Vida, morte e vida │ Anna Carolina Toledo

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Maria recebeu esse nome como todas as mulheres de sua família. Uma tradição que lamentavelmente se perdeu ao nomear a filha de Ana. Assim, se fez de última. Última, também, sobrevivente do arraial Beirada, que surgiu a tanto tempo quanto a tradição das Marias.

Acordava cedo para seguir sua rotina aproveitando ao máximo a luz do sol, já que a energia caiu junto com a chegada deles. Não que Maria se importasse com a falta de luz elétrica: ainda se lembra muito bem de usar o lampião para caminhar até a escolinha de pau a pique, do caminho para pegar os ovos no escuro e sem dúvida aprecia dormir depois de ler a luz de velas. Por fim, bastava acordar com sua família para tomar café. Hoje resta-lhe apenas alguns bichinhos de companhia.

Aprendeu a gostar das coisas terem seu tempo medido pela natureza: sabia olhar as horas pelo sol, como ensinou sua finada mãe, mas buscava água marcada pela fome, não de seis em seis horas. Checava com frequência as armadilhas espalhadas nas redondezas e se algum animal parecia estressado no pasto.

— Os animais são sábios, filha. Sabem o futuro, pode confiar!

Sua mãe falava a respeito da chuva, mas para Maria se tornou um alarme contra hordas. Se os porcos acordassem roncando demais, devia guardar os miúdos no paiol, os de quatro patas na igreja e soltar os maiores para se esconderem na mata. Se não voltassem… Bem, era a natureza tomando suas decisões. Ela sabe que quase todos voltam e isso é o que realmente importa.

Há  ainda outro sistema de proteção: carne podre. Aparentemente eles só gostam de comer carne fresca, então bastava espalhar a carcaça dos mortos para fazer uma espécie de barricada ao redor do arraial.

Sentia-se segura… E solitária.

Sua filha foi-se embora junto do último grupo resgatado pelo avião da força aérea que de tempos em tempos pousa na região do rio nos arredores da Beirada. Já a chamaram de teimosa e louca, mas não se importava. Naquele pedacinho de chão estava fincada sua história! Atrás da igreja havia o cemitério com sua família – suas Marias – e dezenas de vizinhos de cerca que foram e voltaram. Carregou para a igreja a lousa de madeira onde aprendeu a ler e com ela alfabetizou muitas crianças na última década de apocalipse. Antes, no caos dos primeiros anos, havia crianças de outras vilas que os pais traziam no lombo de burrinhos só para estudar lá. A Beirada era um ponto de segurança para todos… Agora foi abandonado tal qual Maria, ambas condenadas a viver solitárias mais uma vez, assim como eles.

— Mãezinha… Volta com a gente. Conseguimos pedacinho para a gente num quadrado da comunidade. Tem até um pedaço de terra para você levar umas plantinhas! Pode trabalhar nas estufas do governo, vai ser bom para você!

Bom para quem, Ana? Foi o que Maria se perguntou amargurada na época ao lembrar de suas viagens de menina com a família para visitar parentes na capital. Tudo já parecia empilhado em caixotes frios de metal naquela época, imagina agora em que quase todo mundo foi se refugiar em metrópoles?!

Ela ficaria na Beirada, como deve ser.

A sobrevivente ouve os sinos da cordinha colocada na entrada norte. Certamente é mais um cabrito engastalhado no fio, mas por precaução, leva consigo sua foice… Os animais pareciam bem aquela manhã, então não há preocupação com hordas a caminho.

Nos limites do arraial, um corpo se arrasta no chão com a perna presa no arame farpado. O corpo morto geme, como tantos outros que acordaram mais de uma década atrás. Uma moça miúda, provavelmente faminta. O rosto tristonho lembrava alguém precisando de cuidados… Tinha cara de Ana. Ana Maria.

Maria olha para o arraial pensando em como tudo funcionava encaixadinho tal qual uma bica no monjolo d’água. Ela é apenas uma hóspede no lugar, todos sobreviveriam mesmo sem sua rotina matinal. Já a moça, Ana Maria, precisa de uma mãe para guiar e ela está disponível.

O braço se estende para ser mordido pela zumbi. A febre queima como o sol do meio dia. Acordaria pronta para, quem sabe, uma nova vida na Beirada agora acompanhada por outra Maria.

