
E se...? │ Priscila Pereira
Sabe aquele sentimento sem nome que nos perturba nas horas mais inapropriadas, e que tira o nosso sossego pelo simples fato de nunca nos dar respostas concretas? Não? Sabe sim! Aposto que já aconteceu com você mil vezes, ou até mais. Esse sentimento sou eu, ou melhor, não sou realmente um sentimento, sou mais uma brincadeira do seu consciente. Uma ansiedade de viver várias vidas, uma necessidade de saber todas as possibilidades antes de tomar uma decisão.
Então, eu sou o “e se”, muito prazer! E hoje vou contar uma história. E para não perder minha essência, contarei duas versões, e não direi qual é a verdadeira. Caberá a você escolher uma, e a outra será apenas o fruto de uma imaginação ansiosa. Vamos lá então.
***
Depois de seis anos de casamento, Mariana roía a unha do indicador esquerdo enquanto olhava para o palitinho encharcado de urina que determinaria o seu futuro. Estava preparada para ser mãe? Era a hora certa? Queria mudar a rotina já tão estabelecida e apreciada? Não sabia a resposta para nenhuma dessas perguntas.
De qualquer forma, eu não entro nessa história ainda. Na verdade, entro, muitas vezes, sobre muitas coisas, mas não é essa a história que quero contar.
A gravidez foi tranquila, sem nenhum susto e quase nenhum dos incômodos próprios. Mariana e Jairo, depois de conformados, ficaram extasiados e fizeram mil e um planos para o bebê, mesmo sem saber nada sobre ele ainda. Sabiam só o nome. Júlio. Conversavam com ele e colocavam fones tocando música clássica mesmo com ele ainda na barriga da mãe. Foi um tempo tranquilo.
Nossa história começa no parto. Aí ela se divide na verdade e no “e se”. Porque um pequeno acontecimento, pode mudar tudo. Ou não.
Mariana estava preparada para o parto. Leu tudo o que tinha pra ler, viu todos os vídeos que tinha pra ver, a maioria só serviu para infundir mais o terror em sua imaginação excitada, fez tudo que tinha que fazer. Estava pronta para tudo.
***
Mas não estava preparada para o que aconteceu. Nada prepara os pais para uma falha na hora do parto que transforma seu filho típico em um bebê atípico, diagnosticado com paralisia cerebral. Nada prepara alguém para isso.
O bebê foi direto para a UTI, passou por diversas intervenções, resistiu a muitos procedimentos e foi liberado para ir para casa. Para viver da melhor maneira que fosse possível.
Mariana e Jairo não sabiam o que fazer. Como lidar com um bebê tão pequeno que precisava de tantos cuidados para se manter vivo?
A exaustão se tornou constante e a culpa por não fazer mais e melhor, e principalmente por querer outra realidade. Outro bebê. Nenhum bebê.
Mas o ser humano é dotado de um incrível poder de adaptação e eles se adaptaram ao filho atípico e à paternidade atípica. O terror deu lugar a um amor selvagem. O medo deu lugar a uma coragem absurda. A rotina deu estabilidade aos nervos e a vida continuou. Porque sempre continua, não importa o que aconteça, e por mais clichê que seja, é a verdade: o que não te mata, te fortalece.
Júlio foi crescendo, se desenvolvendo, sorria como todo bebê, tinha as coxas mais roliças e os cílios mais compridos que os pais já tinham visto. Balbuciava alguns sons, que os pais teimaram ser palavras.
Visitou o pronto socorro e ficou internado mais vezes que outras crianças, muito mais, na verdade. Fez uso contínuo de mais remédios que algumas pessoas usam na vida toda. Não aprendeu a andar, nem a falar, pelo menos não de um jeito convencional, mas sua cadeira de rodas, totalmente equipada, tinha um aparelho que ajudava o menino a se comunicar. Onde ele apertava ícones mostrando o que precisava.
