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A singularidade │ Jorge Santos

Acordei com a cabeça mergulhada numa poça de vómito. Levantei-me a custo. Cambaleei. Percorri em câmara lenta o espaço até à casa de banho, no chão coberto de lixo do meu apartamento. O fedor intenso fez-me vomitar na sanita. Demorei algum tempo para me recompôr antes de ganhar coragem para me ver ao espelho. Como esperava, não me reconheci no reflexo do homem que tinha acabado de perder a mulher da sua vida, a poucos dias do casamento.

O final tinha sido ali, naquela mesma sala, uma semana antes. “Não quero seguir com o casamento, Norberto”, dissera Rafaela, e a minha vida terminou, não sem antes fazermos amor no sofá onde tantas vezes o fizéramos. Na realidade, já não era amor mas sexo de despedida, onde o ódio se tornou evidente e terminou num orgasmo ruidoso que demonstrou a farsa da nossa relação. Nunca antes se entregara daquela forma, qual canto de cisne num bailado perverso. Depois, vestiu-se apressadamente e saiu da minha vida, instalando-se um luto violento que tomou conta de mim e me atirou para o mais profundo dos buracos.

Agora, ao olhar para o meu reflexo no espelho da casa de banho, percebo que ela não merecia que me sentisse assim, completamente destruído. Razão tinha a minha tia Arminda quando dizia que não gostava dela. Mas sobrinho que é sobrinho nunca dá razão às tias, especialmente quando temos a certeza de que o que está em causa é a mulher da nossa vida.

“Eu avisei”, diz Arminda, às voltas na cozinha enquanto terminava de fazer o assado. Júlio é o marido, um homem pacato que passa a vida na pequena oficina que tem ao lado da sua casa. É no meio de um monte de entulho, entre peças mecânicas e elétricas do Século XX, que passa o seu tempo. Isaura é a minha outra tia. Passa a maior parte do tempo na casa da tia Arminda, a mulher que me criou desde que a minha mãe morreu, tinha eu cinco anos. Esta é a minha família. Nunca conheci o meu pai. A minha única figura paternal é o meu tio Júlio.

Contemplo em silêncio o peru assado. As minhas tias rezam antes de começar a comer. Júlio está no limbo, absorto num mundo que é só dele.

“Norberto, porque não fazes uma viagem?”, perguntou Isaura. “Paris é linda nesta época do ano.”

Não me apetecia ir a nenhum lado, porque todos os destino me lembravam de planos cancelados. Paris. Roma. Londres. Nova Iorque. Rio de Janeiro. Se ao menos pudesse voltar para trás e começar de novo. Sabia os erros que tinha cometido. Deixara que a minha carreira de advogado tomasse conta de mim e fiquei sem tempo para ela. Agora estava sozinho e não conseguia trabalhar.

Pesquisei outros destinos. Sítios para onde não tivéssemos planeado ir. Botswana e o Malawi, por exemplo. Foi então que dei com a Temporal, uma empresa de viagens no tempo. Era algo mais caro do que estava a pensar inicialmente, mas poderia resolver o meu problema.

Fui até à sede no dia seguinte. Funcionava como uma agência normal de viagens. Escolhíamos um destino e uma época. Só podíamos recuar cem anos no máximo e ficar lá durante sete dias, no fim dos quais regressávamos ao dia em que tínhamos partido.  Havia algumas restrições. Era proibido contactar as nossas versões passadas, por exemplo. Mas estava-me a borrifar para as regras e era precisamente isso que eu pretendia: queria recuar três anos e meio no tempo e avisar o meu eu da altura que iria conhecer a mulher da minha vida e que a perderia irremediavelmente se não lhe desse a atenção devida. Mas daria mais atenção a mim próprio do que tinha dado à minha tia?

Preenchi os papeis, colocando 3,5 anos no tempo a recuar. No dia da viagem entrei numa máquina do tempo, que não passava de um elevador com uma cama onde me deitei. Adormeci rapidamente, caindo num sono induzido.

