraços e muito sucesso no desafio.
Bom conto. O tema foi bem executado. As personagens são muito boas. A condução narrativa também é muito bem feita até a última parte, onde achei que perdeu um pouco a qualidade. A Irina aparecer para contar a sua visão da história num centro espírita me deu um banho de água fria. Achei que não encaixou muito e pareceu bem forçado. Li em alguns comentários que o texto é uma versão de um conto, que virou filme, de um escritor japonês. Como não conheço o conto original e nem assisti ao filme, li sem nenhuma outra perspectiva, acho que por isso me soou tão fora de contexto a Irina aparecer num centro espírita. Se é que isso ocorra no conto original. Boa sorte no desafio.
O filme de Akira Kurosawa é o principal acerto e o principal defeito do conto. As versões conflituosas são muito bem conduzidas numa brasilidade latente e profundamente rica. Enquanto obra ”original”, o texto conta com um ótimo enredo tecido em um ritmo frenético. No entanto, ainda que não seja mero pastiche do filme do qual se adapta, o texto peca por inevitavelmente se comparar demais com uma obra canônica do tema proposto.
Nota: 7,5
Agradeço aos colegas pelas informações adicionais ao conto; sozinha não teria chegado longe.
Muito bom o conto, a ideia de adaptar ao contexto brasileiro. Fiquei imaginando a cidade onde morei, Araraquara, como cenário para o conto. Parabéns!
Ótimo texto, eu assisti Rashomon há muitos anos e achei a coisa mais diferente do mundo, na época, hoje, como alguém já disse, se tornou comum a coisa de vários pontos de vista, mas aqui, diferente do filme do Kurosawa e o conto que eu não li, descobrimos o assassino – tenho quase certeza que não filme não, mas, enfim – achei surpreendente que não fosse a Irina, a infiel, que os primos que quisessem fugir, mesmo tendo desconfiado quando eles curtiram a casa de moças juntos. Gostei da linguagem do Nô porque esses regionalismos são bonitos e muito particulares de cada região, à lá Guimarães Rosa que além de mestre na linguagem nos deu um dos primeiros romances gay do Br (ainda que não declarado, claro, imagina naquela época). Enfim, bom demais, parabéns.
Texto excepcional! Gostei muito do enredo, dos personagens e do plot twist no final! Super bem construído!
O modo como os regionalismos são colocados na linguagem coloquial também é muito bem feito!
Foi interessante. Não sei se entendi bem. Pareceu que o delegado misturou ficção com realidade e fez loucura.
Achei o conto bem divertido, sou dessas que ri horrores lendo e esse texto me arrancou algumas risadas, a exemplo do parágrafo que diz: “Estapearam-se. Se morderam. Choraram arrependidos. Ele pedindo penico. Ela pedindo socorro. Ele implorando perdão. Ela jurando vingança.” Tem tudo para uma comédia romântica e trágica claro, com o triste destino de Nô que devido a uma fofoca de um pobre e embriagado fofoqueiro distorceu tudo, e acabou com o pobre do Nô. Afinal, qual o filme? Parabéns e sucesso!
Uma história trágica de amor e mal-entendidos. A pergunta no final foi muito pertinente. Nô matou Irina por ciúmes dela, acreditando que ela teria se deitado com Elias? Ou por ciúme deste? Ou por brio? O tema foi plenamente atendido, com os diferentes pontos de vista. Que, apesar de serem claros, não tiram o mistério e não respondem à pergunta principal: por que Nô matou Irina?
Gostei muito da história e ela está extremamente bem desenvolvida. Os personagens foram definidos de forma magistral. O conto explicita de quem é o ponto de vista, mas isso nem precisava ser feito, pois cada personagem tem sua voz diferenciada.
O relato de Nô me agradou especialmente, uma coisa meio Guimarães Rosa.
Coisa de gente grande.
Parabéns pelo lindo texto e boa sorte!
Acho que o grande problema aqui se trata em ser uma adaptação de Rashômon. Vou ser o chatão, pois sou estudante de literatura japonesa e estudo especificamente Akutagawa Ryunosuke e o conto Rashomon. Criei a expectativa de ser uma adaptação ou comentário do conto, mas, infelizmente, Kurosawa chegou na frente novamente. (Fica a recomendação a todos que leiam o CONTO Rashomon, o filme em questão adapta muito mais outro conto de Akutagawa, “Dentro do bosque”) . Ainda em relação a adaptação, acho que se ateve muito a superfície de ambas as obras. Tanto o conto “Dentro do bosque” (e boa parte da bibliografia de Akutagawa) quanto o filme de Kurosawa se versam sobre a relativização da verdade. Kurosawa ainda traça um paralelo com os tribunais da primeira guerra mundial e em como diferentes perspectivas levam a impossibilidade de uma interpretação crua e direta de qualquer acontecimento. No conto, sinto que todas as narrativas buscam mais “contar a história” do que criar conflito entre as versões e gerar dúvidas. A verdade está posta: Nô matou Irina e a pouca ambiguidade nas entrelinhas do conto, sendo mais falado – “O que ainda não se sabe é: por que matou?” – do que sentido.