Mariana se dedicou dia e noite ao filho que amava mais do que tudo na vida. E Jairo depois do temporal inicial, voltou ao trabalho onde passava quase todo o seu tempo. Ele não era um pai horrível, ou ausente. Longe disso. Apenas precisava trabalhar o máximo que pudesse, já que as despesas com o filho eram absurdas e o apoio que recebiam do governo não fazia uma diferença significativa, e Mariana não conseguiria trabalhar em mais nada além da manutenção da saúde e do bem estar da criança.
Apesar de tudo, Júlio era uma criança feliz. Por não conhecer outra vida, estava satisfeito com a que tinha. Era louco por cachorros, e Mariana descobriu de uma forma inusitada, em um dia que estavam no parque tomando sol e um cachorrinho foi correndo na direção da cadeira de rodas e antes que ela pudesse impedir, o cão já estava lambendo o rosto de Júlio, que ao invés de ficar assustado, como a mãe imaginava, travou os braços ao redor do cachorro e não queria mais soltar, e gargalhava de felicidade enquanto o cão o lambia.
Depois de pedir a opinião de todos os médicos, pediatras, psicólogos e terapeutas que tratavam do menino, decidiram arranjar um cãozinho para ele, que logo se tornou seu melhor amigo, o único, além dos pais, que interagia com ele de forma natural e sincera.
A fase escolar foi muito complicada para Mariana. Mais para ela do que para o filho. Para ele era tudo novidade, e ele não percebia o estranhamento das crianças nem o despreparo dos professores, ele só via a oportunidade de viver coisas diferentes e conviver com outras crianças, mas a mãe via e sentia tudo.
Mas isso também foi absorvido e manejado da melhor maneira possível, até que as crianças se acostumaram e passaram a brincar com ele, que se tornou o centro das atenções, e o corpo docente se preparou e tornou a escola um lugar inclusivo, não só para Júlio, mas para possíveis outros alunos atípicos.
Júlio mostrou também um gosto bem peculiar para música, e não foi para aquela que os pais colocavam para ele ouvir desde que estava no útero, ou quase constantemente depois que ele nasceu, e sim para o hip hop. Passava horas vendo vídeos onde os dançarinos rodopiavam. E ele sorria e girava a cadeira no ritmo certo.
Mariana procurou sem parar uma escola de dança que aceitasse seu filho, que fosse acessível a ele. Quase desistiu, mas acabou encontrando uma escola incrível, onde Júlio fez novas amizades que tinham os mesmos interesses que ele. O que é essencial na adolescência, típica ou atípica.
Eu não tive muito mais contato com a Mariana. Ela aprendeu que viver a vida que tinha, sem questionar o que teria se alguma coisa fosse diferente, era muito mais fácil, e trazia uma paz enorme.
***
Mariana conseguiu o parto que sempre sonhou. Dor moderada, tempo moderado, nem muito longo, nem muito rápido, tudo saiu como o planejado e assim que Júlio veio ao mundo, foi colocado nos braços da mãe, que orgulhosa, dele e de si mesma, contou os dedinhos das mãos e dos pés para ter certeza de que ele era normal.
Foram para casa no dia seguinte, depois de fazer mais de mil selfies, ainda sorrindo de orelha a orelha, efeito da ocitocina recebida no parto. Mas o barato logo passou e os pais de primeira viagem se viram sozinhos com um serzinho que não conheciam ainda e que só chorava, dormia, mamava e defecava.
O primeiro mês foi muito cansativo, quase não dormiram. Mariana só queria poder tomar um banho demorado sem pensar ter ouvido o bebê chorando. E Jairo queria voltar do trabalho sem ter que segurar o bebê até que a esposa descansasse. Mesmo que ele também estivesse cansado.
As primeiras vezes foram sempre emocionantes! O primeiro sorriso, a primeira vez que virou na cama sozinho, a primeira noite de sono ininterrupto, a primeira vez que sentou sem apoio, a primeira vez que engatinhou, que falou mamã e papá. Tudo celebrado e devidamente registrado.