Quando acordei estava num hotel. Na mesa de cabeceira tinha uma carteira com dinheiro da época. Peguei numa nota e constatei que tinha havido um erro. Verifiquei o calendário de papel que havia em cima da mesa. Em vez de 3,5 anos, tinha recuado 35 anos. Desci à recepção. Fui atendido por uma jovem muito simpática e com um pin da Temporal (uma das restrições mais importantes: só devia falar da viagem com pessoas que se identificassem com o pin com o T amarelo).

“Desculpe, mas creio ter havido um engano. Eu deveria ter viajado 3,5 anos no tempo. Creio ter viajado 35 anos.”, disse.

Ela foi verificar no telemóvel.

“É o Sr. Norberto?”

“Sim.”

“De facto, o senhor viajou 35 anos no passado. Deve ter sido um engano.”

“Há alguma coisa que possa ser feita?”

“O senhor assinou o contrato. Agora só poderá regressar dentro de sete dias. E 2023 é um bom ano. Afinal, ainda estamos a dois anos da grande catástrofe de 2025. Não posso fazer nada, lamento. Tenha uma boa estadia.”

Estava preso no ano errado. Eu ainda não tinha nascido. O que fazer quando estamos presos no ano errado? Saí para o exterior. Era tudo diferente. Os transportes, as pessoas, as lojas. Até o ar poluído. As pessoas de 2023 respiravam um ar que tresandava a monóxido de carbono. Tudo era confuso e barulhento, mas depressa me deixei seduzir pela sua autenticidade, sem as regras asfixiantes do meu tempo. Descobri que podia beber até cair para o lado e que as prostitutas não pediam Certificados de Pureza. A música era tocada a níveis insanos e ninguém estava preocupado com os tímpanos ou com a saúde mental. Era como estar constantemente em festa.

Mas não havia festa sem Rafaela. A recordação dela fez-me perder um dia, no qual percorri a cidade num passo zombie. Estava a dois dias do meu regresso forçado. Tinha gasto todas as minhas economias naquela viagem e era improvável que a empresa me reembolsasse. Afinal, eu tinha assinado o contrato e no meu tempo a assinatura era sagrada.

Junto à água revi a minha situação. Na Índia, a água purificava. Mergulhei no mar, ciente de que estava a mergulhar na porcaria, tão evidente nas cidades turísticas em 2023. Não me importei. Não era o único na água. Ainda tínhamos muitos anos antes de nos tornarmos paranóicos com a limpeza. No processo tínhamos ficado incomparavelmente mais sérios e estupidamente aborrecidos. Apetecia-me ficar ali. Naquele momento. Mesmo sabendo dos anos terríveis que aí viriam. O que me interessava o futuro?

Pedi mais uma Cuba Libre no bar. A empregada sorriu-me com um sorriso que entendi ser autêntico. Era bonita, de uma forma igualmente verdadeira. Havia um convite declarado no olhar. Discreto, quase invisível. Sentei-me numa mesa próxima do balcão. Chegou um grupo de turistas, alguns com o pin da Temporal. Pessoas do meu tempo. Há um sentimento estranho que nos percorre quando vemos alguém da nossa terra num sítio distante. Havia um fascínio idêntico quando vemos alguém do nosso tempo. Mas, naquele momento, estava mais ocupado a ser seduzido pela beleza simples da empregada do balcão, pelo que escondi o meu pin. Fiquei ali o resto da noite, simplesmente a olhar para uma mulher que servia bebidas a outras pessoas. Quando dei conta, os nossos olhares cruzaram-se e vi no olhar dela a mesma certeza, a mesma fome. Consultei o relógio. Tinha apenas mais quatro horas antes de regressar ao meu tempo. Quatro horas para conhecer a mulher da minha vida? Ou quatro horas para viver? Decidi tomar a iniciativa e aproximei-me dela.

“Desculpe… tenho a impressão de a conhecer algum lado.”, perguntei. A frase de engate mais batida de sempre. Pelo menos no meu tempo. Ela fixou-me o olhar.

