Um pouco de música │ Anna Carolina Toledo

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Ninguém passa pelo Hiper-Setor-92 sem experimentar as famosas batatas cor-de-rosa do X-Tudum. Mais que uma lanchonete de cruzamentos espaciais, a experiência de vivenciar um ambiente puramente terráqueo era parada quase obrigatória.

—Olá! Meu nome é Bernadette e hoje serei sua atendente pessoal. Permita-me recolher seus dados — a robô estendeu as mãos formando um retângulo — Vejo que vieram com a família completa! A pequena Briane está comemorando um ciclo de maturidade, na Terra chamamos esse momento de Aniversário, então: Feliz aniversário! Para a comemoração, sugiro uma porção Absurdamente Grande da torre de batata com bacon de Bronteroc a parte, já que Briane não come proteínas de origem orgânica, certo?

—Chama-se veganismo concreto.

A garota de pele azulada respondeu com desdém sem tirar os olhos do holograma de uma partida de futebol.

— Responda com mais respeito, essa reserva foi uma fortuna! E sim, vamos querer a batata e quatro X-Tudum, um deles com proteína biossintética!

O grupo se acomodou em uma mesa no canto perto do palco. Neste, as luzes se acenderam revelando o grande espetáculo da noite: Katrina. Foco em seu rosto rechonchudo de andróide. Ninguém cantava como ela num raio de dezenas de Hiper-Setores.

Apenas terráqueos possuíam pacotes tão impecáveis de músicas. Ver um humano de verdade cantar já representava uma iguaria inestimável, mas mesmo a versão de uma inteligência artificial como aquela já valia a pena, afinal, absorveu dados diretamente de apresentações de humanos.

De tudo que é nego torto

Do mangue e do cais do porto

Ela já foi namorada

O canto reverberou por todo o salão, mesmo o mais desatento plutoniano não conseguiria ignorar sua voz por alguns segundos. Bernadette ia além: nada a faria deixar de apreciar sua musa.

Joga pedra na Geni!

Joga bosta na Geni!

 De repente, um copo com guaraná voou da mesa atingindo Katrina. Bastou atingir a parte interna dos lábios que os braços reagiram com estranheza.

—Eu disse que ela não era de verdade!

Briane comentou vitoriosa quando Katrina foi puxada para fora do palco.

Bernadette nunca sentiu tanta fúria em seus circuitos neurais, mas precisava agir com sensatez. Todos sabiam como o Patrão resolvia os problemas e Katrina definitivamente não era descartável.

O público deixou de olhar para as próprias refeições. Aquela não era uma lanchonete genuinamente brasileira sem música! Mais reclamações e a baderna só foi atenuada quando um homem corpulento subiu no palco anunciando que todos receberiam uma porção especial de batatas.

—Enquanto isso, aproveitem o melhor da música terráquea!

Em seguida, a famosa versão piano de Ipanema tocou por sons instalados nos cantos da lanchonete.

Passando pela cozinha, chegou ao local onde o Patrão trabalhava de verdade: a oficina. Lá estava Katrina, numa mesa de metal como se estivesse prestes a fazer uma cirurgia.

—Bernadette, que bom que está aqui. Pegue o limpa-tudo na caixa de ferramentas.

Bom sinal. Se ia limpar, quer dizer que ainda estava em condições razoáveis de funcionamento, certo?

Se dirigiu à estante na sala ao lado e pegou o que o Patrão precisava. Foi então que seu mundo se partiu em pedacinhos: Ao lado de Katrina havia outra cabeça de robô.

—Ande logo! Temos que devolvê-la para o palco ainda hoje.

Observou atônita a cabeça de Katrina descartada enquanto a outra ganhava vida.

— Quem é você?

—Eu sou Katrina, sua funcionária. Tenho um show para terminar.

O sorriso do Patrão era diretamente proporcional ao desespero de Bernadette. AQUELA NÃO ERA KATRINA!

Sua mente de metal já devaneou um destino dramático como aquele. Sabia o que fazer, bastava a X-Tudum fechar…

***

No dia seguinte, algumas redes de comunicação soltaram notinhas informando a curiosa situação descoberta pela polícia no Hiper-Setor-92. Aparentemente, um terráqueo foi encontrado morto dentro de uma banheira cheia de guaraná. Havia também uma robô de segunda geração próxima a porta dos fundos segurando a cabeça de uma andróide. A explicação mais plausível é que a máquina se desligou naquela posição juntamente com o alarme conectado aos batimentos cardíacos do dono. As portas se lacravam e um sinal era enviado à nave policial mais próxima.