Mas nem tudo foram flores, a primeira vez que Júlio ficou doente foi bem tensa. Só havia passado por alguns poucos resfriados e precisar ser internado com bronquiolite foi aterrorizante para Mariana que não sabia como tinha sobrevivido àqueles dias sombrios e terríveis.
Mas logo o sol voltou a brilhar e Júlio foi crescendo e se desenvolvendo como toda criança normal. E a casa foi se enchendo de risos e brinquedos espalhados por todos os lugares.
E que trabalho dava para cuidar de uma criança tão ativa! E ainda dar conta da casa e do trabalho em meio período que Mariana fazia por amor e não por necessidade. Já que o salário de Jairo era ótimo e dava para cuidar de todas as despesas da casa.
Vivia cansada e pensava seriamente em tirar alguns dias de folga da família, viajar com as amigas, passar um final de semana sem pensar em nada.
Viu uma influencer falando sobre a importância de normalizar “amar os filhos mas odiar a maternidade” e ficou pensativa. Chegou a se identificar, mas pensando seriamente, chegou a conclusão de que era impossível amar o filho e odiar cuidar dele. Porque sabia que o amor não era só um sentimento, era ação. Amar é agir. E o ato de amar o filho é demonstrado no cuidado diário com ele, o que define a maternidade.
Depois dessa profunda reflexão, passou a cuidar do filho com uma alegria e paixão redobrada, principalmente nas pequenas coisas. Porque sabia bem fundo em seu coração que podia ser muito pior.
Assim que Júlio aprendeu a falar, pediu um cachorrinho de presente. Ele nunca tinha visto nenhum ao vivo, só nos desenhos. Mesmo assim já sabia que queria muito, que precisa ter um. Os pais foram para um abrigo e deixaram o menino escolher qual quisesse. Nem havia saído das fraldas ainda e já podia decidir qual cachorro teria. Acabou escolhendo muito bem. Um vira lata branco e preto, ainda filhote, que segundo o gerente do abrigo, seria de médio porte.
O cãozinho se apaixonou pelo menino e não desgrudaram um do outro. Faziam tudo juntos, corriam e brincavam e Júlio até dividia sua comida com ele. Foi seu melhor amigo por anos, até que ele entrasse na escola e fizesse amigos humanos, que não eram muito melhores que o amigo canino.
Júlio descobriu cedo na vida do que gostava e no que era bom. Passava o tempo todo com um fone no ouvido, fazendo todo tipo de piruetas e malabarismos que a dança do hip hop exigia.
No recreio e nas aulas de educação física, era o centro das atenções, todos se juntavam em volta dele para ver os movimentos irados que ele conseguia fazer. A música dentro dos fones não chegava até os outros, então todos observavam e aplaudiam a dança silenciosa do garoto. Mariana foi chamada na escola, não para que fizesse Júlio parar de dançar e estudar mais, mas para que ela fosse informada do talento promissor do filho e incentivada a colocá-lo em uma escola de dança.
Mariana quase morreu de orgulho! Não imaginava que seu filho fosse tão especial. Ela sempre quis que ele fosse feliz, assim como todas as mães. A felicidade de um filho é o que as mães sempre sonham alcançar, seja como for.
***
Então, querido leitor, minha história chegou ao fim. Conseguiu identificar qual é a real e qual é o “e se” ? Parece fácil e até óbvio, mas não é. Porque mesmo que uma quisesse ardentemente a história da outra e essa outra morresse de medo da história daquela uma, eu passei pela cabeça das duas, de uma com desejo e da outra com horror. Mesmo que, de qualquer forma, tanto o desejo ardente quanto o medo profundo, não puderam me tornar real. Porque no final das contas, eu sempre serei só uma pergunta chata, inapropriada e terrível que nunca terá uma resposta concreta.
Adequação ao tema: O último comentário enviado antes do meu considerou o texto adequado e original. Eu, não. Acredito que o texto foi conduzido da mesma maneira que outros que li, em que o objeto é mencionado sem ser incluído na narrativa. O conto poderia ser lido sem se levar em conta o proposto pelo desafio. Ainda que a narrativa dupla se dê por causa de quem narra, ficou mais como um artifício do que como um personagem.