Tema: Cidade do interior

18 comentários em “Vida, morte e vida │ Anna Carolina Toledo”

  1. Olá, Maria Severina!

    Eu gostei do conto, mas acho que você poderia ter explorado melhor o tema e desenvolvido a história. O texto apresenta alguns desvios gramaticais que poderiam ser evitados com uma revisão, a exemplo o pleonasmo “junto com” na segunda estrofe. Gostei da criatividade de colocar os zumbis no texto, mas fiquei com a sensação de que faltou mais alguma coisa para a história atingir todo o potencial, talvez o limite de palavras tenha impedido uma melhor ambientação e aprofundamento. Gostaria de ler outros textos seus e espero vê-la nos próximos desafios.

    Sucesso pra ti!

    Boa sorte!

  2. jowilton amaral da costa

    O conto narra a história de Maria, uma moradora de uma cidade interiorana, que se recusa a abandonar o seu lar, mesmo depois que todos vão embora. O enredo é regular e achei que se perde do meio para o fim. O clima de mundo e\ou apocalipse Zumbi deveria ser melhor trabalhado, para que não soasse tão sem propósito o aparecimento de um morto-vivo. O tema foi bem executado e de uma forma bem inusitada. A narrativa é regular, mas leitura fluiu sem entraves. Boa sorte no desafio.

  3. O conto atende ao tema por situar a cidade interiorana como motivação e identificação da personagem. A força da tradição e do enraizamento a mantém ali e, conforme o texto avança, mais características dessa cidade ficam visíveis e legitimam o contexto em que se desenrola a história. O tensionamento entre sair e ficar até funciona com a introdução inesperada dos zumbis, mas acredito que o conto não tenha saído disso, ficou às voltas com isso sem ser mesmo uma indecisão da protagonista. Ela sempre esteve decidida quanto a ficar, mas o texto explora a questão sem introduzir um fato novo até o fim, em que falta catarse.

  4. Olá, Maria! “ao nomear a filha de Ana” gera uma ambiguidade (pode-se pensar que Ana é uma outra mulher que teve uma filha). “Há tanto tempo” é o correto. Ler “à luz de velas”. Sobre a narrativa em si, achei um pouco confusa. Talvez vc pudesse enxugar o texto (não precisa ter exatamente 700 palavras haha). Com relação ao tema, achei que vc conseguiu fugir em parte do que seria um clichê de cidade do interior, mas acabou caindo em outro tópico meio batido, esse de zumbi.

  5. Olá,
    Bem, eu achei que faltou espaço pra ambientar a narrativa aqui. Como começou o Apocalipse zumbi? Por que a cidade foi abandonada? Várias perguntas sem resposta. Acho que o suspense não funcionou tão bem também. Na metade do texto já dá pra notar do que “eles” se trata. Mas a escrita é muito boa. Demonstra habilidade. A história tem potencial, só precisa de mais espaço e detalhes.
    Boa sorte!

  6. Fernando Dias Cyrino

    Ei, Maria Severina, cá estou eu às voltas com o seu conto. Leio, releio, busco mais entradas… mas fiquei me sentindo um tanto quanto perdido na história, sabe? Mas quem sabe deva ser mesmo a incompetência minha de entendimento. Lamentei, porque gostei da narrativa, mas achei que talvez você precisasse de mais umas quinhentas palavras (ou mais? Ou menos?)para me fazer mergulhar nessa norte vida morte da Beirada. Gostei do seu vocabulário, da riqueza do seu domínio do idioma. Parabéns e muito sucesso no nosso desafio.

  7. Olá, Maria! Tudo bem?
    Como moradora de cidade do interior, posso dizer que a impressão que me deu foi que você ambientou sua história apocalíptica de zumbi bem na zona rural (roça) mesmo e não propriamente em uma cidade. Mas vamos relevar isso. Eu gostei bastante do conto. Está bem escrito, não entrega todo o enredo de uma vez, vai desenrolando a história aos poucos e o final é imprevisível… Quem imaginaria que ela mesma ia escolher virar uma zumbi só para permanecer naquele lugar em paz e “cuidar” da mocinha zumbi?
    O conto é poético, o clima de solidão e melancolia está bem presente. Gostei bastante! Parabéns!
    Boa sorte no desafio e até mais!

    1. Tive receio da interpretação de interior se assemelhar demais a uma zona rural e agradeço por apontar esse erro, confirmou minhas suspeitas. De fato, a proposta de uma cidade interiorana ficou aquém do que se poderia explorar, mas na minha cabeça a ideia de cidade do interior caminha junto da sensação de aconchego, de estar num lugar em que todos se conhecem de vista , se verem sempre na igreja aos domingos, etc. Assim como Maria foi abandonada, a cidade também foi e nessa solidão ambas se compadecem e se apoiam na expectativa de manter seu status de “interior” mesmo num cenário apocalíptico.