E acho que acho mais complicado por ser uma adaptação é que o conto, sem esse viés adaptativo, funciona muito bem por si só! A narração é muito bem explorada, cada personagem com sua voz distinta e a trama se enlaça de uma forma que se torna um ótimo exemplar de “whodunnit.” O regionalismo empregado dá uma cara toda especial e trás esse certo subtexto de “rato da cidade X rato do campo.”
Nota: 7,5
O conto é baseado no filme “Rashômon” de diretor japonês Akira Kurosawa. O autor mudou o enredo do Japão para o Brasil com bastante regionalismo. Ficou muito bom!
Ao começar a ler o conto, percebi o contraste da narrativa regional, com o título e o pseudônimo do autor. Mas título e pseudônimo se combinam por se tratar de uma palavra japonesa e o nome de um cineasta japonês, Akira Kurosawa. Porém, eu não assisti ao filme, não conheço a trama e não faria nenhuma conexão, se não lesse o comentário dos colegas. O conto é baseado no filme. Acho válido criar uma história baseada em um livro ou filme, desde que não seja um plágio, naturalmente, mas que incorpore algum detalhe. Eu mesmo escrevi um conto baseado numa serie francesa, e também escrevi uma versão de Frankenstein, de Mary Shelley. Gostei da escrita, dos diálogos, não encontrei erros de nota. Norberto e Elias se amavam e pretendiam viver juntos em São Paulo. Norberto (Nô) abandonaria Irina, mas um mal-entendido fez com que ele matasse a mulher. São coisas do destino. Uma história com o ponto-de-vista de cada personagem sobre um crime, gostei.
como já foi dito aqui, o autor se baseou no filme famoso do Kurozawa… é como pegar a fruta que está mais baixa no pé. mas não posso negar que gostei da tentativa… e fiquei triste em pensar que a pobre Irina está ou esteve três anos perdida no limbo! uma confissão: eu tenho essa dificuldade; tenho compaixão por minhas personagens e ao mesmo tempo acredito que um bom escritor deva ser cruel e levar – essas personagens a lugares sem volta. ainda sobre personagem, o delegado me pareceu, sem função. enfim, só lhe desejo sorte e parabéns por continuar tentando.
Apesar de o tema ser moderadamente “chupado”, a sacada de ambientar e adaptar ao horizonte das regiões do corte de cana-de-açúcar, foi uma ótima ideia. Claro que, para meus olhos, há pecados: ou você escreve as frases com os ditos “regionalismos”, ou não. Se há no primeiro parágrafo, um “assobiano” no lugar de “assobiando”, “golpear” NA MINHA OPINIÃO, deveria “seguir o fluxo”, virando “golpeá”.
A narrativa do espírito de Irina, poderia ser lapidada para suprimir algumas palavras em excesso. Mas está legal.
Sabe? Eu acho que o tema deste desafio deveria ficar mais claro nas nossas mentes.
O regulamento diz que “A proposta é escrever um conto cujo enredo transite entre as perspectivas de dois ou mais personagens.” Ainda foi dado um exemplo: “narrar um assalto a ônibus em que o foco narrativo se alterne entre o assaltante, o motorista e um passageiro.”
O que poderia estar mais dentro do tema do que o conto que está sendo analisado? Creio que devemos ficar bastante atentos para não cometer injustiças.
“Rashômon” é um filme de Kurosawa, baseado no conto “Em Um Bosque”, do escritor japonês Ryunosuke Akutagawa (01/03/1892 – 24/07/1927). No conto, o assassinato de um samurai é narrado do ponto de vista de vários personagens, inclusive do assassinado, que depõe através de um médium. O “foco narrativo”, portanto se alterna entre:
1. um lenhador (que encontra o cadáver);
2. um sacerdote (que encontra o samurai e sua esposa cavalgando na estrada);
3. um caçador de recompensas (que captura o suspeito;
4. uma idosa (sogra do samurai);
5. o bandido Tajomaru (suspeito do assassínio);
6. a esposa do assassinado e
7. finalmente o próprio assassinado, que depõe do além.