Enredo: Os desdobramentos possíveis do nascimento de Júlio são narrados com menções a problemas cuja superação também aparece no mesmo grau de profundidade: a menção. Ao que parece, o objetivo da autoria foi demonstrar que, desimportante do destino daquela criança, aquela família seria feliz. Não é que a felicidade seja inverossímil, mas o traçado dessa trajetória acaba sendo previsível e, portanto, não cativa tanto a leitura ou o interesse pelos personagens.
Escrita: Leve, a princípio é também informativa de sua narradora, o que logo se perde priorizando a terceira pessoa sem se preocupar mais a caracterização de quem narra. Algo que estranhei foi a atenção a “típicos” e “atípicos” ser trocada por “normal” no segundo trecho.
Impacto: Como abordei acima, achei o desenvolvimento do enredo algo sem efeito, os personagens não foram aprofundados para além de uma imagem de felicidade e superação que os deixa inacessíveis para uma simpatia mais substancial com os protagonistas. Por isso, não foi um texto de alto impacto.
Olá Mariana!!
Aproveitamento do tema
Achei a adequação ao tema fantástico. Nunca me passaria pela cabeça fazer um texto sobre uma interrogação, um sentimento de dúvida.
Enredo
Já vi este expediente dos fins alternativos usado algumas vezes, mas a forma elegante como foi usado neste conto (com um propósito muito bem delineado), desarmou-me. Fez-me lembrar de algo que Pedro Chagas Freitas, professor de Escrita Criativa disse numa das aulas: todos os livros devem ser respostas a um ou mais “E se”.
Escrita
Elegante, fluída, sem erros. A leitura é um prazer quando encontramos um texto assim. Parabéns.
Impacto
Tudo somado, a criatividade da escrita, o enredo que prende e a qualidade literária, creio poder afirmar estarmos perante um bom texto. A isto somamos a temática da parentalidade nos seus extremos: a história de uma mãe que quer lutar pelo filho e de outra mãe que facilmente passaria ao lado da experiência de ter filhos. Porque criar um filho é e será sempre um sacrifício pessoal intenso que nem todos têm disposição para fazer.
Olá, Mariana, tudo bem?
Aproveitamento do tema: O conto atendeu ao quesito exigido pelo desafio (e com muita originalidade),
Enredo: Aqui, há duas opções – dois “e se”. Dois textos inseridos no mesmo universo – um mais desfiante, outro com contornos mais felizes. Uma escolha ousada, pois a leitura do mesmo enredo com mudança da condição da criança pode ser considerada cansativa. Eu tive vontade de pular algumas linhas, mas … Implicância minha mesmo.
Escrita: Alguns tropeços no uso das vírgulas, e outras coisinhas bobas como:
bem estar > bem-estar
chegou a conclusão > chegou à conclusão
vira lata > vira-lata
que precisa ter um > que precisava ter um
No entanto, a escrita em si não me incomodou em nada, nenhum entrave que atrapalhasse o fluxo da leitura.
Impacto: Como disse anteriormente, a repetição do enredo, mesmo com a alteração marcante, me cansou um pouco. O conto faz pensar na sorte que temos quando somos abençoados com filhos saudáveis.
Boa sorte no desafio.
Olá!
Aproveitamento do tema: Adequado. A premissa é muito boa e criativa.
Enredo: Talvez seja muito pretensioso. A premissa, como já foi dito, é boa, mas o desenvolvimento é mecânico, falta vida.
Escrita: Boa. Encontrei apenas um erro. Acredito que falas dos personagens fariam muito bem ao texto, dando mais dinâmica e possibilitando um maior reconhecimento.
Impacto: Mediano.
Olá
Aproveitamento do tema:
Criativo. Fugiu do padrão ao usar o “e se” como o próprio narrador
Enredo: tem dois enredos nesse conto. E os dois se dirigem de uma forma muito sequencial e talvez pouco surpreendente.
