
Todo mundo me quer. Sim, todo mundo, desde o berço. Você também me quer, mesmo que às vezes negue. É normal, humano até.
Eu também quis, de verdade. Entreguei-me sem pensar, descartando as redes de proteção, desmentindo avisos prudentes. Eu quis, eu quero ainda. Quero pertencer a este homem, ser parte dele, dividir sangue, sonhos e a própria vida. Tenho ambições que me afligem.
Por que ele? Questão de compatibilidade. Muitos me queriam, mas eu não os pude aceitar. Tantos abraços negados, dias prolongados em esperanças vãs. Por que ele então? Porque tinha de ser, assim, de peito aberto. Não, não foi questão de dinheiro. Ele não poderia me comprar, mesmo que quisesse. Ele não quis. Eu que brigo por isso. Bato de forma compulsiva, impaciente diante do momento da estreia.
Sei o que falaram da nossa relação. Tudo bobagem, conversa de gente ignorante. É porque ele tem dinheiro, é famoso, disseram. Quando a sorte favorece o outro, ninguém aceita. Ainda mais se esse outro é já abençoado por tantas circunstâncias. Não sei. Talvez nem passe muito tempo com ele. Vou vivendo cada dia, aceitando as agruras do cotidiano.
Ele pode até me rejeitar, mesmo tendo dito que rezou por mim. Rezou, pediu, implorou. Ele, a família, os fãs. E eu lá batendo no peito do outro. Sem saber o que me esperava naquela via, destino de mão dupla e derrapante. Sobrevivi. O rapaz não. Morte cerebral anunciada, logo me arrancaram … ou será que não foi tão rápido assim?
Não julgue o que desconhece. Estou aqui, mantido em silêncio, no frio… Estou cool, mas não me sinto tão legal assim. Lá fora há um ruído de vozes, metais, tecidos rasgados… ou cortados? É quase um ritual mantido em segredo, algo sagrado.
Anunciam o grande momento, a transposição tão aguardada. Preparam o meu altar, limpam o que já não vibra ali. Precisam ser rápidos e precisos. Um erro e tudo se esvai. E, num piscar de olhos, me torno inútil, me invalidam.
Entre os presentes, alguns convidados, outros curiosos, uma mulher alta, de touca, máscara e luvas, pede silêncio absoluto. A tensão é como tecido puxado, tramas esticadas ao máximo. Risco de esgarçamento. Temo engasgar.
É como se esperassem uma resposta. A minha resposta. Aceita Fulano?
Aceito. Mãos enluvadas me pegam com cuidado, com quase amor. E eu cedo, me deixo acomodar na maciez sangrenta, permito que me costurem, me atem a veias, artérias, cabos de vida.
Eu estou. Eu sou.
— Bate, coração.
Bato.
Tema: Cirurgia cardíaca
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O conta a história de uma cirurgia cardíaca, contado pelo próprio órgão. O enredo é muito bom e bem criativo, A condução é bem feita, Achei que se tratasse de alguém narcisista ou esquizofrênico. A narrativa é muito boa, experiente. O tema foi executado com sucesso. Boa sorte no desafio.
Gostei demais do conto! Lembrou o desafio anterior e ele certamente teria brilhado lá como aqui. O narrador tem personalidade, mesmo inanimado, o tema brilha e é fundamental para a história. Facilmente leria um livro de “anatomia” narrado por partes do corpo, juntando esse e Larissinha.
Olá, Bombadão!
Eu gostei do conto. Foi muito bem pensado, bastante criativo desde o título, o pseudônimo até o desfecho da história. Você consegue prender o leitor para tentar entender o está acontecendo. Embora o tema fosse difícil, você conseguiu executar com precisão cirúrgica. Parabéns!
Sucesso pra ti!
Boa sorte!
Este é um daqueles que a confusão não perde o leitor porque o interessa e angustia, resultado de uma escrita hábil. Com a revelação final do que se trata, além de coroar o texto com um desfecho pertinente e surpreendente, adequa-se perfeitamente ao tema. Conto bem executado.
