
O meu pesadelo começou a se manifestar em uma manhã aparentemente normal. Estava em casa aproveitando minha vida pacata de aposentado. Minha filha viria me visitar. Passei o café e desci para comprar pão. Não sei quanto tempo eu andei, mas cheguei em uma esquina em que nunca havia chegado. Não sabia que caminho fizera e como voltar. Bateu o desespero. Não sei quantas horas fiquei parado ali, mas lembro de minha filha me encontrando, preocupada. Disse que encontrou a água do café fervendo no fogo. Passei o resto daquele dia confuso.
A segunda vez foi em uma ida ao supermercado. Afastei-me de minha filha para ir pegar uma caixa de leite. De repente, aqueles corredores e prateleiras se fecharam sobre mim, formando um labirinto bizarro. Vaguei por um bom tempo tentando achar o caminho de volta. De novo, o olhar de minha filha preocupada me salvou. A confusão estava piorando, mas ainda era só o começo.
Passei a não sair sozinho de casa depois disso. O marasmo fez crescer dentro de mim uma enorme apatia. Minhas plantas, que sempre cuidei com carinho, estavam completamente secas. Não tomava mais banho ou me arrumava. O próprio conceito de tempo se diluía, eu acordava no meio da noite, e dormia em horários estranhos. Meu único alento eram as visitas constantes de minha filha.
Até que um certo dia apareceu uma pessoa estranha. Dizia ser minha filha, mas eu não reconhecia o rosto. Outras pessoas desconhecidas também apareciam se passando por parentes. Não sei se era um plano para pegar meu dinheiro ou algo do tipo. Essa pessoa que era minha suposta filha passou a cuidar de mim, já que estava cada vez mais difícil fazer as coisas sozinho. Mas ela me maltratava. Me deixava sem comer, e quando eu reclamava, dizia que eu já tinha comido e me esqueci. Quando eu fazia uma pergunta, ela dizia que eu já havia perguntado aquilo várias vezes e me deixava sem resposta. Toda essa situação me irritava profundamente, e eu comecei a ter um comportamento agressivo.
Com o tempo, passei a ser acompanhando por uma entidade. Não conseguia desistir se era humana ou um fantasma. Se vestia toda de branco. Eu precisava dela para tudo, pois parecia que meu corpo já não obedecia mais aos meus comandos. Minhas pernas estavam fracas demais para andar sozinho, e minhas mãos trêmulas não seguravam mais nenhum objeto. Meu corpo e minha casa se converteram em uma prisão. Me desesperava com aquele estado terrível, e buscava uma desculpa para sair dali, mas só conseguia dizer que precisava pegar minha filha na escola ou ir para o trabalho. A entidade me respondia que nada disso existia mais, que era coisa do passado. Meu cárcere estava consumado.
O desespero foi me fazendo esquecer as palavras, substituindo-as com outras, tirando o sentido da minha fala. Tudo ficava cada vez mais surreal, não havia lógica ou continuidade. Era cada vez mais difícil me mexer, passava a maior parte do tempo deitado. Por fim, a fala também foi sumindo. Não podia mais expressar meu desconforto com a situação em que me encontrava. Apenas balbuciava algumas palavras soltas e sem sentido.
Agora, encontro-me em completo desalento. Não consigo mais me mexer. Não saio mais da cama. As palavras soltas se converteram em gemidos grotescos de agonia. Figuras disformes e irreconhecíveis me visitam, além da presença constante da entidade de branco. Passo a maior parte do tempo dormindo, sonhando com vagas lembranças de um passado que vão se esvaindo cada vez mais. É difícil mesmo distinguir os sonhos do estar acordado, tudo é surreal, nada é sólido. Não sei mais quem sou. Não sei mais o que é o tempo. Que a morte seja breve para me livrar deste sofrimento.
Tema: Terror psicológico
Olá, Seu Aristides!
De um modo geral, eu gostei do texto. Acredito que pelo fato de a história ter sido narrada em primeira pessoa, alguns trechos ficaram confusos, mas a escrita não apresenta desvios que comprometam a leitura, apenas algumas cenas que precisei reler para poder entender melhor a mensagem. Também achei algumas partes inverossímeis, principalmente nos últimos parágrafos. Não sei exatamente como o título pode se encaixar com o conto. Gostaria de ler outros textos seus, espero vê-lo nos próximos desafios.