A grande dúvida que paira na mente dos clientes da lanchonete é: quem dará continuidade ao trabalho? As batatas cor-de-rosa não vão se fritar sozinhas!

Tema: Futurismo num contexto brasileiro

18 comentários em “Um pouco de música │ Anna Carolina Toledo”

  1. Olá,
    Bem, o contexto é brasileiro? Creio eu que sim, apesar de não ser no Brasil propriamente. Não sei se necessariamente precisa se passar no Brasil para o contexto ser brasileiro.há uma brecha no regulamento heheh… mas enfim, é uma história com uma ambientação bem legal, com muito potencial, mas que acaba por não entregar tudo o que poderia. Fica tudo muito superficial. Há a questão do “barco de teseu” da cabeça trocada, as emoções e o background do androide, os detalhes do assassinato, nada disso é abordado com o devido cuidado. Entendo que há o limite de palavras, mas nesses casos é preciso tomar cuidado com o que dá pra ser entregue.
    Boa sorte!

  2. O tema virou cenário, mas faltou um enredo mais cativante. Acompanha-se e se compreende a agonia da robô, essa espécie fictícia que tanto nos cativa nas ficções científicas pelos maus tratos que recebem dos humanos. Apesar disso, essa subtrama pareceu desconectada do tema, enquanto a caracterização tentou cumprir essa parte. Isto é, a história poderia seguir da mesmíssima maneira se fosse futurismo no Japão, entende? É no que o texto perde, acredito.

  3. Ei, Robô de segunda geração, acho que cumpriu a contento a sua missão. Contou a sua história futurística num contexto brasileiro (ufa, mas que tema mais estranho, não é mesmo?). As referências musicais certamente que ajudam no entendimento da trama, mas confesso (com certeza pela questão etária) tive dificuldades com os referenciais que me traz. Tive que reler e tri ler para entender melhor. Não foi um conto, infelizmente, que tenha me encantado… Sucesso no desafio.

  4. CLAUDIA ROBERTA ANGST

    Oi, Robô de segunda geração, tudo bem?
    O conto abordou o tema proposto.
    Para os apreciadores de FC, este texto será um deleite. O enredo revela criatividade e boa construção de personagens.
    Há pequenas falhas de revisão:
    andróide > androide (Não se usa mais o acento dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas)
    a famosa versão piano de Ipanema > a famosa versão piano de Garota de Ipanema
    Se ia limpar, quer dizer que ainda […] > Se ia limpar, queria dizer que ainda […]
    próxima a porta dos fundos > próxima à porta dos fundos
    A explicação mais plausível é > A explicação mais plausível era
    O último parágrafo está todo no tempo Presente, enquanto o resto da narrativa está no Pretérito.
    Parabéns pela participação e boa sorte.

  5. Regina Ruth Rincon Caires

    Este conto requer uma leitura cuidadosa. Futurismo (FC) e brasilidade mesclam a narrativa. Aí, num determinado ponto, você se depara com parte de uma música que traz um mundo de recordações (vivências). Então, os olhos deixam de atentar para as letras do papel e a memória corre solta. A música “Geni e o Zepelim”, criação de Chico (Ópera do Malandro), produziu isso em mim. Feita numa época de repressão, Chico, em sua genialidade, criou essa personagem que simboliza (personifica) tantos rostos, tanta gente. Geni é o silêncio, a “não-voz”. E que bom que na era futura essa “criatura”, ainda e também, seja apreciada, mesmo que por poucos…

    Bem, voltando ao texto, acredito que o autor tenha cumprido o tema. Está bem escrito, apenas vi um “como ela” que destoou, que produziu aquele som feinho. Os outros deslizes aparentam ser erros de digitação. Só isso.

    Acredito que este conto é perfeito para apreciadores de FC, e para um público mais jovem.

    Robô de segunda geração, parabéns pelo trabalho!

    Boa sorte no desafio!

    Abração…

  6. Buenas, Robô!

    Cara, como queria ver esta história adaptada num boteco, bem no estilo inferninho, com figuras estranhas e marginalizadas, com um robô decadente cantando Chico Buarque. Gostei do conto, não tem como não gostar, é um bom FC. Tenho dois problemas, porém.

