Doce sonho │ Ana Luisa M. Teixeira

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Todos os dias depois do almoço, Ellen permitia-se tirar uma pequena sesta.

Naquela terça-feira mal humorada não seria diferente.

Chegara há pouco da escola num estado quase catatônico de raiva. Sentia-se tomada por uma fúria abissal. Pensava se conseguiria dormir.

Os eventos dos dias anteriores haviam se tornados públicos para toda escola e ela mesma não poderia ter sido mais surpreendida com os desdobramentos catastróficos. No sábado a noite houvera uma festa na qual todos seus amigos estiveram presentes, bem como Max, o grande objeto de sua afeição.

Olhos verdes emoldurados lindamente por óculos imponentes, cachos dourados caindo pela fronte e laterais das orelhas eram somente alguns dos muitos atributos que compunham a perfeição daquele homem.

Na ocasião da festa, Ellen não sentia-se bem. Com o julgamento nublado pelo uso abusivo de entorpecentes chamou um táxi e correu à casa. Na hora nem se lembrava da existência de Max ou de seus amigos, só permitiu-se lembrar de seus desejos carnais na manhã seguinte, quando se levantou.

Pois bem. Acontece que durante sua ausência, Max viu-se seduzido por outra colega de classe. Não havia escapatória. Afinal de contas, aos 16 anos, quando uma oportunidade como aquela aparece, cintura definida, quadris largos, seios firmes e abundantes, seria a maior das burrices desperdiçá-la.

Quando Ellen soube naquela manhã de terça-feira o que havia acontecido no banheiro de uma das boates mais badaladas de São Paulo entre aqueles dois, seu sangue ferveu. A todo lugar que olhava só via em vermelho. E o seu maior desejo era degolar com as próprias mãos a cabeça da dita cuja.

Sem conversar com ninguém, deitou-se direto em sua cama, e levou o travesseiro ao rosto. Gritou, socou, mordeu o pobre artefato, até que, cansou-se e deixou-se levar pelos soníferos braços de Orfeu.

Não demorou muito para que entrasse em um sono atribulado, inquieto, cheio de sonhos vívidos.

Em uma de suas manifestações oníricas, caminhava firmemente em direção à uma longa escadaria. Ao chegar no topo desta deparou-se com um corredor cheio de quartos. Como se soubesse onde estava indo, entrou no segundo quarto à esquerda e encontrou o que procurava. Ou melhor, quem.

Sentada em frente à uma penteadeira, ela passava batom vermelho nos lábios de forma obscena. Fazia caras e bocas para o espelho, e a única coisa que Ellen conseguia pensar era como aqueles lábios há poucos haviam encontrado os lábios de Max. Ela não parecia ter medo por Ellen estar em seu quarto, mas se surpreendeu ao vê-la parada ali. Só teve medo e passou a gritar quando se viu presa sob o peso da invasora. Ellen a espancava com selvageria, arrancando tufos de seu cabelo e quebrando seus dentes com os nós dos próprios dedos. Só se levantou ao ver sua oponente finalmente desacordada no chão.

Com um isqueiro cor-de-rosa encontrado na penteadeira, ateou fogo nos cabelos da rival e, queimou um por um de seus dedos. Observou a cena brutal por alguns minutos satisfeita com o que via. Ao cabo daquela experiência catártica, pegou o batom vermelho e escreveu no espelho as palavras “aqui jaz uma vagabunda”.

Despertou do sonho com o coração aos pulos e se demorando a voltar à realidade. Passou as mãos sobre o edredom da cama e concluiu que acordara de um sonho. Seu primeiro pensamento foi de horror por que nunca imaginaria-se fazendo algo parecido, mas sentia-se de alguma maneira mais leve, como se a surra onírica havia lhe aliviado o ódio que outrora tinha aninhado em si.

Espreguiçou-se demoradamente e, com passos lentos dirigiu-se ao banheiro. Ao se olhar no espelho deparou-se com uma marca vermelha no rosto. Chegou mais perto para tentar analisar de maneira melhor. Parecia…batom? Estranho, pois não usara batom naquele dia. E não tinha nenhum daquela cor.

Já havia sido completamente tomada por um sentimento de inquietação quando colocou a mão no bolso da jaqueta. Ali jaziam dois objetos. O isqueiro cor-de-rosa e o batom vermelho.