Escrita:
Simples. Conta a história e apenas isso. Não tem nada muito especial e acaba ficando monótono, mesmo sendo um texto curto
Impacto:
Como eu falei, a escrita monótona e a história previsível tiram o impacto. Acho que o autor até consegue botar o leitor para pensar e imagino que essa era a proposta, mas poderia ser mais bem trabalhado para potencializar isso.
Boa sorte.
Olá, Mariana! Tudo bem?
Aproveitamento do tema:
Total, o mais original até agora!
Enredo:
Achei bem legal… Apesar de ser incomodo… Como mãe, foi bem desagradável pensar e ler em (poucos) detalhes o que poderia ter acontecido… Na verdade eu tenho uma história sobre isso.. uma colega de escola fez o pré natal junto comigo e no parto dela teve complicações que deixaram a filha dela com paralisia cerebral também e inúmeros outros problemas… E eu fiquei chocada… Faltava alguns meses para eu ter minha filha e quase morri de medo… Então foi bem ruim de ver tudo isso voltar lendo o seu conto…
Escrita:
Eficiente só, sem brilho, poesia, não é muito bonita, mas é… Eficiente.🤷🏻♀️
Impacto:
Então… Eu gostei bastante e detestei… Não dá pra separar esses sentimentos…
Total:
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!
Olá, Mariana!
Aproveitamento do tema:
Muito bom. Achei bem ousada a escolha de fazer um pensamento tão comum nosso ser o narrador dessas histórias, porque afinal de contas, o “e se” narra muitas histórias nas nossas cabeças, não é mesmo?
Enredo:
Achei bom. Acho que nada traz mais “e se…” na cabeça de alguém como a maternidade. Dessa forma, a temática é perfeita para o que o conto se propõe.
Escrita:
A escrita é boa, fluída e traz um tom intimista. No entanto, encontrei alguns erros de revisão nos espaçamentos e utilização das vírgulas.
Impacto:
Gostaria que os dilemas tivessem sido mais aprofundados, acho que o texto ficaria mais interessante e contribuiria mais com a proposta de tentarmos escolher ou adivinhar qual das histórias é verdadeira. Por exemplo, a primeira história traz momentos bons e ruins. E se a segunda história também tivesse essa mesma linha?
Parabéns e boa sorte!
Olá, Mariana. Tudo bem?!
APROVEITAMENTO DO TEMA: Adequado e criativo. Talvez tenha sido a premissa mais original até aqui.
ENREDO: Eu sempre tenho medo de filmes, obras com premissas muito boas (como a sua), porque a expectativa fica alta e é difícil satisfazê-la. Eu achei a história bem tocante, bem bonita, mas mal desenvolvida. Mas as críticas principais são quanto à escrita. Quando ao enredo, a principal crítica é que ele é um tanto lugar-comum e não satisfez as expectativas criadas pela introdução.
ESCRITA: Aqui é onde vejo os maiores problemas. A escrita é sempre algo a aprimorar. Senti que o texto necessita de maturação, lapidação… Primeiro: há erros de revisão. Cito alguns: “um pequeno acontecimento, pode mudar tudo” (não há vírgula); “o que não te mata, te fortalece” (não há vírgula); “Mesmo assim já sabia que queria muito, que precisa ter um” (o correto é “precisava”).
Quanto ao estilo, algumas ponderações. Veja, por exemplo o tamanho deste parágrafo: “Era louco por cachorros, e Mariana descobriu de uma forma inusitada, em um dia que estavam no parque tomando sol e um cachorrinho foi correndo na direção da cadeira de rodas e antes que ela pudesse impedir, o cão já estava lambendo o rosto de Júlio, que ao invés de ficar assustado, como a mãe imaginava, travou os braços ao redor do cachorro e não queria mais soltar, e gargalhava de felicidade enquanto o cão o lambia”. Dificilmente um parágrafo tão longo funciona. A sugestão é picotá-lo e, como é a regra áurea de quase todo bom conto, eliminar os excessos.