“Já nos conhecemos. Tenho estado a noite toda a enchê-lo de Cubas Libres. Admira-me que ainda esteja a condições de se manter em pé.”

“Tenho apenas uma fome de leão. Mas não gosto de comer sozinho.”

“Lamento. Posso pedir à cozinha para lhe preparar um hambúrguer.”

“Não vejo como é que isso me soluciona o problema da solidão.”

Ela sorriu.

“Não vai desistir, pois não? Posso fazer queixa por assédio.”

“Continuaria com fome. A comida na prisão é horrível.”

“Mas teria solucionado o seu problema da solidão.”

“Prefiro a companhia de uma mulher inteligente.”

“Inteligente, eu?”

“Prove-me que estou enganado.”

Bebemos um copo ali mesmo, às escondidas do gerente. De vez em quando ria-se alto e os olhos faiscavam de prazer.  No final do seu turno fomos comer um hambúrguer ao clube que havia ao lado do bar onde trabalhava. Dançámos músicas antigas para mim, recentes para ela. Havia uma estranha química na forma como nos relacionávamos, algo que nunca tinha sentido antes. Maldisse o tempo que tinha perdido até a conhecer. Tempo. Olhei para o relógio. Ela declarou que estava a ficar cansada. Sugeri acompanhá-la a casa. Sem segundas intenções, apenas a vontade de ficar mais tempo com ela, mas havia no olhar dela algo mais. Apanhámos um táxi, andámos cerca de meia hora na cidade. Declarou que tinha frio. Abracei-a. Aninhou-se no meu corpo como uma gata no cio. Beijei-a. Ou foi ela que tomou a iniciativa.

Acompanhei-a até casa, um apartamento onde vivia com familiares que estavam fora da cidade. Mesmo assim, estava hesitante antes de entrar. Ela puxou-me com uma sofreguidão evidente. Despi-a primeiro com o olhar, depois as minhas mãos percorreram-lhe o corpo. Ela puxou-me para o quarto. Desabotoou-me a camisa. Tirei-lhe a blusa e desapertei-lhe o soutien. A partir daquele momento foram os nossos corpos que tomaram conta da situação, numa ânsia inesgotável que fazia com que o sexo com a Rafaela parecesse um simples arrufo de namorados. Sentia-me vivo e sem tempo para ser feliz. Arranjaria forma de voltar. Era contra as regras? Estava-me a borrifar para as regras. Beijei-a. Olhei para o relógio. Tinha meia hora.

“Tens de apanhar o avião?”

“Não. Quero ficar aqui para sempre.”

“Aposto que dizes isso a todas.”

Levantei-me e comecei a vestir-me. O meu olhar caiu numa pequena fotografia que estava na parede. Alguma vez apanharam o elevador para o Céu e foram diretamente para o Inferno? Foi o que senti naquele momento. Vesti as calças atabalhoadamente e fugi sem dizer uma palavra.

 

Regressei ao meu Tempo durante o caminho de regresso ao hotel. Dei comigo na cama da Temporal, no presente, com um funcionário a verificar a minha condição física. Sentia-me profundamente agoniado, mas nada tinha a ver com o facto de ter regressado de uma viagem no tempo. Vi-me ao espelho. Estava diferente. Pequenas alterações no corte de cabelo, subtilezas que só alguém muito perspicaz conseguiria determinar. À saída, o funcionário da Temporal deu-me um saco com os meus pertences. Decidi não me queixar do erro grotesco que tinham feito. Uma vírgula tinha provocado o maior erro da minha vida. Mentira: tinha sido eu o causador desse erro, mas a distribuição de culpas não minimizava a agonia profunda que sentia.

No meio das minhas coisas havia uma novidade. Tinha chegado à Temporal de táxi, mas agora tinha uma chave de um Mercedes-Renault. No parque de estacionamento identifiquei-o rapidamente: era o carro dos meus sonhos, na minha cor preferida, vermelho acastanhado metalizado. Abri-o e entrei. O carro cumprimentou-me numa sedutora voz feminina, informou que tinha cinco novas mensagens e perguntou pelo meu destino.