Tema: Realismo fantástico

18 comentários em “Doce sonho │ Ana Luisa M. Teixeira”

  1. Olá, Condessa!

    É um bom conto, mas não consegui entender exatamente como você abordou o tema realismo fantástico, sinto que faltam alguns elementos. Eu sei, tema difícil, certeza que era o melhor entres as três opções? Ou preferiu arriscar? A escrita está razoável, precisa de revisão para evitar alguns desvios gramaticais que atrapalham a fluidez da leitura. Notei o uso de alguns coloquialismos que não se encaixam com a abordagem do texto com um todo, que aponta outros termos que fogem dessa informalidade. A história é simples, sem muito aprofundamento.

    Sucesso pra ti!

    Boa sorte!

  2. Anna Carolina Gomes Toledo

    Eu teria gostado mais da história em outros temas, a ideia de realismo fantástico pedia algo mais “fantástico”, mas independente disso, o meio par ao final realmente impressiona. As motivações são bobas, mas como um delírio adolescente, funciona bem. O início ganha um destaque meio desnecessário, não dá camadas a protagonista, nem cria uma atmosfera própria para o tema. Num ordem menos linear, com o sonho intercalando de memórias, talvez a história se manteria interessante do começo ao fim, mas isso é invencionisse minha e não levarei em conta ao avaliar. Espero que esses contextos mais fantásticos ganhem espaço por aqui sem necessariamente serem decorrentes do tema.

  3. jowilton amaral da costa

    O conto narra a história de Ellen, uma adolescente que apaixonada por Max, que fica enfurecida ao saber que ele se atracou com outra menina numa balada. O enredo é bom e tem uma boa reviravolta. O sonho parece que foi real. Mas, aqui tem probleminha, que é quanto a adequação do tema, eu acho que um sonho ser real, não se encaixa ao realismo fantástico. As personagens e a narrativa achei regulares. Boa sorte no desafio.

  4. O sonho se torna realidade e, assim, um pesadelo. A nuance fantástica em uma história real se conforma ao tema, mas, como conto, achei que o texto foi escrito de forma truncada, com escolhas estranhas para as palavras, que tiram um pouco da graça da leitura, e motivações as quais, mesmo demasiadamente explicadas (ao ponto de perder a organicidade), ainda parecem vazias para o grau de violência que é apresentado depois. Assim, é um texto que, curto como é, ainda cansa.

  5. Olá, Lolita! No início do conto há uma pequena contradição. Vc diz q a personagem fazia siesta todos os dias e q naquela terça não seria diferente. Mas se ela chega irada, pensando se conseguiria dormir, isso contradiz um pouco o fato de “naquela terça não seria diferente. Não entendi muito bem o efeito que se pretendeu em parágrafos diferentes frase que poderiam ficar no mesmo. Faltou crase em “sábado à noite”. Acho que, em se tratando de uma narrativa de adolescentes, um tom mais adequado a esse público seria mais interessante. Vale dar uma resida nos advérbios, que estão abundantemente no seu texto 🙂 E achei meio over uma adolescente querer degolar uma outra por mero ciúmes. Sobre o tema, acho que pendeu muto mais para um terror psicológico que para realismo fantástico. Vale dar uma googlada em realismo mágico para compreender melhor do que se trata.

  6. Olá, Lolita! Tudo bem?
    Eu sempre vejo o tema antes de começar a ler o conto, então já comecei empolgada pq amo fantasia e afins… E fiquei com receio que você não entregasse o tema, pq ele apareceu tão no final e tão de leve que fiquei meio decepcionada… Mas isso é por causa das minhas expectativas e não do seu conto.
    A história é boa, mas precisa de uma boa revisão. Já apontaram o que precisa ser melhorado então não vou entrar nesse detalhe. A história em si está bem pensada, apesar de um pouco clichê adolescente… Seria mais interessante que ela tivesse feito uma coisa mais fantástica do que matar uma “rival” 🤷🏻‍♀️
    De qualquer forma, vejo potencial na sua imaginação e na escrita, continue praticando!
    Boa sorte no desafio e até mais!