Uma outra observação que faço de estilo é quanto ao foco no “dizer” em vez do “mostrar”. Eu já disse em outros lugares que não acho que o “show, don’t tell” seja uma verdade absoluta, mas é um ótimo princípio. Acho que o seu texto deixou pouco espaço para a imaginação do leitor já que ele diz tudo, conta absolutamente tudo que aconteceu, ficando quase sem subtexto, sem poesia…
A observação final, portanto, é um apanhado, um resumo, sobre o que senti da linguagem do texto: ele me soou quase como uma matéria jornalística, quando o escritor tem a obrigação de contar todos os passos da história. Faltou, digamos, um “quê” literário que pode ser aquela revisão depois de jogar toda a história no papel.
IMPACTO: A história tocante ficou comprometida pela linguagem e por artifícios e escolhas literárias que não me agradaram.
Desejo sorte na escrita, espero que continue lapidando a arte, e boa sorte no desafio!
Buenas, Mariana!
Adorei o narrador. Antes mesmo de começar o conto, imaginei um monte de possibilidades!
APROVEITAMENTO DO TEMA: Mediano pra forte. Algo tão abstrato e intangível ser o narrador escolhido me animou, no início. Achei ousado. Mas o desenvolvimento foi óbvio demais. Admito que fiquei um tanto decepcionado com essa decisão. As possibilidades narrativas e criativas são tantas…
ENREDO: Clichê. E um tanto simples. Apesar da decisão da abordagem do tema me desanimar, pensei que, talvez, as duas histórias poderiam ser interessantes. Mas elas são parecidas. As duas carregam um viés otimista e seguem caminhos diferentes em apenas alguns detalhes. Uma coisa que incomodou, um pouco, foram as semelhanças de Júlio, como ter aquela paixão por cachorros, gostar de hip hop e ser o centro das atenções da escola. Acho improvável que, com vidas tão diferentes, tudo aconteceria de forma tão semelhante. Sei lá, quando o narrador é “E se…”, acabei pensando nas amplas possibilidades, então, quando as duas histórias ficaram bem parecidas, acabei ficando decepcionado por uma segunda vez.
ESCRITA: Boa. Gostei muita da narrativa inicial. E do final também. Quando entra nas duas histórias, por vezes, senti um pouco de pressa em algumas partes, mas nada demais. No geral, a leitura foi agradável.
IMPACTO: Mais ou menos. Admito que me animei demais, no início, e, por causa disso, a queda causada pela decepção foi grande. Isso não é culpa sua. Não houve nenhuma promessa. Gostaria que a abordagem fosse tão ousada quanto a escolha do narrador, mas a decisão é totalmente sua. E respeito.
Boa sorte no desafio!
Olá, Mariana! Tudo bem?
Aproveitamento do tema:
Achei bom. Bastante ousado ter sido um ser intangível, mas muito bem construído nesse sentido e criativo.
Enredo:
Interessante, porém acredito que caiu um pouco em clichês. Sei que é um conto, e que o espaço é limitado, mas contar tantos anos e tantos acontecimentos com uma pobreza relativa de detalhes e sem um aprofundamendo adequado acaba empobrecendo o texto.
Escrita:
É bem escrito e bem construído, flui bem, mas há alguns erros a serem revisados.
Impacto:
Médio. Os temas tratados são muito interessantes, bem como o modo como é contado, mas achei que foi tratado de maneira simplista e rasa.
Boa sorte e parabéns pela participação!
Olá, Mariana!
Espero que, independente da possibilidade, tenha encontrado sua felicidade no mundo imaginário que reside além das palavras do conto.
Aproveitanento do tema:
Adorei o narrador. Foi o que mais se aproximou de um contador de histórias, quase uma fábula, mas sem abrir mão da própria personalidade!