  8. Até agora, nenhum conto deste desafio me apanhou mais desprevenido do que este, e quando li o tema tive a noção do quão imaginativo é. A ideia de solidão, de nostalgia, de apego à terra está bem escrito, mas não o suficiente para conseguir transportar o leitor para o cenário. Há demasiados pormenores a distrair, e quando surge o desfecho, que é excessivamente abrupto, o leitor, embora seja apanhado de surpresa, não tem espaço para digerir convenientemente o que aconteceu.

  9. Buenas, Maria.

    Adorei a metáfora dos nomes, assim como os jogos de palavras. A escrita é suave, o leitor desliza por ela, apesar de achar o estilo contado meio sem graça, principalmente com uma trama que poderia ser bem forte sendo mostrada. Acredito que a estrutura do conto poderia ser melhor organizado para não confundir o leitor. Existem as lembranças da Maria e o dia em que ela decidiu partir, contado no presente. Talvez, o conto poderia ser mais eficiente se contasse o passado e mostrasse a decisão de Maria, dividido em atos ou capítulos. Não sei, pra mim, o conto pareceu um pouco desorganizado.

    Parabéns pelo texto! Vamos que vamos.

  10. Ana Luísa M. Teixeira

    Oi Maria!
    Tudo bem?

    Gostei da maneira como você conseguiu misturar o tema (que você abordou bem) com uma distopia zumbi.
    Achei o enredo criativo e interessante. Gostei bastante também da construção de cada uma das personagens e como o enredo terminou.
    Não encontrei grandes problemas de escrita, mas tiraria alguns excessos, o texto poderia ser um tantinho mais curto.

    Parabéns pelo texto e boa sorte!

  11. CLAUDIA ROBERTA ANGST

    Oi, Maria Severina, tudo bem?
    O conto atendeu ao tema proposto, já que a narrativa se passa em uma cidade do interior de Minas.
    Agora que história é essa de apocalipse pra cá, zumbi pra lá, tradição de nome, mordida de Ana Maria?
    Não sei por que, mas o texto quase me fez cantar: A vida virou, por deixar ela virar/ Foi por causa da teimosa que não soube rezar (e quebrou a tradição ao não batizar a filha com o nome de Maria)/ Se eu fosse um zumbi e soubesse nadar/ Eu corria é pro fundo do mar (onde? Não em Minas, claro). Veja só o caos que o seu conto provocou em meu cérebro.
    Os tempos verbais estão todos embaralhados. Foi proposital? Se foi, não funcionou bem para mim.
    = surgiu a tanto tempo > que surgiu Há tanto tempo
    Enfim, a culpa é toda de Maria, que teimou em ter Ana e esquecer da tradição.
    Parabéns pela participação e boa sorte.

  12. Oi Maria Severina.

    Acho que não entendi direito a história. No geral, achei meio confuso. Tive a sensação de que passado e futuro se misturam o tempo todo. Talvez seja proposital, mas como resultado tive que reler alguns trechos algumas vezes para tentar entender a situação. As muitas coisas a respeito do apocalipse só são citadas, tão de leve que não dá para imaginar, preencher as lacunas com a imaginação. O que são as hordas? O que foi o apocalipse? Por que todos se foram? Qual o problema em ficar no campo?

    Talvez a história que você tinha em mente precisasse de mais espaço do que o limite de palavras deste desafio.

    Boa sorte.
    Kelly

  13. Maria Severina, tudo bem?

    Seu conto tem um início bem poético, retratando os detalhes de uma vida em algumas localidades no interior do nordeste. Muito bem feita a ambientação.
    A chegada dos zumbis deixou o seu texto confuso. Até pensei que zumbis fosse o tema, mas não era. Então a segunda parte não dialoga com a primeira.

    Há uma mistura de tempos verbais que me distraíram do conto.

    Eu achei essa história interessante. Um pouco The Walking Dead, um pouco The Last of Us… Os zumbis podem ser explorados de muitas formas, inclusive a poética como foi feito aqui. Faltou apenas conectar melhor com o começo.

    Esse é outro conto de terror, ou quase, que não explorou as facilidades que o tema pode trazer. Parabéns pelas imagens bastante sensíveis e poéticas. Boa sorte no desafio.

