
Os retratos de minhas paredes │ Letícia Guerino
Ele não está mais aqui. Olho pra dentro de mim mesma, observo cada canto, cada cadeira e cada franzido na cortina. É impossível não se lembrar daquele dia, que nem faz muito tempo, quando todos estavam reunidos aqui dentro. Sobre a mesa um bolo de aniversário, abraços calorosos a cada um que ia entrando pela minha porta. Havia sorrisos e muita correria sobre meus tacos de madeira. Em dias assim, a alegria era tanta que não podia cair em esquecimento. Então, ele retirava a máquina fotográfica de uma gaveta e fazia daquele momento, mais um belo ornamento de minhas paredes.
Assim eram nossas reuniões. Ele era em completude a alegria desse lugar. Era quem causava risinhos ao acariciar de sua barba, brincadeiras e histórias envolventes, mesmo que repetidas muito mais de uma ou duas vezes. A agitação era contagiante, sempre embalada por sua voz, alta e estridente, transmitindo toda sua felicidade em dizer que a comida estava na mesa. Almoços fartos, conversas acaloradas, com até algumas brigas, claro. Brigas que eram facilmente dissipadas com uma de suas piadas ou observações.
E mesmo quando todos iam embora e me restava apenas sua companhia, eu continuava preenchida, pois era isso que sua presença emanava. Sozinho, ele sentava-se em sua poltrona e escutava suas tão ditas músicas da sua época, falava com os pássaros e com as notícias da televisão, assoviava e fazia até mesmo monólogos, cuja eu era a única audiência.
Até que um dia, sentou-se como de costume em sua poltrona e com a tranquilidade que a todos transmitia, deixara o mundo das coisas. Uma falta latente surgira em mim. A notícia da sua partida foi se espalhando e aos poucos aqui estavam todos eles novamente. Cada um que chegava, trazia consigo pesar e gradualmente meu ar de aconchego foi substituído por uma densa camada de tristeza. Vê-los todos ali, cobertos de lágrimas causadas por essa despedida involuntária, causou-me um desespero incontrolável. Senti vontade de estraçalhar minhas vidraças, causar um terremoto, cujo tremor fosse suficiente para derrubar os quadros de minhas paredes, a fim de fazê-los erguer a imagem daquele dia de aniversário, e quem sabe fazer-lhes sorrir com a lembrança de um dia feliz.
Mas não havia nada que pudesse fazer, passei os dias seguintes, solitária. Recebi certas vezes uma visita ou outra, mas que vinham apenas com o propósito de levar embora algumas sacolas pretas com objetos e, que por fim, acabavam por me deixar ainda mais vazia.
No entanto, o sol insistiu em nascer e morrer todos os dias e quando já havia espessa poeira adormecida em mim, fui surpreendida por uma luz intensa. As janelas haviam sido abertas, e quando me dei conta, alguns móveis não estavam mais no mesmo lugar, o sofá era completamente novo e a poltrona também já não estava mais ali. E foi em meio a tanta mudança que percebi. Agora habitava ali um rosto que já conhecia. Foi nesse momento em que me lembrei da minha história e do meu propósito, meu e de tantas outras como a mim. O ciclo da vida mostra que a vida é cíclica. Ele já não está mais aqui, mas há as vidas que ele criou e as que delas virão. Um dia se ganha, no outro se perde. Um dia se chora, no outro se sorri. É por isso que tiramos fotografias em dias de aniversário.
Adequação ao tema: Adequa-se, tomando a casa como ponto de partida.
Enredo: O fator “inanimado” que motiva o desafio parece ter prejudicado algumas autorias. A casa recorda, mas não conta. Há menção a vidas que marcaram aquele espaço, mas não realmente acessamos essa história. Conseguimos também nos relacionar com a tristeza sentida pela casa, mas, embora esse espaço e esses sentimentos sejam discerníveis, achei que faltou um verdadeiro enredo para esse conto. Parece um ensaio sobre a melancolia do que é imóvel.
Escrita: Por outro lado, se falta história à estrutura, a escrita transmite bem os sentimentos e rapidamente estabelece quem é a narradora, atingindo um patamar estético admirável e aliado à objetividade.
Impacto: Aqui, o texto volta a perder, justamente pela ausência de um enredo definido. O encerramento é esperançoso, sugere recomeço. Mas como não havia uma história anterior com a qual se conectar, esse final não tem a força que deveria ter. Apenas nos consola a respeito da casa.