Percebi que tinha regressado a um futuro alternativo. Tinha alterado o meu passado e regressara para uma realidade alternativa. Tinha a impressão de que iria gostar de viver nesta nova realidade. Lentamente, as minhas memórias iam preenchendo os espaços que faltavam.

“Vamos para casa”, disse. O carro pôs-se em funcionamento e fez-se à estrada. Algo me dizia que não íamos para o meu apartamento antigo. O caminho que aparecia no visor indicava a parte oposta da cidade, onde viviam os ricos e poderosos. Passados dez minutos imobilizou-se à frente de um portão com três metros de altura, que se abriu lentamente, deixando ver um jardim e uma casa absolutamente deslumbrantes. Saí e fiz o caminho até à porta da frente. Coloquei o dedo no fecho eletrónico e a porta envidraçada abriu-se. Sim, iria gostar desta nova versão de mim próprio.

Senti passos. Um tufo de cabelos louros apareceu na cozinha e abraçou-me.

“Olá, papá.”

Peguei nela ao colo. As memórias vinham agora com mais força.

“Olá, Mariana”, disse. Subi ao andar de cima. No quarto, a Rafaela ainda dormia. Beijei-lhe a testa. Ela acordou.

“Correu bem a viagem, amor?”, perguntou.

“Sim. Para a próxima vamos os três.”, respondi.

              

A casa da tia Arminda ainda era no mesmo sítio. Júlio estava exatamente igual. Parecia que  apenas eu tinha mudado. A minha filha estava na cozinha com a mãe e a tia-avó. Júlio servia-me um brandy de vinte anos. Conversávamos sobre basquetebol. Depois do almoço fui ao quarto que tinha sido da minha mãe. Abri o álbum de fotografias. Reconheci uma das fotografias, onde se via a minha mãe e as duas irmãs, Arminda e Isaura. Tinha sido aquela fotografia que me tinha feito fugir como um cobarde. Pergunto-me qual seria o meu estado para não ter visto a verdade, que a rapariga que servia no bar era a minha própria mãe? Do álbum caiu um envelope. Hesitei antes de o apanhar. Dentro estava uma carta escrita com a letra miudinha da minha mãe. Percebi que a carta era para mim. A minha versão antiga já a devia ter lido. Hesitei algum tempo antes de começar a ler, mas já chegava de cobardia.

 

Querido Norberto, escrevo-te enquanto tenho forças para o fazer. Esperava, como qualquer outra mãe, poder ver-te crescer. Deus não quis. Espero que sejas feliz e que este mesmo Deus que não me permite ver-te crescer permita que sejas um homem bem sucedido na vida. Mais do que isso: um bom homem, como o teu pai era. As tuas tias sempre me culparam pelo meu erro. Segundo elas, o teu pai foi uma paixão efémera. Mas eu sei que foi o homem da minha vida, alguém que sempre esperei que regressasse. Não sei o que o levou a fugir, só sei que o perdoei. Levou muito tempo, mas perdoei. Por vezes, bastam alguns minutos para conhecermos uma pessoa. Outras vezes, nem depois de uma vida inteira a conhecemos. O teu pai era um homem de cabeça completamente perdida, mas com um coração grande, pleno de generosidade. Do meu erro nasceste tu, o meu maior tesouro. 

A tua mãe que sempre te vai querer bem,

 

Mariana.” 


Terminei de ler com as lágrimas a escorrer pela cara. A Rafaela entrou no quarto, sentou-se na cama a meu lado e encostou a cabeça no meu ombro. Nunca revelarei a verdade a ninguém, muito menos à mulher que amo. Não duvido de que a ciência se interessaria pelo meu caso, mas recuso transformar-me numa cobaia. Eu sou uma singularidade. O único homem no mundo que é pai dele próprio.