Sucesso pra ti!
Boa sorte!
Um texto interessante sobre a demência que, embora narre o drama com um bom controle da narrativa e da escalada do drama, eu acredito que poderia ter ficado melhor se fosse narrado em 3ª pessoa. Não porque a narração em 1ª não funciona, mas acredito que se perde o impacto porque é em um estado lúcido que o autor faz sua narração, fora de si, afetando um pouco a verossimilhança de sua situação. Assim, ele parece preso em si mesmo, mas ainda ele mesmo, o que me parece fugir um pouco do que ocorre ao indivíduo nessa situação.
Olá, Seu Aristides! Não sei se o narrador teria consciência sobre a própria agressividade. Onde se lê “desistir” imagino que seja “definir”. Sobre o tema, o alzheimer parece ser a própria definição do terror psicológico, e vc fez um link interessante, e trouxe até uma ponta de humor, com a “entidade de branco”. Não entendi o “Tau” do título. Que eu saiba, trata-se da letra grega, q é símbolo franciscano. Mas não encontrei nenhuma relação com o texto. Acho que o final poderia conter algum tipo de ironia, pra fechar com algo diferente. Mas às vezes só resta a morte msm.
Tenho dificuldade de expressar como esse conto meche com o leitor. É provável que todo mundo se separe com pelo menos uma pessoa nesse estado durante a vida e imaginar como o outro se sente ganhou uma nova camada graças a sua descrição. É aterrorizante e nós deixa em conflito, misturando culpa com uma justificativa de dever, principalmente quando se trata de família. Minha avó tem demência e sempre esquece quem sou, ler esse conto me fez sentir culpa de talvez não estar presente o suficiente para ser lembrada por mais tempo.
O terror transpõe a narrativa e alcança que lê. Fenomenal!
O conto narra a história de um homem idoso que vai perdendo a batalha da vida para uma transtorno neurodegenerativo, provavelmente, Alzheimer. A trama é simples e segue linear até o fim. A narrativa é boa, só acho que a primeira pessoa não funcionou bem, já que o narrador é a pessoa que está perdendo a cognição, deixando a narrativa inverossímil. O melhor foi a ligação da doença ao tema terror psicológico, foi uma ótima sacada. Boa sorte no desafio.
Olá, Seu Aristides! Tudo bem?
Esse conto é diferente do que eu esperava de um terror psicológico, mas essa quebra de espectativa por um lado foi muito boa e por outro, a culpa das minhas espectativas não é sua, não é? Quem não fica apavorado pensando que pode sofrer dessa doença um dia?
Eu cuidei de minha tia avó no final da vida dela e mesmo que o caso dela fosse senilidade mesmo, e que ela não chegou ao extremo do seu personagem, conseguiu identificar muito da rotina dela.
O conto é muito sensível, parece que o autor conhece de perto essa doença. Só uma dica… Talvez o conto funcionasse melhor sob a perspectiva da filha.
Parabéns pelo conto!
Boa sorte no desafio e até mais!
Olá, Aristides. O seu conto tocou-me profundamente, porque perdi o meu pai em dezembro, num estado de demência profunda. Não deu tempo para diagnosticar Alzheimer, mas os sintomas eram evidentes, bem como os antecedentes familiares (o meu avô e a minha tia). Por isso mesmo, o seu relato tocou-me e fez-me recuar no tempo. Este tipo de doenças são especialmente malignas. Enquanto outras patologias nos limitam de alguma forma, a demência tira-nos aquilo que é mais importante: a nossa identidade. Dito isto, devo adiantar que encontrei alguma incoerência na estrutura do conto. O narrador na primeira pessoa é uma armadilha na qual o autor facilmente cai. É sedutor narrarmos o que nos vai na alma, mas a coerência do relato tem de ser uma constante. No meu caso, já me apontaram recentemente essa falha, num conto em que o narrador morre. A pergunta do comentador desarmou-me: se o narrador morre, quem conta a história? No seu caso, Aristides, como é que ele se lembra dos primeiros casos se no final do conto já não se lembra de coisa nenhuma? Quem conta a história? Fora isto, nada a apontar.