7 narradores, 7 pontos de vista e 7 depoimento contraditórios. Essa é a graça do conto. No final dos depoimentos ninguém sabe o que aconteceu realmente.
O filme se mantém bastante fiel ao conto, mas Kurosawa toma o título do filme de empréstimo de outro conto do genial Akutagawa, “Rashômon”, uma outra história meio sem graça, que na verdade é adaptada do folclore japonês. Esta se trata apenas de um “causo” sobre um servo desempregado que resolve se tornar ladrão, começando pela roupa de uma pobre velha, no antigo “Portão Rashômon”, em Kioto. Diferente do conto “Em um bosque”, o filme também se passa nesse portão,
No entanto, em um filme, mostrar cenas inverídicas para a plateia é bem mais complicado que em um conto. Segundo consta, foi a primeira vez que o espectador foi enganado assim. Hoje em dia é comum. Até em novelas da globo já vi cenas montadas a partir de depoimentos falsos dos personagens, o que na época era tabu. Isso é denominado hoje “efeito rashômon” e o espectador não se sente mais enganado por isso, já está acostumado desde Kurosawa.
O conto presente é uma paródia do conto “Em um bosque.” Há 5 focos narrativos:
1. o delegado;
2. Nô (o melhor);
3. Elias;
4. Assis de Anacleto e
5. do assassinado, através de Irina, a médium.
A espada do samurai vira facão, a honra vira chifre mesmo. A mesma confusão de Akutagawa abrasileirada. Os que entendem dessas coisas chamam “intertextualidade.” Primeiríssima.
Que isso. Agora estou achando o texto dez vezes mais rico. Adorei o comentário.
Me fez pensar no que eu tenho em mente ao tratar desse tipo de história e tema. Reparei que estou localizado e puxo bastante para a ficção especulativa, do tipo que caminha entre a Baker Street e o Morro dos Ventos Uivantes.
Estou em dívida com esse tipo de narrativa aqui.
Demais mesmo essa questão da intertextualidade.
No geral… que montagem foi essa! A divisão em linhas e os títulos em negrito dão um ar de cenas cinematográficas. Nota dez por fazer com que a estrutura apoia-se a narrativa. Além disso é um trabalho e tanto lidar com características particulares e regionais, pois é preciso um pouco mais que conhecê-las para adaptar nos jeitos e linguagem dos personagens.
Achei o conto muito menor do que poderia — ou mesmo que parece pretender ser. Muitos mistérios podem ser deixados sem respostas, em aberto ou se transformarem em algo mais cíclico, mas aqui parece que apenas falta mais.
Prólogo e Conclusão: muito curtos. Seria bom carregá-los para que compartilhassem o núcleo da narrativa e a participação do delegado na história.
Entre o Prólogo e o Relato de Elias há falas em primeira pessoa dos personagens. Se é em primeira pessoa, não vejo a necessidade do travessão na fala do delegado — isso não aconteceu com os outros. Mas acho que o charme estaria em deixar tudo — fora os diálogos, obviamente, todos bem feitos — em terceira pessoa. Há momentos nos quais o narrador parece se intrometer e roubar vozes.
Acho a parte da Irina distante dos acontecimentos até então, daria para trabalhar com mais episódios mostrando os excessos do Nô, crimes e fugas. É uma história divertida, toda ela e esse pedaço, mas poderia ter mais conexão entre ela e as outras partes.
Pesquisei que “Rashomon” e é uma história nipônica tensa… essa daqui é brasileira demais e, apesar de ser outra conversa, acho que nossos textos — nesse sentido regional e bruto ou violento, também carregam uma caricatura que por si trabalha com um tipo de “alívio narrativo”. Acho complicado lidar com estereótipos, mas aqui estamos tranquilos.
Repensar o título? Não diria tanto, já que esse é o nosso Rashomon tupiniquim. É fácil de conectar depois de entender o significado — “contraditório” e inconclusivo”, que caberiam melhor se a história fosse centrada na perseguição policial, enquanto o delegado corre atrás dele confirmando a motivação; mas relativo também à “portas do inferno” por conta da história japonesa, e acho que o “peso bom” tá aqui, lembrando que um dos nossos já foi apelidado de “boca do inferno” (Gregrório de Matos).
Eu adorei a história, mas fico na dúvida quanto aos “olhares cruzados”, não os vejo, os olhares aqui mais se desviam pelo medo da investigação ou som do facão; coisa que, com mais ênfase também deve ficar muito boa.