29 comentários em “A singularidade │ Jorge Santos”

  1. Andreas Chamorro

    uau! É impressão minha ou o título pode servir de alegoria a singularidade mãe do tempo? Um conto muito bom esse. Acho que o amor, perante as manifestações da física, se faz algo tão difícil de catalogar, mas que ressoa e alcança distâncias inimagináveis. É um conto em que o amor se torna combustível. O personagem ter encontrado a mãe me fez pensar em mil coisas, gastei um tempo pensando depois da leitura e gosto quando isso acontece. Parabéns, muita boa sorte mesmo!

  2. O autor realmente conseguiu desenvolver uma história cativante e emocionante, capaz de prender a atenção do leitor do início ao fim. A escrita é sensível e envolvente, facilitando se conectar com os personagens e suas jornadas.
    Além disso, a narrativa é repleta de simbolismos e reflexões profundas, o que enriquece ainda mais a experiência de leitura. É impossível não se emocionar com as lições aprendidas pelos personagens ao longo da história e com a mensagem inspiradora que o conto transmite.

  3. Um conto bem escrito em um cenário futurista desenvolvido com sutileza e solidez. A grande reviravolta não tem grande impacto, mas a ambientação e o estilo direto de escrita cativam a leitura. Como um texto para este certame, no entanto, parece-me ter perdido de vista a proposta, o que desfavorece o conto exclusivamente no contexto competitivo do desafio.

  4. Ana Maria Monteiro

    Olá, Carlos, ou prefere só Miller?
    Gostei do conto. Um escritor distingue-se por isto: ele pega o leitor pela mão e leva-o a dar um passeio e no final, quer o leitor goste mais de praia, quer prefira o campo, sempre sai satisfeito. Gostei deste passeio, encontrei poucos até agora, têm sido mais curvas e desvios, nem sempre desejados, que propriamente passeios.
    Enfim, gostei e não tenho nada a apontar a uma escrita madura e uma história, contada pela enésima vez, mas muito bem desenvolvida e com toques, aqui e ali, de crítica aos tempos que correm.
    Parabéns e boa sorte no desafio.

  5. Anna Carolina Gomes Toledo

    Adoro a variedade de situações que viagens no tempo podem causar. Gostei que esse contexto futurista só apareceu depois que conhecemos os personagens, assim não criei imagens esteriotipadas deles. Trata-se de um contexto familiar tradicional, mas que por ventura está num período com viagem no tempo. Essa jornada de redenção do protagonista desencadeando uma solução para os problemas de modo inusitado foi um clichê, porém feito com capricho! O tema não foi explorado adequadamente, o que é uma pena, pois realmente gostei da história e não posso colocá-lo entre meus favoritos as custas de ignorar a existência de requisitos.
    Confesso que “não conheço o pai” + “viagem no tempo” me levou diretamente a Futurama e já imaginava que ele fosse só próprio pai, mas gostei da ideia de universos paralelos como desfecho. Eu já imaginava que a viagem no tempo daria uma explicação para o fim do noivado(meio Dark), mas foi bom encontrar um final feliz.
    Estou ansiosa para ver suas produções nos próximos temas!

  6. Olá, Carlos. Gostei do texto, embora não tenha encontrado grande adequação ao tema. As viagens no tempo são sempre um assunto complexo, sendo muito simples cairmos em clichés muito vistos na literatura e no cinema. Creio que o seu texto não conseguiu deixar de cair nesses clichés, mas creio que o tombo não foi grande. Para além do inexplicado fato da personagem ter misteriosamente melhorado a sua vida, temos o paradoxo dos paradoxos: tanto quanto sei, para gerar uma pessoa, continuam a ser necessárias duas. Sendo pai dele próprio… bem… boa sorte.
    De qualquer forma, a narrativa é guiada de forma segura e minimamente competente.

