Tentativa de um remake │ Victor Viegas

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— Caio! Corre aqui! Veeeeem!

— Pra que essa gritaria? Tem gente dormindo. — Caio se aproximava de Guto.

— Olha isso. Achei uma câmera perdida naquele terreno.

— Como assim? E esse trem funciona?

— Sim. Olha aqui. Eu aperto esse botão e começa a gravar. Viu como é legal?

— Saquei.

— Curtiu? — disse Guto.

— Curti, mas achei muita coincidência. Você sabe que estamos vendo como participar do concurso de filmagem e, do nada, você aparece com uma câmera que, misteriosamente, estava no terreno. Sei não, hein!

— Maninho, presta atenção. Aqui tudo é muito rápido. O negócio é curto, tá ligado? Não temos tempo para tantos detalhes. Essas coincidências vão acontecer. 

— Ok. A gente podia fazer aquelas novelas da Globo. O que acha? — sugeriu Caio.

— Ficou doido? Eles vão cair em cima. Não dá pra copiar essas paradas — reclamou Guto.

— Mas não precisa deixar igual. Podemos fazer uma pequena mudança. Ninguém vai reparar.

— Qual a ideia?

— Sabe… tô assistindo a novela das arábias. 

— Qual?

— Aquela da Jade… ai! O inshallah… lembra?

— Qual o nome, menino? Qual o nome?

— Ai, velho! Não sei.

— O clone. Esse que vocês estão falando? — respondeu Gertrudes, que escutava a conversa de longe.

— Esse mesmo. Podemos ter uma mudança e fazer o nosso filme — disse Caio.

— Mudança para… — interrompeu Guto impacientemente.

— Ah, sei lá! O que você acha, em vez de O Clone, a gente colocar O Cone? Ninguém notará a diferença.

— Ok. Vamo logo com isso, já que não teremos ideia melhor — Guto pegou o caderno e começou a anotar as cenas. 

***

— Vizinha, deixa contar uma coisa —Gertrudes estendia a roupa no varal enquanto avistava Lurdes passando na rua — Vem cá que a fofoca é das boas.

— O que tá acontecendo?

— Senta aí! — Gertrudes pega uma cadeira. — Meus filhos inventaram de fazer um filme.

— Como? Eles nem sabem mexer no celular.

— E tem outra… Gutinho achou uma câmera.

— E aí? — Lurdes ficou curiosa.

— E aí que fizeram O Cone, uma cópia mequetrefe da Globo. Eu falei que não ia dar certo, mas esse bando de cabeça oca é tudo teimoso.

— Mas pelo menos ficou entre eles — disse Lurdes.

— Cê que pensa. Chamaram a vizinhança toda.

— Chamaram não. Não ouvi meu nome.

— Mas também né, Lurdes. Cê fica presa naquela sala empoeirada rezando o rosário o dia todo, com uma música capenga sempre no mesmo tom. Parece que tá morrendo. Dias desses Martininha jurou de pé junto que você tava invocando esses trem de pomba gira. Quem te convida assim?

— Ai! tá bom, vizinha. Conta logo a história.

— Calma que tem muita coisa — disse Gertrudes. —  Eles chamaram o Montanha da oficina para ser a Jade.

— Não tinha mulher pra chamar?

— Tinha, mas eles queriam algo conceitual. Tão conceitual que colocaram uma tanga com moedinhas e fizeram ele fazer uma dança em volta daqueles cones laranja de trânsito.

— Uai! Por que um cone?

— Por causa do nome do filme, O Cone — explicou Gertrudes — eu disse que era conceitual.

— Entendi. E depois?

— Cê não sabe a maior. Montanha aceitou. Foi fazer o personagem. Tadinho! Depilaram toda a barriga dele, ficou três horas só arrancando pelo. Depois tava lá rebolando que nem a Shakira.

— E você? Não participou?

— Participou sim, ela tava lá segurando o cone na cabeça — Montanha ouviu a conversa e se aproximou.

— Montanha? Não sabia que você tava aí — disse Gertrudes.

— Vizinha, a parede tem ouvidos e você não fala muito baixo também.

— Ai, gente! Fala o que aconteceu. Eles fizeram o filme ou não? — reclamou Lurdes.

— Fizeram, sim — afirmou Gertrudes. — A Silvia, aquela fofoqueira das Macaúbas, participou também.

— Quem? 

— Aquela que descobriu os chifres do Henrique — disse. — Os dois dançaram juntinhos e eu segurando o cone.

— Ela jogando dinheiro e eu dançando — Montanha jogou o quadril de lado, mostrando um dos movimentos. — E de fundo tinha aquela música “Essa é a mistura do Brasil com Egito, tem que ter charme pra dançar bonito”.