  14. Oi Maria Severina,

    A ambientação do texto começou super bem, depois tive dificuldade de entender algumas passagens da história.
    No final, parece que se trata de uma história de ficção com zumbis. Deste modo, o tema central (cidade do interior) acabou se perdendo, na minha opinião.
    Sucesso com o conto!

  15. antonio stegues batista

    A autora faz um jogo de palavras com o título e pseudônimo,
    aludindo ao livro de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina,
    e por aqui, começa a sua boa criatividade.
    Acho que o Nordeste sempre passou por ciclos de apocalipses, períodos de seca que afetam o povo.
    Logo no início, o narrador anônimo, fala da tradição da família de Maria, de dar à filha, o nome de Maria.
    Quando Maria quebra a tradição, dando o nome de Ana à filha, na natureza também acontece uma ruptura,
    a normalidade é quebrada por uma pandemia, pessoas adoecem e viram zumbis.
    Na chegada das hordas de mortos vivos ao sitio, rompendo tudo, a energia caiu,
    animais foram devorados e para Maria, as lidas no sitio passaram a não ter sentido.
    O final do conto é impactante; uma mulher zumbi presa na cerca de arame farpado, de roupas rotas,
    cabelos desgrenhados, olhos com íris branca, fundos nas orbitas, os dentes escuros arreganhados,
    o torso meio erguido, o braço estendido com a mão em garra, e Maria, solitária, atormentada com tudo,
    e sem perspectiva de um futuro melhor, estende gentilmente a mão para ser mordida
    e ser parte daquela horda de corpos sem alma. Excelente final. O texto tem algumas falhas que não prejudica o valor do conto,
    principalmente para aqueles que são fãs de The Walking Dead, como eu.

  16. Regina Ruth Rincon Caires

    Encontrei muita dificuldade para compreender este texto, e não posso afirmar que assimilei totalmente a ideia do autor.

    De início, pensei numa história ambientada numa pequena cidade do interior do agreste, devastada pela seca. Mas havia pontos da narrativa que não se encaixavam apenas nessa realidade.

    Percebi, no relato, palavras e referências que escapavam da minha visão simplória: “chegada deles, horda, zumbi, apocalipse, estufas do governo, armadilhas espalhadas, corpo morto que geme, gostam de comer carne fresca”…

    Pesquisei e cheguei à conclusão de que o autor, conhecedor profundo de séries de terror e usando de uma criatividade incrível, mesclou, dentro do tema “cidade do interior”, a realidade da vida sofrida do sertão brasileiro com conceitos retirados da série “The Walking Dead” (wiki). Há um cruzamento danado de ambientação do sertão com a vida pós-hecatombe da série, qualquer coisa neste sentido. Só não consegui captar o sentido de: “mas buscava água marcada pela fome, não de seis em seis horas”. Confesso que nada conheço sobre qualquer série de terror, e peço desculpas ao autor se divaguei.

    Quanto ao texto, sua escrita, há uma confusão temporal no uso dos verbos, e essa falha trunca a leitura. Isso acontece, só precisa fazer uma revisão cuidadosa. Acredito que todo leitor precisou ler e reler cada parágrafo para buscar a compreensão.

    Li e reli a página “The Walking Dead”, do site “Wiki”. Fui conhecer a doença que carreia entre os zumbis. Jesus!!!
    “Mordidas te matam, a febre queima você vivo, mas depois de um tempo… VOCÊ ESTÁ DE VOLTA.”

    Parabéns, Maria Severina! Que trabalhão você me deu!!!

    Boa sorte no desafio!

    Abração…

  17. O conto, inicialmente, tem uma boa ambientação.
    Confesso que não entendi algumas passagens… no final, ‘zumbi’ surgiu de repente e, para mim, não fez muito sentido, por que o conto parecia seguir um tom realista do cotidiano da vida rural.
    Minha sugestão seria rever o uso da palavra ‘Checava’. Checar é termo midiático muito usado nas dublagens de filmes, tal como ‘tira’ para definir policial.
    Cuidado com o uso dos tempos verbais, dos pretéritos e do presente do indicativo. Há um desacordo estranho em várias passagens.
    Exemplo: ‘Acordava cedo para seguir sua rotina aproveitando ao máximo a luz do sol, já que a energia caiu junto com a chegada deles’. Tem algum problema aqui com o uso do ‘Acordava’ e ‘caiu’. Seria melhor ‘acordava’ e ‘caia’ ?

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