  7. Bom conto. O tema não foi executado, não há, na minha opinião, dois olhares da mesma história. Bicho, se eu disser que não me incomodou saber que o Norberto transou com a própria mãe e gerou ele mesmo, eu estaria mentindo. O pior é que eu comecei a pensar que ele pudesse ter encontrado a mãe da namorada dele, aí ele estaria transando com a filha no presente. Não sei qual poderia ser pior. Calafrios. A narrativa é bem feita, a personagem principal é boa. Só gostaria de saber o porquê dele ter ficado bem sucedido ao voltar da viagem no tempo. Acho que seria interessante ter esclarecido isso. Boa sorte no desafio.

    1. Excelente ideia. Já pus na lista. “Homem regressa no tempo e descobre que é pai da namorada”. De fato, ainda é pior do que a minha versão. Nota 10, Jowilton… 🙂

  8. Fernando Dias Cyrino

    Um conto de ficção científica. Muito interessante a sua história. Você constrói uma viagem no tempo para fugir de uma perda amorosa e nela você se encontra com a sua mãe que vai gerá-lo. Meu Deus, é muita loucura isto tudo. Um conto bem escrito, você sabe narrar uma boa história. O sotaque lusitano é ótimo. Muito bom ter um companheiro d’além mar no desafio. Parabéns e sucesso na empreitada.

  9. Uma mistura, para mim, de De Volta Para o Futuro, com Westworld e Dark. As minhas referências de ficção científica são muito mais do campo cinematográfico do que literário. Adorei o conto, mas o tema do desafio, para mim, não foi cumprido. Isso não faz, contanto, que o conto seja ruim, pelo contrário. Para mim, houve ali dentro do texto o emprego do título do desafio, mas, mesmo na personagem principal, eu não enxergo os dois olhares possíveis de Noberto, como a colega Cláudia comentou.
    Gosto de textos que quebram com expectativas. Quando comecei a ler, não achei que seria desenvolvido dentro de um universo de ficção científica.
    Talvez a única coisa que mudaria seria o trecho “(uma das restrições mais importantes: só devia falar da viagem com pessoas que se identificassem com o pin com o T amarelo).” Funcionaria melhor se o universo não fosse explicado explicitamente ao leitor, a meu ver.
    Parabéns!

  10. BRUNO HENRIQUE DA CUNHA

    Os cenários caóticos de ambos os tempos narrativos são descritos com competência em detalhes que não precisam poluir o texto para encorpar o conto. O realismo mágico com toques cômicos faz a leitura muito prazerosa. De vez em quando, porém, as atitudes do protagonista não são tão bem assessoradas pelo enredo, tornando-se difícil continuar sem se perder.
    Nota: 8,0

  11. Viagem no tempo – uma história dramática, uma tragédia das antigas. O complexo de Édipo revisitado. Algumas inconsistências, mas no conjunto o conto é ótimo! Eu, igual a muitos aqui, (pelos comentários), sou um admirador de ficção científica. Então, é isso! Parabéns e boa sorte! Caso lhe falte a sorte, volta no tempo e tenta novamente.

  12. Gostei muito do texto, talvez por gostar de ficção científica e não me animar a escrever no gênero, mas eu costumo achar tudo muito bom, rs. No começo achei que seria mais um texto meio Bukowskiano de como ‘bebi demais e a vida é uma b*sta’, mas aí ele vai tomando forma e quando ele volta 35 anos no tempo, eu pensei, será, mas foi na hora da fotografia que eu tive certeza:9 cara realizou o sonho de qualquer cara, além de fazer sexo com a mãe, ele se tornou pai de si mesmo, uau, ele é pai e vó da filha, sogro e marido da mulher, tudo muito impensável e, num universo paralelo possível, confesso que eu mesmo sendo uma pessoa liberal (nos costumes, não na economia) acho melhor as coisas assim como estão, sem esses novos tabus, rs. A linguagem as vezes poderia ser um pouco mais leve, Norberto fala em si próprio, eu usaria si mesmo, mas cada um tem seu estilo e tal. No mais, ótimo de ler o texto, parabéns.