Jorge, meus profundos sentimentos. Acho que perder os pais deve ser uma das piores experiências que podemos passar enquanto humanos, ainda mais os vendo sofrer. Quanto à essa incoerência, respondendo a você e a outros que se incomodaram, ela foi proposital. Achei que seria de bom gosto que se precisasse de uma dose de suspensão de descrença para entrar no “espírito” do conto. Não dava pra passar o terror psicológico sem ser em primeira pessoa (sou um principiante em matéria de terror, devo admitir). Se parar pra pensar que o romance mais icônico da literatura brasileira é narrado por um defunto autor, que que tem um demente autor?
Ei, seu Aristides, observo que você me traz uma história de “terror psicológico”, mas ao meu modo de ver, observando sua narrativa, eu sinto que preciso tirar o “terror” dela. Você retrata (e faz isto muito bem!) o mergulho tão triste (e sem volta) nas profundezas do Alzheimer. Bem, uma narrativa rica e profunda, mas não reparei o terror presente nela. Pode ser esquisitice de leitor chato. Não gosto de ler os comentários antes de comentar. Então, não sei o que disseram da sua história e se disseram coisas bem diferentes, releve, tá? Fiquei intrigado com o título, o Tau, letra grega, do título. Alguns pontos de atenção para você. O primeiro diz respeito ao uso dos pronomes pessoais. Você os usa eu diria que um tanto excessivamente. Tem um parágrafo que contei 5 “eu”. Repare que alguns deles não fazem diferença no que você quis me dizer como leitor. Tem um desistir no texto que me confundiu. Achei que queria dizer decidir. Acho que foi problema de corretor. Tem uma concordância verbal ruim em “passado que vão se esvair”. Bem, Aristides, te desejo sucesso no desafio e te deixo o meu abraço amigo. amigo.
Oi Seu Aristides!
Tudo bem?
Gostei bastante do conto! Muito bem escrito e construído. Tenho muitas pessoas na minha família que sofrem ou sofreram do mal e sempre me questionei como se sentiriam. Tenho de admitir que nunca me coloquei em seus lugares e procurei ser mais compreensível, perdendo muitas vezes a paciência por ter que responder muitas vezes a mesma pergunta. É de se refletir sem dúvida nenhuma.
O título foi genial, muito bom mesmo! Não encontrei nenhum tipo de erro gramatical ou nada na questão estilística que tenha me perturbado muito.
No entanto, concordo com alguns dos comentários aqui colocados quando falaram que o texto se distancia um pouco do tema, ainda que pode-se dizer que se enquadra.
Parabéns pelo texto e boa sorte!
Buenas, Aristides.
Devo admitir que este conto me incomodou de diversas maneiras.
Primeiro: a ideia de retratar a Síndrome de Alzheimer no aspecto do Terror Psicológico foi extremamente interessante. Porém, acredito que a execução o distanciou do terror, dando um ar mais dramático do que aterrorizante. O problema está na narrativa, que entrega, logo no primeiro parágrafo, qual o problema do idoso. Se tivesse colocado um véu de mistério sobre a trama…
Segundo: a estrutura narrativa acaba por desacreditar o narrador, pois, se ele tem Alzheimer e está de cama, como lembra do que aconteceu antes? Se a estrutura fosse por capítulos com narrador no presente ou em formato de diário, esse problema seria contornado com facilidade.
Terceiro: por causa do problema do narrador ser exposto logo no início, a abordagem do tema perde um pouco de força. Honestamente, acabei lendo como se fosse um conto de drama. No final, quando descobri o tema, acabei relendo o texto e, mesmo assim, faltam elementos do Terror Psicológico. Não existe a criação de uma tensão constante ou crescente. A vulnerabilidade do narrador não é explorada de forma sombria.