— Parece que ficou legal — disse Lurdes.

— Ficou mesmo. Eles vão enviar o vídeo para o concurso. 

— Que bacana!

— Coincidência eles encontrarem minha câmera no terreno. Pensando em perder mais coisas ali — Dona Gertrudes riu. — Concurso de contos tá chegando, vai que, misteriosamente, eles encontram um livro. Não sabemos.

Os três vizinhos continuaram a fofocar por horas. 

Tema: Vizinhos

19 comentários em “Tentativa de um remake │ Victor Viegas”

  1. jowilton amaral da costa

    O conto narra a história de dois irmãos que acham um câmera de vídeo e resolvem fazer um remake da novela O Clone para um Concurso. O enredo é todo baseado em diálogos e no humor. Os diálogos não são bons. as personagens carecem de uma melhor construção. Achei a história bem ingênua e não me impactou. Boa sorte no desafio.

  2. Texto muito bem-humorado e muito bem escrito, carregado habilmente pelos diálogos. Agora, apesar dessa qualidade textual, não vi a temática ser abordada. Achei que apareceu quase como um detalhe, inclusive reservado à segunda metade do texto: “ah, e eles são vizinhos”. É no que o conto perde a competitividade no certame.

  3. Olá,
    Um conto interessante e bem-humorado. É bem autêntico, captura bem essa dinâmica de vizinhos. Mas a estrutura dele poderia ser melhor, por ser todo em diálogos, chega uma hora em que cansa, e as falas começam a se embolar na cabeça. É fácil se perder. Poderia ter optado por um formato que fosse mais fluido.
    Boa sorte.

  4. Fernando Dias Cyrino

    Olá, Bahuan, cá vem você ao desafio para nos falar de vizinhos e cumpre o que se propôs. Uma história um tanto quanto inverossímil, eu achei aqui com os meus botões… mas a vida também tantas vezes é sem sentido, não é mesmo? Mas sigamos em frente… A meninada fazendo uma paródia de uma novela da Globo. Parabéns pela sua inventividade e muito sucesso no desafio.

  5. Anna Carolina Gomes Toledo

    Olá!
    Gostei do conto, fazer diálogos majoritariamente compor o texto é um desafio tremendo e cumpriu a proposta de ser redondinho e apresentar o tema. Me incomoda a repetição dos “disse” aqui e ali, sinto que poderia abusar mais da criatividade para conectar as falas. De um modo geral, é gostoso de ler, mas faltou abraçar mais o cafona nai há opinião.

  6. Olá, Bahuan!

    É um texto simples, em sua maioria apresenta apenas diálogos. Precisa de muita revisão para corrigir alguns desvios gramaticais que podem prejudicar a experiência do leitor. Como o seu texto cita a Globo, percebo algumas similaridades como a história rasa dos filmes da sessão da tarde e os diálogos expositivos e coincidências de roteiro das novelas. Continue praticando e, assim como todos, você também pode ter potencial.

    Sucesso pra ti!

    Boa sorte!

  7. Buenas, Bahuan.

    O conto precisa de alguns cuidados, como o pessoal apontou, mas, sei lá, senti uma paixão tão grande nele. Algo que me cativou. Quem já viveu em subúrbio, ou interior, sabe como é a relação entre os vizinhos. É assim mesmo. Tem a rapaziada que inventa história, tem o grupo da fofoca, tem os traídos e traidores, tem o Ricardão. Talvez, por já ter vivido algo do tipo, o conto despertou esses sentimentos em mim.

    Não perca essa chama. Não adianta aprender a escrever bem e não manter essa paixão. As duas coisas, quando juntas, te colocam nas alturas. Não do reconhecimento, mas sim, quando se trata de reconhecer-se na sua arte.

    Parabéns pelo texto! Vamos que vamos.

  8. Ao ler este conto recordei-me do meu antigo sonho de realizar filmes. Infelizmente nunca vivo ao lado de nenhuma dona Gertrudes, nem de qualquer outra pessoa que perdesse uma câmera. Só carteiras com dinheiro, enfim… Não se pode querer tudo… Agora a sério: li e reli o seu conto, identifiquei-me com ele. A estrutura em forma de diálogo entre vizinhos deu-lhe ritmo, mas creio ter faltado sentimento. Talvez tenha sido o excesso de coloquialidade, o que fica pressuposto num diálogo entre duas pessoas comuns – mas faltou o impacto.