    1. Carlos Miller Jr

      Olá, Gabriely. Para escrever ficção científica, basta encontrar o seu paradoxo e escrever sobre ele, não importa quão moralmente indefensável seja…

  13. Aiaiai… viagens no tempo. Adoro! Pode falar o que quiser. Que não é original, que é clichê, etc. Dane-se. Eu amo uma boa história de viagem no tempo, como esta. Por isso, começo dizendo que é com dor no coração que vou descontar ponto por não se adequar ao tema.
    Uma história muito inventiva e interessante. Fiquei com vontade de saber o que mudou após a viagem, para que sua vida tivesse se transformado desta maneira. Seria interessante ter mostrado. Talvez um pequeno gesto tivesse mudado a forma da mãe dele ver as coisas e influenciado a sua criação.
    Parabéns e boa sorte.

    1. Carlos Miller Jr

      Oi, Kelly. De alguma forma fui traído pelo limite de palavras. Quando terminei, não consegui mostrar o “olhar cruzado”, baseado na carta da mãe. Ficou resumida e perdeu a sua força. Mereço, por isso, a perda do ponto.

  14. Antonius Poppelaars

    O conto descreve viajar no tempo com o objetivo de questionar os erros e os fracassos da vida atual. Apesar do tema futurístico há o complexo de Édipo da Grécia antiga. O conto é bem construído e a leitura é acessível.

  15. Ana Luísa Manfrin Teixeira

    Amei o texto! Sério, de onde vocês tiram essas ideias tão criativas? Achei a construção e o mote muito interessantes! Para mim seria muito difícil escrever algo assim e não me perder na lógica. Aqui se vê que não foi um problema para você! Muito bem escrito e claro!

  16. Esse conto é uma maravilha. Quem nunca pensou em viajar no tempo? Ser pai de si mesmo deve gerar alguma culpa. Será que ele vai guardar o segredo para sempre? A mãe dele deve ter tirado a sorte grande em um relacionamento e deixou tudo para seu amor de instantes …. Loucura! Legal ….

  17. As loucuras da viagem no tempo. Gostei muito que desde o início brinca com esse “duplo” – como quando se olha no espelho. Muito interessante e importante a forma que aborda seu tema, muito vigente nos dias atuais e, como mostra o conto, talvez em todos os tempo. Mas espero que não. Talvez esteja sendo otimista e, talvez, o conto, realista.
    Nota: 7

  18. antonio stegues batista

    Viagem no tempo e seus paradoxos. Se a história é original, não sei. Já li muitas histórias parecidas, com o encontro de si mesmo e suas consequências. Gostei da narrativa, bem escrita, os detalhes e das ideias que compõe a trama. Outro dia li um conto em que o personagem volta no tempo e mata o próprio pai. Um tema que abre um leque de possibilidades

  19. A gramática não está bem definida, há escolhas de palavras mais e menos formais misturas.
    Achei o texto e o personagem exageradamente dramáticos. A visão de mundo dele é a do relacionamento e sem isso, o mundo dele desmorona e ele fica sem mais perspectivas.
    Nesse tipo de história geralmente se espera que o personagem explore novos ares e se ache na vida, se não ele fica só vazio. Um conto não precisa relatar tudo ou corre o perigo de ficar sem definição. Creio que aqui seria suficiente que, se o personagem quisesse viajar, muitos elementos de mudança ou que levassem a isso poderiam ser trabalhados. Um primeiro conto de outros.
    Vejo que os olhares mais se descruzam que cruzam, mas o personagem tem para quem olhar (parentes) e pode ser feita uma exploração dessas trocas de olhares e relações.
    Como ainda falta uma virada forte e algo de impactante, o personagem parece apenas alguém magoado e até infantil.
    Os diálogos precisam ser trabalhados. Tudo muito impreciso, indefinido e confuso. É importante porque, no geral, ele brilha mais que a narrativa ou assim deve ser.
    Estamos no meio da estrada, mas parece que pode ser desenvolvido um bom conto aqui.