A escrita é boa, deu pra aproveitá-la, mas, sabendo que a tentativa foi abordar o Alzheimer num aspecto de Terror Psicológico, acabei ficando frustrado. A ideia é excelente! Construído duma forma eficaz, poderia ser um dos destaques do desafio.
Enfim…
Parabéns pelo texto e participação! Vamos que vamos.
Oi Seu Aristides,
O seu conto me emocionou bastante por ter me lembrado a minha avó materna. Ela teve alzheimer e foi bastante difícil para mim (e para toda a família) lidar com a situação.
Acompanhar o sofrimento do personagem trouxe um sentimento estarrecedor, que me tocou no fundo da alma.
Sucesso com o seu conto!
Oi, Tau,
Primeiramente parabéns, gostei do conto. Já trabalhei como cuidador de idoso e é bem assim. Tem horas que irrita, tem horas que a gente sofre com eles, dá penas e há momentos que a gente ri com eles. A parte da alimentação me pegou muito pq me lembro bem de inventar um monte de recurso para ele se lembrar que comeu.
Aproveitamento do tema:
Acho que atendeu o desafio. Mas fiquei me pensando o quanto foi preciso contornar o texto para adequá-lo ao tema, para deixá-lo mais com o nosso estilo.
Colocar o Alzheimer como terror psicológico me pareceu uma estratégia complicada e até problemática. Seria interessante se se tivesse permitido entrar na subversão impactante do terror, do suspense… Deixe, em outra oportunidade, as veias da imaginação jorrar sangue.
Enredo:
Ah, o enredo eu amei. Tudo delicado, esses familiares que vão se tornando desconhecidos, o caminho da esquina pra casa que se transforma em labirinto, o próprio corpo vai se tornando estranho, não conhecemos mais nossa biologia, nossas vontades e viramos perigosos para nós mesmos.
Escrita:
Gostei. Soube tratar tudo com sensibilidade, sem cair nos estereótipos. Alguém levantou o problema do narrador, outro alguém explicou como ele seria possível. Não atrapalha o texto para mim.
Bem revisado. É uma escrita poética, bonita, delicada. O que, em geral, é positivo, mas o tema permitia algo mais chocante.
Impacto:
Muito positivo. Tudo bonito, delicado.
Durante a leitura minuciosa deste conto, a narrativa vai tomando a forma de polvo que, a cada parágrafo vai encurralando o leitor com seus tentáculos. E da mesma maneira que encurrala, vai apertando, sufocando até o ponto de deixar o leitor sem ar. Talvez pela crueza deste mal que é tão presente em nossos dias, é um texto que traz desconforto. Mas é um texto muito sensorial, bem escrito, e, sem qualquer dúvida, provoca terror psicológico.
Discordo de afirmações que negam a verossimilhança. Acabei de ler um conto, uma criação, uma narrativa nascida da imaginação a partir de um fato. O texto literário não é texto científico, não segue o modelo de bula de medicamento, não é texto utilitário. Traz uma linguagem pessoal, envolta em emoção. Quem pode afirmar que a consciência “morre” em pacientes com Alzheimer? Quem pode garantir que o doente não vive esse drama conforme descrito aqui? O que se passa na mente de quem perde a capacidade de falar, de movimentar até mesmo os olhos? Alma só existe com as sinapses perfeitas entre uma terminação nervosa e outros neurônios? Isso é definitivo? Incontestável?
Sofrido é o trecho em que o personagem/narrador conta sobre o “maltrato da filha” ao lhe deixar sem comer. Essa confusão mental que ocorre em vários momentos na rotina do paciente, onde existe incapacidade para distinguir até mesmo a saciedade, deve trazer muito sofrimento moral.
Deixando a colocação pronominal de lado, a troca do verbo distinguir/desistir, tudo que pode ser sanado com uma revisão mais cuidadosa (isso cabe ao autor decidir), confesso que terminada a leitura, fiz uma pausa. Narrativa densa.
Quanto ao título, pesquisei:
1. “A proteína TAU é de importância central na doença de Alzheimer e em metade de todas as demências frontotemporais. Novas pesquisas revelaram como a proteína TAU, um dos elementos envolvido no risco de doença de Alzheimer, também está envolvida nos processos normais de aprendizado no cérebro saudável.”