Olá
Aproveitamento do tema:
Achei excelente. A casa é uma entidade inanimada por excelência, palco de várias vidas. O texto foca exatamente isso.
Enredo:
A casa observa a vida da família que a ocupa. Na morte do pai, a casa é paulatinamente desocupada até que volta a ser ocupada por um membro das gerações seguintes.
Escrita:
Achei algo confusa, excessivamente emocional. É uma casa. Os sentimentos deveriam ser mais contidos, caso contrário pode começar a chorar (visto de outra forma: isso explicaria a humidade das minhas paredes).
Impacto:
Conto com potencial, mas algo confuso. O impacto ficou perdido.
Saudações, Babi!
Aproveitamento do tema: Adorei a ideia da casa narrando. O fato de casa na língua portuguesa ser um termo feminino deixou a narrativa mais aconchegante e emocionante.
Enredo: A narrativa é breve, mas engloba um período longo do ponto de vista humano e também na perspectiva da narradora que parece sentir essa passagem de tempo. Gostei do misto de sentimentos que essas situações causaram e tudo escolhido para ser dito na história importa, contribui para a sensação de superação no final.
Escrita: O tom intimista e a ausência de diálogos combina com a história. Não há muitos detalhes nas descrições, o que abre margem para a imaginação e dá espaço para falar do que realmente importa, que são as emoções decorrentes do evento. Tudo aparece na medida certa, não senti nenhum incômodo com erro gramaticais ou escolha de palavras.
Impacto: Mais um conto melancólico. Gosto dessa forma mais emocionante de contar algo na perspectiva de um narrador inanimado. Talvez eu não me lembre dele daqui um tempo, mas o que senti agora foi bom e isso é o que realmente importa.
Olá
Aproveitamento do tema:
Adequado. A casa narra acontecimentos dentro dela
Enredo:
Simples e curto. E talvez por isso um pouco raso. Acho que tinha mais o que elaborar, enriquecer o texto com mais detalhes. O conto tem só oito parágrafos.
Escrita:
Bonita, delicada. Uma prosa poética bem construída
Impacto:
Bonito, é instigante e delicado. Trata um tema sensível com respeito. Poderia ser um texto mais completo e por consequência mais robusto, mas do jeito que tá já funciona
Boa sorte!
Olá, Babi, tudo bem?
Aproveitamento do tema:
A narradora é uma casa que participa de todos os eventos familiares ocorridos em seu interior. Tema abordado com sucesso.
Enredo:
A história é simples, comum mesmo a muitas famílias, mas a singeleza da narrativa não estraga em nada a construção do enredo. A casa sendo testemunha de toda uma história familiar achei coerente, mas ela afirmar no final que “É por isso que tiramos fotografias em dias de aniversário.” forçou um pouco. Talvez se tivesse dito – e é por isso que sempre se tira fotografias em dias de aniversário, pois a casa não é capaz de fotografar nada, a não ser na sua memória, nas suas paredes, sei lá… ih, já estou viajando.
Escrita:
A linguagem é simples, limpa e clara, mas exagera no emprego de pronomes possessivos e repete algumas palavras e ideias (redundância ou pleonasmo). Menos é sempre mais.
Impacto:
Uma história delicada que me soou como uma homenagem a um ente querido. Bonito isso.
Boa sorte!
Olá, Babi! Tudo bem?
Aproveitamento do tema:
Bem aproveitado! Uma casa narrando a vida das pessoas que moram nela é um ótimo narrador!
Enredo:
Apesar de simples, é bem complexo. Imaginar que uma casa possa passar pelos estágios do luto é perturbador. Algumas partes encheram meus olhos de lágrimas, lembrando do meu pai.
Escrita:
Olha, parece que você está começando, porque sua escrita ainda precisa de lapidação, algumas coisas soam estranhas e fora de lugar, tipo: “cuja eu era a única audiência.”
Mas isso é só questão de prática.
Impacto:
Eu gostei bastante do conto. A história é bem singela e tocante.
Total:
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!
Olá, Babi, tudo bem?
Aproveitamento do tema: Uma casa conta a história de seu dono e o que acontece depois de sua morte. É uma escolha certeira de um objeto inanimado para contar diferentes perspectivas ou diferentes situações que acontecem.