  20. Então temos um escritor de ficção científica.
    O paradoxo da viagem do tempo mais antigo é ” e se eu matasse meu avô? Teria nascido, porque matei, mas não teria nascido, porque matei.”
    Uma das soluções é a encontrada aqui: realidades alternativas. É uma maneira de tentar explicar os fenômenos quânticos de uma forma quase que lógica. Embora ainda seja difícil de entrar na cabeça racionalmente.
    A questão é justamente essa. O cérebro humano aceita o tempo e o universo de uma forma incompatível com a física quântica. A dualidade onda matéria, o gato vivo e morto, tudo isso existe, mas fica no campo das equações. Vá explicar isso na vida real…
    Por falar em vida real, gostei muito da ambientação do conto. Senti-me no “Bar O Deusimar”, na praia, onde tomamos Cuba Libre e comemos peixada com camarão. Isso em plena poluição das águas.
    Aqui no Brasil em 1988 não se falava em assédio sexual, mas em Portugal parece que sim. Me pareceram estranhos os intervalos temporais mas deve ser efeito da viagem no tempo. Li o conto rapidamente, sem entraves, muito interessante.

    1. Olá. Quando regressa ao passado, Norberto regressa a 2023, não a 1988. E convido-o a encontrar um lugar no mundo civilizado onde o assédio sexual não seja assunto….

      1. Tens razão, eu tinha entendido que ele tinha recuado de 2023 para o passado. O que seria impossível, pois hoje ainda não existem viagens no tempo. Agora entendi que ele estava em 2058 inicialmente. Pura confusão minha, o conto sequer dá a entender isso. Li novamente e entendi muito melhor, obrigado.

  21. Claudia Roberta Angst

    Olá, Carlos, tudo bem?
    A princípio, analiso a adequação (ou não) ao tema proposto pelo desafio: “escrever um conto cujo enredo transite entre as perspectivas de dois ou mais personagens.” No seu caso, tudo é uma questão de ponto de vista. Um duplo? O olhar de dois Norbertos – um do presente e outro do passado? O homem era pai de si mesmo. Loucura de uma viagem no tempo.
    Leitura impactante. Embora eu tenha percebido que se trata de um colega lusitano, percebi algumas falhas na sua revisão. Como há diferenças de vocábulo e acentuação devido ao país de origem, não levei isso em conta.
    – vómito > vômito (pelo menos no português do Brasil)
    – o espaço até à casa de banho > não existe essa crase, não há necessidade dela já que “até” é uma preposição
    – já não era amor mas sexo de despedida > já não era amor, mas sexo de despedida – vírgula antes do MAS
    – “Norberto, porque não fazes uma viagem?”> Norberto, POR QUE não fazes uma viagem?
    – todos os destino > todos os destinoS
    – Fui até à sede > Fui até a sede (sem crase)
    Reparei que a filha de Norberto recebeu o mesmo nome da avó: Mariana. Complexo de Édipo?
    Parabéns pela participação no desafio e boa sorte!

    1. Obrigado Cláudia. De facto, palavras como Prémio, Vómito, Género e Pénis têm acentuação diferente em Portugal e no Brasil. Mais grave ainda: as mesmas diferenças existem também na oralidade, ou será essa a razão da diferença na grafia. Um excelente tema de conversa para quando cair a cortina do anonimato…

  22. Premissa interessante, porém entendo a leitura como uma estrada esburacada, sacolejante. O protagonista está cercado de pronomes pessoais a cada parágrafo. Percebe-se o “queísmo” no texto e repetição desnecessária de palavras.

    1. Olá, Vladimir. A questão do queísmo é interessante e prometo levar em conta em próximos trabalhos. Já a questão dos pronomes pessoais não concordo. Embora tenha sido uma crítica recorrente à minha escrita, tenho reduzido ao mínimo essencial para clarificar a escrita. Aparentemente sem sucesso :(. Quando terminar o desafio e cair a cortina do anonimato, gostaria de saber exatamente os pontos do texto onde encontrou mais buracos na estrada… Abraço.

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