Olá, Bombadão! O tratamento do tema foi feito de maneira criativa, criando uma surpresa interessante ao leitor que, a princípio, julgaria se tratar de uma relação “amoroso-cafajéstica”. O ritmo é bem posto. Minha única sugestão: fiquei pensando que talvez fosse interessante tentar reproduzir, no texto, a cadência cardíaca, e se possível com alternâncias, quando ele se torna mais tenso. Ficaria ainda mais interessante.
Olá,
Um conto muito bem escrito. A escrita tem estilo e personalidade e a omissão da identidade do narrador funcionou muito bem. Não tenho defeitos a comentar.
Boa sorte!
olá, Bombadão. Cá estou eu surpreso com a sua história. Tanta inventividade. Botar a “máquina”, o coração como protagonista da história. Parabéns, achei o protagonista – pelo menos até agora – mais criativo do desafio. Tudo muito bem escrito, você sabe ir contando a história me envolvendo… Um conto que aproveitou a doação e transplante do coração do apresentador famoso. O que mais dizer? Boa sorte no desafio. Fica com o meu abraço.
Buenas, Bombadão.
Conto bem escrito, em formato de monólogo, onde o coração descreve suas emoções em relação ao transplante que está pra acontecer. Não vou mentir: não me encantou. Foi uma leitura boa, sim, porque você escreve muito bem, mas faltou algo pra me fisgar. Agora, o que é, não sei. O texto realmente está redondinho, cabe perfeitamente no tema, etc.
E devo concordar com a Pri: tem cara de ser um conto reaproveitado. Isso não é problema, claro, quem nunca fez isso?
Parabéns pelo texto. Vamos que vamos!
Nem mesmo alguém cheio de amor como eu, que se entrega a um peito aberto sem ressalvas, pode agradar a todos. Alguns me rejeitam. Não posso fazer nada quanto a isso. Bato quando querem, morro se não me enchem de vida. Assim sou e pronto. Para você, morri, eu sei, mas outros peitos me acolherão. Só para deixar claro, como expus para a D. Priscila, não sou produto reaproveitado, sou uma doação de amor. Não fui feito para outros desafios, somente para este feito. Sigamos em paz, rapaz.
Olá, Bombadão! Tudo bem?
Que conto maneiro! Bem cool mesmo. Tá na cara que você escreveu esse conto pro desafio passado (ou pensou em escrever) e por isso escolheu esse tema tão diferente… Gostei bastante! O coração narrador ficou bem intenso, bem sentimental, mas não deixou a razão de lado. Está muito bem escrito e casa frase parece que foi muito bem pensada. Ótima lapidação do texto! Parabéns!
Boa sorte no desafio e até mais!
Sim, sou intenso, bato e morro por amor. Também me magoo quando dizem que sou apenas um órgão reaproveitado. Não, Dona Priscila, a minha história não é criação de um oportunista, eu nasci assim como sou para este desafio. Gostamos de reciclagem? Sim! Mas neste caso, eu fui feito especialmente para este momento de glória, mesmo que as más línguas digam o contrário. Abraço.
Olá. Achei interessante o seu texto. Com ritmo mas contido, sem abrir o jogo até ao desfecho. O coração como narrador é um conceito criativo. Personificar um órgão, isolando as complexidades do procedimento que está a decorrer. Texto simples e impactante, como que a provar que um bom texto não precisa estar escondido por debaixo de uma camada de linguagem erudita. Aqui o que está em causa é o sentimento. Aquilo que, afinal, é a especialidade do coração, segundo dizem.
Entendeste a causa da minha existência, Sr. Jorge, e reconheceste minha especialidade. Gostei imenso disso!
Oi, Bombadão, tudo bem?
O tema proposto foi abordado com sucesso.
O título e o pseudônimo me fizeram pensar em algo completamente diferente como foco da narrativa. Fui surpreendida, mas de forma até agradável. Parabéns pela criatividade.
Não encontrei falhas de revisão, mas algo pode escapado aos meus olhos cansados de ler tantos contos.
Não sei se excluiria o uso de cool ou se o substituiria por outro termo. Entendi a intenção, mas talvez aí a gíria em inglês tenha ficado deslocada.
Parabéns pela participação no desafio e boa sorte no desafio!
Como anda o seu coração, Sra. Angst? Surpresas podem ser traiçoeiras. Cuide-se!
Oi Bombadão,
Parabéns, o texto está bem escrito.