Enredo: Como dito anteriormente, a escolha da casa possibilitaria que diversas situações fossem descritas, já que o narrador estaria presente em diversos lugares ao mesmo tempo (claro, com a limitação das quatro paredes). Neste ponto, acho que o conto peca por não explorar mais e também por não descrever mais situações. É um texto mais poético, então entendo que talvez a sua intenção não fosse trabalhar tanto a narração de fatos em si, mas sim trazer um texto mais reflexivo.
Escrita: A sua escrita é muito bonita. Há alguns erros de revisão ou de redundância, mas são detalhes fáceis de serem reescritos.
Impacto: O seu texto é muito bonito. É de uma simplicidade poética bonita de se ler. Gosto de textos escritos nesse tom. Entendo que às vezes, quando queremos esse tom dentro de um conto, é mais difícil estendê-lo sem torná-lo cansativo. O que não foi o caso. O conto é curto e acaba, para mim, no momento certo.
Parabéns e boa sorte!
Hj
Olá, Babi.
Aproveitamento do tema: Adequado. Trata-se de uma casa. É uma escolha muito perspicaz e interessante! Boa escolha!
Enredo: A trama é boa, redonda, de forma que o texto retoma aspectos mencionados anteriormente. Entretanto, é superficial e recorre a uma filosofia que soa barata, em certos pontos. Não é ruim, mas poderia ser melhor, ainda mais com a excelente escolha do narrador.
Escrita: Parte da crítica final, mencionada sobre o enredo, é devida à escrita, que rouba a magia do texto, com repetições de palavras derivadas e construções que soam estranhas e tiram a imersão da narrativa que, creio eu, mira uma prosa poética. A escrita não é ruim, de forma alguma, mas falta cuidado e revisão.
Impacto: Pequeno. Percebe-se que há coração na história e isso é algo que valorizo muito, particularmente. Parabéns por este aspecto! Entretanto, as críticas realizadas nos quesitos superiores suprimiram grande parte do impacto, em minha experiência como leitor. Creio que uma prosa poética deva se sobressair em sua forma.
Lembre-se: a crítica só existe porque uma história existe. Parabéns pelo trabalho!
Boa sorte!
Buenas, Babi!
Bonitinho, hein!
APROVEITAMENTO DO TEMA: Forte. Um lugar! Uma das ideias que tive para esse desafio também tinha o narrador como um lugar. Não foi pra frente, hehe. Mas foi bom ter encontrado alguém que conseguiu. Além disso, a casa é, junto com o velhinho, o protagonista da história, dando mais força pro texto.
ENREDO: Bonito. O conto conquista o leitor por sua leveza. As reuniões familiares, toda a felicidade baseada no alicerce da família (que é o velhinho), a tristeza da despedida e o início de uma nova fase. É um texto sem grandes pretensões. Não tentar ser nada além de uma história bonita. Apesar da mensagem clichê, cumpre seu papel. Admito que, por um momento, pensei que iria dramatizar, principalmente quando o velho morreu, pois algumas famílias tendem a desmoronar quando sua base é destruída. Mas, graças a Dios, alguém assumiu o papel do antigo patriarca, hehe.
ESCRITA: Leve. Acompanhando a história. Sem exageros, um pouco poético, do jeito que a proposta do conto pede. Admito que faltou algo que realmente me encantasse, só não sei dizer o que seria. A história me agradou, mas, durante a leitura, fiquei com a sensação de que algo estava faltando. Talvez seja só impressão minha. Ah, só uma coisinha, a parte que fala que o ciclo da vida mostra que a vida é cíclica acabou atacando meu TOC… Não faz isso, please.
IMPACTO: Forte. É um bom conto. Alcança seu objetivo. A leitura é tranquila. E tudo não dramatiza, o que é uma tendência por aqui. Só por isso já ganha pontos, hehe. Acho que esse é um dos meus favoritos, até agora.
Boa sorte no desafio!
Aproveitamento do tema
Total. Uma casa narra sua existência e a vida da pessoa que a habitava.
Enredo
Simples e bonito. O morador, pessoas querida por todos, morre e a casa vive seu luto e seu renascimento.
Escrita
Bela e muito agradável de ler. Achei um único erro, em “cuja eu era a única audiência”.
Impacto
É um conto muito bonito, certinho e emotivo. Mas não me causou impacto. Talvez tenha sido certinho demais (para o meu gosto, claro, isso é só uma opinião pessoal e isolada).
Olá, Babi.