2. “TAU é selo de Deus; significa estar sob o domínio do Senhor, é a garantia de ser reconhecido por Ele e ter a sua proteção.”
Parabéns, Seu Aristides!
Boa sorte no desafio!
Abração…
O conto tem um drama progressivo, prende o leitor, sensibiliza.
Identifica-se já no primeiro parágrafo que se trata dos efeitos do Alzheimer.
Não entendi o título: Tau.
No livro ‘Euclausurado’, de Ian McEwan, o narrador é um feto. Nesse conto, o narrador é alguém com Alzheimer. Achei ótimo !
Um errinho na frase: “Não conseguia desistir se era humana ou um fantasma”. No lugar de ‘desistir’, seria ‘definir’, não é?
A palavra ‘surreal’ aparece duas vezes. Por ser um termo marcante, eliminaria uma delas.
Parabéns !
Tau remete à proteína tau, encontrada nos neurônios do cérebro e que tem uma participação importante na progressão da doença de Alzheimer. Também Pode associar à cruz em formato de tau, usada como instrumento de tortura e execução pelos romanos, simbolizando o sofrimento, o calvário do protagonista
A narrativa descreve uma pessoa com Alzheimer em primeira pessoa, o que se torna inverossímil. Uma descrição detalhada vista pelo paciente, embora na realidade, o paciente não tenha esse discernimento na fase mais aguda. Em ficção tudo vale, ou quase tudo. TAU é uma letra grega, tem alguns significados inclusive voltado ao Divino. De certa forma, a pessoa com Alzheimer, se transforma numa criança ingênua, que não sabe o que faz e não tem mais a capacidade do raciocínio lógico, é desprovido de malícia, é ingênua e pura, logo, tem uma ligação com Tau, a Esfera Superior.
Olá, Seu Aristides, tudo bem?
O tema proposto foi abordado com sucesso, pelo menos a mim impôs terror psicológico. Que angústia ler o relato de uma vítima do Mal de Alzheimer. Quanto à crítica do colega Anderson, discordo, pois não se sabe com certeza, com dados científicos, o que se passa na mente de um desmemoriado… podem ter ocorrido momentos de lucidez e que foram registrados… ah, Anderson, deixa a imaginação fluir, por favor.
O conto no geral está bem escrito, apesar de alguns pronomes oblíquos no começo das frases me incomodarem um pouco, mas entendeu que se optou pela naturalidade da fala na narrativa.
mas lembro de minha filha me encontrando, > mas me lembro de minha filha
Não conseguia desistir se era humana ou um fantasma > Não consegui decidir
Enfim, é isso. Sofri com a leitura, mas achei comovente… e angustiante… e um terror!
Parabéns pela participação no desafio e boa sorte!
Oi Seu Aristides.
A premissa de sua história é muito boa e atende bem ao tema proposto.
Acompanhar o relato é angustiante e é possível sentir a desorientação do personagem narrador. Porém, um pitaco: acho que se a narrativa se passasse no presente, a sensação seria mais intensa. No presente e em primeira pessoa, o leitor acompanharia o desenrolar das situações mais de perto, na pele do personagem.
Boa sorte no desafio.
Kelly
O conto possui um erro grave de construção que conduz a uma inverossimilhança terrível: é narrado em primeira pessoa no tempo passado, ou seja, o narrador se vale de suas memórias para nos trazer seu relato; ocorre que, do enredo, exsuge que o narrador-protagonista é um imemoriado, uma vítima de Alzheimer. Como pode uma vítima de Alzheimer, um imemoriado, uma pessoa em estado de mais absoluta confusão mental narrar em primeira pessoa com tanta lucidez, com tanta ordenação, com tanta memória, com tanta clareza? A tentativa de aproveitamento do tema foi boa, mas o texto deveria ter sido apresentado na terceira pessoa. Quanto ao mais, sugiro ao autor ser mais econômico no uso de pronomes: releia o texto suprimindo os pronomes ou fazendo pequenas substituições (especialmente por artigos): se não houver alteração de sentido, extirpe os pronomes (eu, meu, minha etc.).