  9. CLAUDIA ROBERTA ANGST

    Oi, Bahuan, tudo bem?
    O conto aborda o tema proposto de forma bem criativa.
    Sem dúvida, a construção do texto em diálogos agiliza e muito a leitura. Na maior parte das falas, a naturalidade se faz presente, só destoando um ou outro termo. Os coleguinhas já apontaram as pequenas falhas.
    Pelo o que entendi, foi Dona Gertrudes quem “perdeu” a câmera no terreno e agora trama estimular a participação de todos em um concurso de contos, perdendo livros. Interessante, embora pouco verossímil.
    Divertido!
    Parabéns pela participação e boa sorte!

  10. Olá, Bahuan! Tudo bem?
    Quando li seu conto pensei que o tema era diálogo, mesmo não sendo, poderia ter sido! Gostei da sua escolha narrativa, fazer diálogos naturais é difícil, e acabou atendendo o tema vizinhos muito bem!
    Sobre o conto em si, achei divertido, puro entretenimento ( se essa não era sua intenção, me desculpe) um texto despretensioso (de novo, me desculpa, eu detesto quando falam isso dos meus). Não vou falar como poderia ter sido, ou como eu escreveria com maior profundidade sobre o tema pq isso não vai te acrescentar em nada. O conto é fluido e bom de ler.
    Boa sorte no desafio e até mais!

  11. Oi Bahuan.

    Gostei do seu conto, bem humorado. Achei os dialogos bem naturais, uso moderado de verbos dicendi, bom ritmo. O unico dialogo que soou meio estranho foi “Você sabe que estamos vendo como participar do concurso de filmagem…”. pareceu forçado. Poderia ficar melhor “estamos pensando em participar do concurso de filmagem…”.

    O tema foi bem explorado. Os vizinhos aparecem, fazem fofoca, participam da vida um do outro, um dia em uma vila. Deu uma certa nostalgia.

    Achei a história bem coerente, até a parte em que surgem as cenas de O Cone. Aí, abre-se espaço para algum absurdo, um humor mais escrachado. Na minha opinião, deu certo.

    Parabéns e boa sorte.
    Kelly

  12. Oi Bahauan,

    Eu achei interessante o fato do conto ser narrado por meio de conversas entre vizinhos para dar enfoque ao tema, no entanto, ficou simples demais.
    Sucesso com o seu conto!

  13. Ana Luísa M. Teixeira

    Olá Bahuan!
    Tudo bem?

    O texto atende bem ao tema de vizinhos, já que se trata de uma narrativa permeada basicamente somente entre vizinhos.
    Carece um pouco de revisão, mas nada muito absurdo. Eu tomaria também mais cuidado no futuro com os diálogos. Para mim é extremamente difícil escrever e criar diálogos com muitos personagens e escrever de maneira pouco trincada, tenho a dificuldade de criar diálogos que pareçam fluídos e verossímeis, e vejo um pouco dessa dificuldade aqui também. Uma boa dica é sempre ler em voz alta para perceber se há veracidade naquelas palavras entre dois personagens. Você acha que ouviria um diálogo assim, com essas palavras e com essas construções no lugar que você quer descrever? É um exercício muito interessante de se fazer se tratando de diálogos.

    Parabéns pelo texto e boa sorte!

  14. Olá, Bahuan! Contos só de diálogos são interessantes como exercício. Acho que você podia praticar colocar menos interferências do narrador para alguns momentos em que ele não se faz necessário, como ” — disse Caio”, “— respondeu Guto” e colocar isso no próprio diálogo, pra criar mais fluidez.
    Atenção aos tempos verbais: vc usou pretérito perfeito e imperfeito no narrador. Tem q manter um, eu manteria o perfeito.
    A interjeição “menino” não me convenceu para um irmão falando com o outro.
    “— O Clone? Essa que vocês estão falando?…
    — Essa mesma.” seria o correto. Por mais que os personagens possam falar errado, não me parece q foi o caso.
    “Ninguém notará a diferença” não convence em diálogo informal. “Ninguém vai notar”.
    “Vamo logo com isso, já que não teremos ideia melhor”: aqui, na mesma frase há algo bem informal (“Vamo”) com uma embocadura bem formal logo a seguir (“já que não teremos ideia melhor”)
    Gertrudes sabia que O Clone era uma novela da Globo (ela falou filme)
    Três horas pra depilar uma barriga me pareceu muito. Se ainda fosse o Toni Ramos…
    A parte em que Montanha entra na conversa tá estranha, parece erro, e tira o leitor do conto (— E você? Não participou?
    — Participou sim, ela tava lá segurando o cone na cabeça — Montanha ouviu a conversa e se aproximou.)
    O final me pareceu inverossímil a Dona Gertrudes participar de concurso de contos.