APROVEITAMENTO DO TEMA: adequado. Uma casa falando do seu dono e sua família…
ENREDO: uma prosa poética, basicamente – como tem sido comum nesse desafio (o que, a meu ver, é bem legal. Gosto desse tipo de texto). Enredo simplíssimo, sem tantas pretensões eu diria. A frase “Até que um dia, sentou-se como de costume em sua poltrona e com a tranquilidade que a todos transmitia, deixara o mundo das coisas” é lindíssima.
No entanto, o texto muito curto não permite nem à história nem à poesia se desenvolverem suficiente o bastante. É um recorte bem breve que, apesar de bonito, não deve ter muita chance com tramas mais desenvolvidas.
ESCRITA: a voz narrativa é bonita e leve. Combina com a prosa poética.
No entanto, há muito o que lapidar, no meu ver. Primeiro, erros como “assoviava e fazia até mesmo monólogos, cuja eu era a única audiência” soam muitíssimo mal. O correto é “de que eu (ou “dos quais eu…”) era a única audiência”.
Estilisticamente, o trecho “Um dia se ganha, no outro se perde. Um dia se chora, no outro se sorri” me soa muito clichê, lugar-comum. Mas a última frase, das fotografias, é bonita.
IMPACTO: é um texto bonito, com frases que são uma pérola, mas pareceu-me leve demais, despretensioso demais. Se essa foi a intenção, ótimo. Se o autor quiser algo de mais impacto, deverá continuar trabalhando e aprimorando trama e escrita. Tens muito talento.
Parabéns e boa sorte por estas bandas!
Olá, Babi! Tudo bem?
Aproveitamento do tema:
Total! A casa nos narra a história que se desdobrou dentro de si ao longo dos anos.
Enredo:
Muito bom! Narrativa bem construída e super verossímil. A casa como narradora está muito bem em seu papel e a maneira como ela é construída foi excepcional, certamente possui uma voz como personagem dentro da narração. O enredo funciona super bem, mas poderia ter tido um final mais impactante.
Escrita:
Há alguns erros de revisão, mas a escrita flui bem de uma maneira geral.
Impacto:
Super positivo! Narrativa sensível e aconchegante.
Parabéns pela participação e boa sorte!
Os retratos de minhas paredes │ Babi
Oi, Babi!
Um conto sobre o luto. De fato, as pessoas fazem moradas em nossos corações e os retratos são nossas lembranças, né?
Aproveitamento do tema:
Adequado e atingiu o objetivo. A casa nos conta do seu vazio, do seu luto e de sua saudade.
Enredo:
Gostei da perspectiva. Há uma poesia na morte, quase sempre. A casa vai se empoeirando de luto e envelhecendo de saudade. Contudo, acho que poderia ter sido mais bem explorado. Verdade que a roda da vida avança em velocidade diferente, ainda assim acho que a perda vai sendo um ponto tão pouco importante em um enredo tão potente.
Escrita:
É uma poética da perda. A escrita direta funciona muito bem no começo, mas no final, me deu uma sensação de estar acelerada.
Impacto:
Achei tão legal que se dispusesse a trazer um tema tão difícil e que, em geral, nos apresenta tanto trauma. As cicatrizes vão nos fazendo caminhar e o que nos resta é seguir com o sentimento de culpa por estarmos superando.
Dá uma sensação de estarmos traindo a memória dos mortos. Gostei disso, mas queria que essas feridas da partida fossem mais exploradas de tal modo que fosse também um machucado no leitor.
Olá, Babi!
Aproveitamento do tema:
Total. A casa nos conta sua perspectiva e sentimentos ao decorrer do texto e é um personagem relevante, que faz sentido, na narrativa.
Enredo:
Gostei bastante, a ambientação foi boa. Muito legal isso da casa se revoltar com a chegada dos familiares/amigos somente para lamentar a morte do seu antigo morador, querendo que eles, em vez disso, lembrem-se dele em vida e de toda a alegria que este trouxe para eles — e para a casa. A voz da casa me agradou também.
Escrita:
Percebi muitos erros de revisão e algumas repetições e redundâncias me incomodaram um pouco (ex.: “O ciclo da vida mostra que a vida é cíclica”).
Impacto:
Positivo. É uma boa história e foi contada com sensibilidade. O final me agradou, pois a casa aceitou o luto e a nova família que passaria a abrigar. Há espaço para melhora, no texto, mas isso não exclui sua qualidade. Continue escrevendo sempre!
Boa sorte!