    Primeiro: acredito que daria pra explorar as emoções de Bernadette com mais eficiência se ela fosse um ciborgue, cujo sinapses neurais fossem mescladas com uma IA. Porém, isso poderia confundir o pessoal, que não é tão familiarizado com o gênero, e o limite pequeno não abre espaço pra desenvolvimentos mais complexos. Ela é um robô muito humanizado e, sem contexto (se já houve alguma revolta de máquina, se está prestes a acontecer, etc), ela pode se torna caricata, sem solidez, e alguns leitores podem desacreditar suas atitudes.

    Segundo: o tema fala sobre o futurismo num contexto brasileiro. Uma lanchonete, que lembra o clássico podrão brasileiro, no meio do espaço, seria o suficiente para contextualizar o Brasil no futuro? Sinceramente, tenho dúvidas.

    Mas isso tudo é implicância minha, hehe. Sou o chatão do rolê, sempre.

    Parabéns pelo texto. E vamos que vamos!

  7. JOWILTON AMARAL DA COSTA

    O conto narra a história de Bernadete, uma robô que trabalha numa lanchonete, que assassina o patrão. O tema foi bem desenvolvido, a ambientação também é boa.. A trama poderia ser melhor, não principalmente se fosse melhor desenvolvido a parte do assassinato. A robô Bernadete poderia ser mais trabalhada, para nós dar uma maior empatia por ela. Não é um conto ruim, mas poderia ser bem.melhor. Boa sorte no desafio.

  8. Olá, robo. Depois de ler o seu texto fui ouvir a música referida no mesmo, o original do grande Chico Buarque, uma música que não conhecia e que é absolutamente perfeita na forma como define a narrativa e a trabalha com a música. Senti que faltava alguma coerência e harmonia no seu texto. Talvez focar mais no homicídio e reforçar a ligação entre os dois androides, para que o leitor se ligasse mais ao texto.

    1. Robô de segunda geração

      Fico satisfeita de ter lhe apresentado a música. Ela se molda, como tudo feito por Chico Buarque, num contexto social que merece mais atenção e apreciação. Obrigada pelo comentário!

  9. Oi Robô de segunda geração.

    Aí sim, temos brasilidade e futurismo.

    A história é simples, mas foi bem desenvolvida. A escrita é bem correta, certeira. A ambientação também está muito bem feita, coisa difícil de obter com este tema em apenas 700 palavras.

    O ponto fraco é a superficialidade da história, porque aqui dá a impressão de que tinha mais coisa a ser desenvolvida, tinha espaço para mais. A limitação de tamanho foi um problema.

    Mas, apesar disso, a história foi bem contada e muito foi gostosa de ler.

    Parabéns e boa sorte.
    Kelly

  10. Olá, Robô de segunda geração,

    Eu vi que é o segundo conto com a mesma temática. Como essa versão pareceu-me explorar melhor alguns elementos, suspeito que você tenha escolhido o tema, né?

    O final do conto demonstra uma crise das relações humanas. A vida de alguém importa menos que o trabalho realizado por ela. Imagem bem forte.

    Sobre a brasilidade, você fugiu do óbvio. Qualquer brasileiro irá se reconhecer no conto. Deste o X-tudum até o guaraná. E quanto ao tema do futurismo está bem colocado.

    Apesar disso, o grande acontecimento do conto, o assassinato, fica perdido em meio a ambientação do conto e às críticas veladas sobre o consumismo. Tivesse trazido a percepção de muno pelo olhar da pessoa assinada, poderia ter feito uma maior conexão com o leitor e feito a gente sentir mais o impacto dessa vida descartada.

    Boa sorte pelo desafio, pela participação e coragem de abordar um tema tão difícil.

  11. Ana Luísa M. Teixeira

    Oi Robô!
    Tudo bem?

    Parabéns pelo texto! Achei a ideia muito original! Eu, pessoalmente tenho grande dificuldades de inventar nomes, imaginas questões futurísticas e por isso admiro muito quem tem esse poder e capacidade. O texto supriu todas as necessidades do tema. É um texto curto, bem escrito e dentro da temática proposta.
    Não encontrei grandes erros de digitação nem de português de uma maneira geral e gostei muito da maneira como foi escrito.
    Também gostei muito do desfecho cheio de humor e bem colocado como uma notinha de jornal.