Enredo:
Eu gosto muito dessa temática de universos paralelos dentro de filmes e séries, porque visualmente é divertido enchergar semelhanças e diferenças intercaladas. Esse formato audiovisual se beneficia dos paralelos e até agora, confesso não ter lido nada assim antes. Dito isso, tenho a sensação que sua ideia perde um pouco do brilho dessa temática pela estrutura ser muito linear e por isso vai no que alguns outros colegas concordaram sobre não parecer ser a mesma história. Independente disso, a ideia é interessante e parece buscar uma lição de moral sobre possibilidades e aproveitá-las. Durante o segundo” e se”, me peguei imaginando inúmeras conclusões e foi meio frustrante encontrar algo esperado. A sensação que ficou é que o início do conto promete algo mais legal do que entrega. De todo modo, a criatividade e originalidade são os pontos altos do enredo.
Escrita:
Gosto do jeito espontâneo da narração e dos comentários perspicazes. O texto é bem homogêneo no tom e manteve -se fiel a “personalidade”.
Impacto:
Não achei tão marcante quando imaginei, mas a ideia em si é muito chamativa e provavelmente me lembrarei dessa forma de contar uma história.
Olá, Mariana, tudo bem?
O tema do seu conto me é familiar. A partir do momento em que somos responsáveis por mais uma vida, que não a nossa própria, todas as incertezas do mundo passam a habitar a nossa cabeça. Tive, durante um tempo, a seguinte frase como lema: “A escolha é a morte das possibilidades”, até que percebi que mesmo a escolha carrega com si um novo universo de possibilidades. Mas e quando as escolhas não são podem são por livre arbítrio, como no caso das possibilidades apresentadas no texto? Aí caímos no seu ser inanimado: “E se…?”
Sem mais delongas, ao que interessa:
Aproveitamento do tema: A proposta pedida pelo desafio foi compreendida e utilizada no seu conto. Achei original a escolha do ser inanimado ser o “e se…”, entretanto não achei tão criativo o modo como a narrativa foi construída. O que não é, necessariamente, algo negativo.
Enredo/Escrita: O modo como trabalhou com o seu sentimento dentro do texto é interessante, mas acho que falta algo no texto. Talvez se você tivesse trabalhado menos em ser explícita quanto ao o que o ser inanimado é, deixando com que o leitor desvendasse um pouco o texto. Ou talvez tivesse trabalhado, dentro das duas possibilidades colocadas, mais camadas de “e se…”, transformando a narrativa não em uma narrativa linear, onde no final tudo dá certo, mas em uma própria narrativa cheia de possibilidades. (Lembrei aqui de “O jardim de caminhos que se bifurcam, do Borges).
Não há nenhum erro gritando por revisão no texto (pelo menos, nada que atrapalhasse a leitura e, confesso, não fiz, desta vez, uma leitura mais focada na pontuação).
Impacto: Gostei do conto, gostei de ter trabalhado com o tema de maternidade/paternidade atípica. Mas porque você decidiu trabalhar com um sentimento, acho que o potencial do conto não foi completamente explorado.
Até mais e boa sorte!
Quando escrevemos um conto, esperamos que o leitor tenha o mesmo ponto de vista que o nosso. É uma esperança inútil. Na realidade sempre haverá opiniões e gostos contrários. E se? Essa palavra indica acaso e o Acaso só acontece quando algo está no lugar errado e na hora errada. Também escrevemos com o objetivo de ser elogiado pelo leitor, seguindo as regras das possibilidades, é claro.
Aproveitamento do tema: Bem aproveitado.
Enredo; Não gostei. As duas histórias são iguais, só mudando o personagem principal, na primeira é uma criança doente, na segunda a criança não tem nada, é saudável. Confesso que li a segunda parte sem grande interesse, porque não trouxe grandes revelações, nem encontrei sentido para tal coisa.
Escrita: A escrita é muito boa.
Impacto: Então, não entendi muito bem qual a moral da história, a proposta de adivinhar qual história é verdadeira. Acho que as duas são verdadeiras, pra quem, não sei, mas por acaso, posso estar errado.