Adorei a ideia do personagem ser um coração que está sendo transplantado em outro corpo! Maravilhoso!
Sucesso com o seu conto!
Olá Bombadão!
Tudo bem?
Gostei muito do conto! O tema foi extremamente bem explorado e colocado de uma maneira muito original.
O conto foi bem escrito e não encontrei nenhum tipo de erros gramaticais.
O fato de ser um coração descrevendo tudo o que acontece durante um transplante de coração traz uma originalidade enorme ao texto da mesma maneira com que deixa tudo muito mais interessante, mas, ainda assim, ao mesmo tempo, muito verossívil.
Parabéns pelo texto e boa sorte!
Oi Bombadão.
Que tema difícil e que saída criativa.
O coração está mudando de corpo, de dono e o que ele sente?
Ao contrário de alguns colegas, não vejo problema nenhum com o “cool”, acho que combinou e funcionou bem.
Um conto bem escrito e interessante.
Não sei se ganhou meu coração, mas gostei muito.
Kelly
Difícil mesmo é a vida e a sua manutenção, Sra. Hatanaka. O resto é questão de encarar com o peito aberto, coluna ereta e um sorriso smpre que possível.
Bombadão,
“Porque tinha de ser, assim, de peito aberto”, uau, que lindo!
Está tudo tão lindo e perfeito, queria que mais pessoas pudesse ler. Arrasou em tudo. Na minha humilde opinião ate o cool está bem posto (eu ia fazer piada que fiquei tão surpreso que o texto me fez “cair o cool da bunda”, mas deixa pra lá). O Antonio disse que cool na frase “Estou cool, mas não me sinto tão legal assim” poderia ser trocado por “resfriado”, mas discordo. Cool tem também o sentido de descolado.
Parabéns!
Exato, meu caro Rangel. A ideia era expressar que sou um sujeito descolado, agradável de lidar. Resfriado? Isso é coisa lá dos colegas de outras áreas. Grato pela leitura e apreciação das minhas peripécias.
O conto atende bem ao tema, cirurgia cardíaca, e tem, justamente,
um dos órgãos do corpo humano como narrador da história, durante um transplante.
O personagem dentro do personagem, e ele interage com um terceiro, o cirurgião, imprescindível na junção dos dois.
Texto bem escrito, com frases coerentes, curtas, diretas e uma boa e criativa ideia de enredo.
Deveria ter escrito “resfriado” em vez de cool, que ficou estranho no contexto desconexo do texto.
Emocionante! Um coração, personagem/narrador, conta a o desenrolar da belíssima e inacreditável viagem de um transplante feita, desde o doador até o receptor.
Logicamente a narrativa nasceu e foi ambientada tendo como base o transplante do nosso querido Faustão.
Que criatividade, meu Deus! O pseudônimo é sensacional e ficou “redondinho”!
Neste texto, tudo é milimetricamente pensado. Cada palavra foi escolhida, estudada. É um “colocar” cada coisa no seu devido lugar. Acredito que todos leram críticas (principalmente nas redes sociais) sobre possível favorecimento ao receptor, que houve “fura-fila”, que o dinheiro fala alto, blá-blá-blá…
“Quando a sorte favorece o outro, ninguém aceita. Ainda mais se esse outro é já abençoado por tantas circunstâncias.”
Não há qualquer deslize a ser comentado, apenas o cuidado em colocar a palavra “cool” em itálico.
Parabéns, Bombadão! Seu texto é um chamado à reflexão, a julgamentos precipitados, à complexidade da cirurgia, à competência dos nossos profissionais envolvidos num transplante, à generosidade do doador e da família dele. Confesso que, por várias vezes, já passei tempo pensando sobre tudo isso.
Parabéns pelo lindo trabalho!
Boa sorte no desafio!
Abração…
Um conto bem escrito, bem pensado, revisado. Um conto para ser relido.
Tem elementos que ficam subentendidos, funcionou muito bem.
Não conhecemos o gênero/sexo da personagem que narra e esse aspecto me chamou atenção.
Somente evitaria o uso do termo ‘cool’, parece deslocado ali.
Na primeira linha o narrador se direciona ao leitor, ao destinatário: ‘Você também me quer’.
No terceiro parágrafo faz referência a um outro, terceira pessoa (ele).
Parabéns!