    Boa sorte!

  12. ANTONIO STEGUES BATISTA

    A ambientação do conto é no Espaço, ou seja, no Hyper-Setor-92,
    uma lanchonete num cruzamento de tráfego de naves espaciais.
    Portanto, fora da Terra e do Brasil. Há apenas algumas referências como o refrigerante guaraná,
    o piano, suponho, de Antonio Carlos Jobim e uma referência a Geni e o Zepelim,
    música de Chico Buarque. Acho que a ambientação em solo brasileiro, teria uma relação mais forte com o tema.
    Alguns termos e ideias, correspondem bem o universo da Syfy e seus sub temas.
    O site não permite uma diagramação diferenciada de texto, ele se espalha de um lado a outro e por isso,
    a letra da música ficou espremida do lado direito, o que faz uma estrutura ruim para uma leitura fluida.
    A história é meio surreal, meio comédia, meio space opera, meio pela metade.
    De qualquer forma, está bem escrito e tem boas ideias.

  13. O pseudônimo revela um pouco a ideia do conto: uma ficção pautada na noção de robôs para pensar o futuro/futurismo.
    Esta perspectiva de futuro nos acompanha há tempos.
    O conto segue uma linearidade e a trama, em algum momento, perdeu a força do encadeamento.
    ‘Uma robô de segunda geração próxima a porta dos fundos’ [à porta].
    Valeu a leitura.

  14. Olá, Robô!

    Achei esse tema muito criativo e um tanto difícil de escrever em 700 palavras. Além de escrever uma história coerente, deve ter elementos do futurismo e uma ambientação que caracteriza o Brasil, ufa! Parabenizo pela coragem do autor em escolher esse tema peculiar. Contudo, sinto que você se limitou demais, querendo trazer aspectos futuristas ao texto (como robôs, terráqueos, inteligência artificial e a forma como os personagens agem) que não conseguiu fazer uma ambientação tipicamente brasileira, recorrendo apenas a citação de futebol, garota de Ipanema e guaraná. Tanta coisa que você poderia ter falado sobre o Brasil, talvez um Carnaval diferente, algo com novelas, programas característicos (João Kleber, Ratinho e Casos de família me vem à mente). O tema, apesar de difícil, dava abertura para explorar muito a cultura brasileira. A história ficou confusa e pouco aprofundada, sinto que você se perdeu nas descrições e enrolou para criar o enredo. O conto apenas mostrou uma cena de uma lanchonete futurista, sem personagem principal para guiar o leitor.

    Sucesso pra ti!

    Boa sorte!

    1. Robô de segunda geração

      Agradeço pelo comentário! Só um adendo: a música é Geni e o Zepelim, não Garota de Ipanema, imagino que possa ter confundido. Talvez o trecho tenha sido uma escolha infeliz da minha parte, mas a música em si do Chico Buarque (na versão da Leticia Sabatella) complementa o contexto das robôs num sistema de exploração como o X-tudum.

  15. Olá, Robô!
    Tudo bem?
    Se você escolheu escrever sobre um tema desses, meu filho, queria mesmo sair da zona de conforto… Pq um tema desses em 700 palavras?? Por quê? Ficou ruim? Não. Mas ficou raso. Pq não tinha limite suficiente para fazer um bom conto nesse tema.
    O conto é legal, promete muito, mas a estrega é relâmpago. A ideia é tão boa, escreva um conto maior depois do desafio. E me chama pra ler, ok?
    Em todo caso, gostei das referências, ao tema da Barbie, à Netflix, ao guaraná, à lealdade ente robôs… Gostei de tudo, então queria mais.
    Boa sorte no desafio e até mais!

  16. Olá, Robô! Em “— Responda com mais respeito…” faltou dizer de quem era a fala. Detalhezinho: faltou espaço após a maioria dos travessões de diálogo. Achei algumas coisas confusas, como os itálicos (de quem seriam, senão do narrador?). Sobre a proposta, acho que se concentrou muito em futurismo em detrimento do contexto brasileiro, que se limitou à canção e ao guaraná. Senti falta de mais brasilidade. Sobre o enredo, achei um pouco confuso, talvez um recorte sobre a ideia central do conto ajudasse nisso, pq tb o final me pareceu meio anticlimático.

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