Aproveitamento do tema
Total. Foi uma escolha inusitada de narrador. O “e se…”, a dúvida, as hipóteses criadas por nossas mentes. E o texto inteiro se adequa ao narrador.
Enredo
Duas alternativas de final para uma mesma história. Minha interpretação é que nenhuma delas é real: cada uma das alternativas existe na mente de Mariana. A que teve problemas no parto, desejava o final de parto perfeito. A que teve o parto perfeito, se inquieta com a possibilidade de ter tido problemas. Ansiosos entenderão esse tipo de automasoquismo imaginário.
Escrita
Gostei do tom próximo, de conversa, adotado pelo narrador. Tudo me pareceu bastante coerente e bem conduzido. Não notei problemas, ou, ao menos, não me incomodei com nada.
Impacto
Gostei. Mas poderia ser mais impactante se os finais fossem mais diferentes. Se o início difícil tivesse um final feliz enquanto o início feliz tivesse um final trágico. Ou se houvesse uma terceira alternativa.
Olá, Mariana!
Aproveitamento do tema:
Total. No início me incomodou um pouco o fato do narrador ser um sentimento tão abstrato, mas, ao chegar ao fim do texto, vi que a escolha funciona.
Enredo:
Não me prendeu muito, não sei por quê. Talvez a história tenha se dividido muito cedo? Não sei.
Escrita:
Há espaço para melhora. Encontrei alguns erros de revisão, também.
Impacto:
Infelizmente, fraco. Mas achei interessante a ideia das duas realidades simultâneas para o “e se”. Continue escrevendo sempre!
Boa sorte!
Oi, Mariana,
Um conto com sol, lua e ascendente em libra.
Acho que a maternidade potencializa exponencialmente nossos medos e nossos desejos, né? Em geral essas coisinhas são nossa herança pro mundo.
Aproveitamento do tema:
Foi o narrador mais original. E você soube aproveitar isso. A história tem um temperamento “e se…”. Dos que li, foi o que mais se preocupou em dar uma personalidade narrador que fizesse jus ao que ele de fato era.
Enredo:
É um enredo criativo, que não burlou as regras do desafio, ao contrário, se lambuzou com ela para nos divertir.
A proposta de tentar adivinhar qual seria a verdadeira não história não me pegou. Acabei lendo com narrativas independentes sem a preocupação de qual era a minha verdadeira e qual era o “e se”. Claro que se a gente pudesse escolher, ficaria com a segunda.
Talvez para dar mais insegurança, a segunda história que parecia tão comercial de margarina poderia terminar com um fim trágico ou infeliz, aí a gente carregaria a insegurança de um final feliz construído sobre uma imensa dificuldade ou um final triste com um arco de conquistas.
Escrita:
Gostei da preocupação em dar para a escrita o tom de dúvida que imaginamos deve ser característico do “e se”.
Há uma atenção quanto a grafia e sintaxe.
Apenas uma dica. Mas é dica mesmo. Às vezes para passar um efeito não é necessário repetir tanto para convencer. Um exemplo é a palavra “preparar”. O último parágrafo da introdução começa com a frase: “Mariana estava ‘preparada’ para o parto”. Na continuação temos: “Mas não estava ‘preparada’ para o que aconteceu. ‘Nada prepara’ os pais para uma falha na hora do parto que transforma seu filho típico em um bebê atípico, diagnosticado com paralisia cerebral. ‘Nada prepara’ alguém para isso”
Impacto:
Tornar-se responsável por essas criaturinhas tão dependentes mexe muito com a gente. Acabamos lançando sobre eles tantas coisas nossas, desde nossas crenças até nossos sonhos inconquistados. Por isso, o tema acaba nos pegando. Imagino que todas as pessoas acabam tendo medo de tanta potência que há naquele simples óvulo fecundado. Nesse ponto, você acertou bem.
Apesar disso, eu realmente quis me preocupar mais com o dilema.
De qualquer modo, parabéns por se aventurar em um narrador incomum.