  15. Bahuan, tudo bem?

    Eu amo novelas, mas não andava assistindo às últimas. Devo ter perdido muita referência, né? Sorte que a Regina deu uma ajudada.

    Sobre a ideia de fazer uma paródia de O Clone, me lembra bastante as novelas do Casseta e Planeta, a versão deles era “O Sili-Clone”, de “Caminho das índias” era “Com a minha nas Índias”. Acho que, talvez, a ideia fosse fazer assim, uma caricaturização da telenovela, brincando com o gênero em que os detalhes são sem importância e a verossimilhança cede espaço qualquer coisa que dê ibope.

    Aí, andei pensando, será que é a mesma pessoa que escrever o conto do programa de TV no qual Capitu e Bovary se encontraram? Suspeito, hein!

    Acho que a proposta de misturar os gêneros funcionou parcialmente, já que o humor aqui precisaria, na minha opinião, de ser encenado, precisaríamos visualizar o montanha dançando em volta do cone, precisamos dos trejeitos cômicos e caretas que atores de comédia conseguiriam imprimir.

    Quanto às gírias, eu as achei meio anos 2000-2010. Será que os jovens já não enterraram gírias como “sacar”, “tá ligado”, etc?

    No mais, parabéns! Telenovela é uma paixão nacional do qual tenho orgulho em assistir e ser chamado de brega. Sua história tem bastante potencial, mas acho que mais para uma esquete.

  16. ANTONIO STEGUES BATISTA

    A narrativa é cheia de gírias, como convém a um diálogo entre jovens da periferia.
    A escrita é razoável, o enredo é simples. Achei um humor fraquinho.
    É uma história tragicômica, bem escrita, onde jovens sonhadores, tentam plagiar uma novela.
    Só para agradar o autor, e enganá-lo, não vou dizer que adorei a história.
    Não há muito o que falar de Arte Literária.

  17. Regina Ruth Rincon Caires

    Acredito que este texto tenha sido elaborado por alguém que tem profunda ligação com novelas e séries brasileiras. Ou muito me engano…

    A história foi ambientada num bairro (rua) em que os vizinhos também são apaixonados por TV (até a Globo entra no imbróglio). E o enredo se desenvolve em torno da tentativa de se fazer a nova versão (remake) da novela “O Clone”, que agora seria um filme.

    Desta maneira, começa (na minha cabeça) a miscelânea de nomes dos personagens do conto com os de personagens de novelas:
    Caio e Guto, irmãos: qualquer coisa com “A Força do Querer”?
    Gertrudes, a mãe: qualquer coisa com “Sexo Frágil”, papel de Lúcio Mauro Filho?
    Sílvia, a fofoqueira: cheguei a pensar em “Duas Caras”, mas não encaixa.
    Montanha da oficina: fiquei entre o personagem de Toni Garrido, em “Totalmente Demais”, e o personagem do marombeiro feito por Bussunda no “Casseta & Planeta”.
    Lurdes, a vizinha: alguma coisa com “Amor de Mãe”?
    E o pseudônimo “BAHUAN”, tudo a ver com “Caminho das Índias”, não é?

    Enfim, o texto proporciona uma leitura deliciosa, descompromissada, alegre. O autor utiliza a linguagem coloquial/popular. É a linguagem de uma conversa entre vizinhos, sem qualquer formalidade, sem lapidação, sem revisão e totalmente compreensível. Esse modo de “falar” aproxima, e muito, o leitor do enredo. Pelo menos no meu caso.

    Parabéns, Bahuan!

    Boa sorte no desafio!

    Abração…

  18. Um conto basicamente em forma de diálogo.
    São dois personagens em diálogo. Os dois falam “Ok”, o que já causa um estranhamento ao leitor.
    A gíria ‘trem’ é usada pelos rapazes e também pela personagem Gertrudes. Outro estranhamento.
    Surgem muitos personagens, não desenvolvidos… Martininha, Montanha, Silvia, Henrique.
    Numa passagem, diz:
    — E você? Não participou?
    — Participou sim, ela tava lá segurando o cone na cabeça. [Aqui a resposta não seria, ‘participei, sim’?]
    No final do conto, os dois personagens iniciais desaparecem. Nesse sentido, com alguns ajustes, a história poderia ser narrada a partir do momento em que Gertrudes chama a vizinha Lurdes para contar a ‘fofoca’.
    Legal pensar que, no conto, não pode sobrar nada. 😉
    Valeu a leitura.

    1. Regina Ruth Rincon Caires

      Mauro, quanto ao “participou”, observe que o personagem Montanha é quem responde. Ele chegou e ouviu parte da conversa. Espero ter ajudado.

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