  7. Fernando Dias Cyrino

    Olá, Condessa Lolita, começamos pela adequação ao tema realismo fantástico: seu conto atende plenamente os requisitos. Olha, Lolita, achei a narrativa um pouco empolada e alguns cuidados com o morfeu, por exemplo, e não morfeu. Também achei que edredom só pode ser o da cama. Mas veja só, Lolita, trata-se de detalhes de somenos que em nada tiram a riqueza da sua história. Gostei do final quando deu o tom fantástico ao conto a partir do encontro físico do isqueiro rosa e do batom vermelho. Parabéns, Lolita, boa sorte no desafio.

  8. Olá,
    Então, o texto é bem escrito e de certa forma se encaixa no tema proposto. Há alguns erros de ortografia, como já foi apontado por colegas em seus comentários. A história é simples e um pouco batida, e realmente, como também foi apontado, é um pouco problemática a questão da rivalidade feminina. Por que a culpa é toda da mulher e não do homem? A parte do “seria a maior das burrices desperdiçá-la” parece isentar Max de qualquer responsabilidade. No mais, você me parece iniciando na escrita. Não desista e pratique bastante.
    Boa sorte!

  9. Olá, Lolita. Este foi um dos contos que mais me impressionou até agora neste desafio. A ideia, embora algo batida, resulta bem. A autora ou autor explorou um pequeno episódio, representando corretamente uma explosão de emoções. A nível linguístico, creio ter havido algumas opções menos felizes, mas no geral não existem problemas de maior. Os três momentos da narrativa são bem identificados, falta talvez arriscar mais no final.

  10. Buenas, Lolita!

    Houveram algumas confusões no decorrer do texto, como trocar Morfeu por Orfeu (o primeiro é o principal dos oneiros, enquanto o segundo é seu filho e faz parte do mito de Eurídice) e escrever fantasia ao invés de realismo mágico/fantástico. Imagino que alguém deve ter comentado sobre isso, mas o realismo mágica adapta os elementos fantásticos com naturalidade dentro da realidade apresentada. O estranhamento no final acaba denunciando a confusão, sem falar que não houve qualquer outro elemento mágico no decorrer do conto.

    A narrativa também precisa de um cuidado maior. A escrita é correta, mas atropelada e sem brilho. Além disso, acredito que esta história funcionaria melhor sendo mostrada, ao invés de contada. Apesar disso tudo, a leitura não foi truncada, o que é uma boa qualidade. Foca na pesquisa dos elementos inseridos na trama, além de enriquecer a narrativa, que vai longe!

    Parabéns pelo texto! Vamos que vamos.

  11. Olá Condessa Lolita.

    Gostei de sua história, achei bem pensada a maneira como você explorou o tema proposto.
    A trama é bem conduzida, sem tropeços e sem correria.
    A escrita, um tanto rebuscada, contrasta com a história “cotidiana”. Não digo que isso seja um defeito ou uma qualidade, é somente uma característica que chamou minha atenção.
    Alguns termos me causaram estranheza: “óculos imponentes” (não consegui imaginar tais óculos), “degolar… a cabeça” (não dá pra degolar outra coisa), “um por um DE seus dedos”, “edredom da cama” (só tem este), “como se a surra onírica havia…” (deveria ser houvesse).

    Boa sorte no desafio!
    Kelly

  12. Claudia Roberta Angst

    Oi, Condessa Lolita, tudo bem?
    O conto, na minha opinião, abordou o tema proposto.
    Ainda bem que o Mauro já elencou as falhas na sua revisão, então não vou precisar repetir a lista de correções necessárias. São detalhes que não atrapalham a leitura, portanto, não impediram que eu apreciasse o seu texto.
    Achei a moça bem nervosinha e pouco adepta à sororidade, mas ciúme é algo doentio, e sendo uma doente, ainda adolescente, Ellen merece um pouco de compreensão… afinal, tudo não passou de um sonho. OU não?
    Parabéns pela participação e boa sorte!

  13. Condessa Lolita,

    Parabéns pelo conto. É uma narrativa que brinca com esse limite entre o mundo de Orfeu ou Morfeu e a realidade.

    Em geral, eu problematizo essas histórias de mulheres brigando por macho, enquanto o bonito sai como garanhão. Mas aqui está ok, já que se trata de um contexto escolar e, além disso, se passou no sonho.

    A história em si não me desafio muito. Desde o início do sonho, eu já esperava o final. Achei também as imagens utilizadas simples, ficando no lugar comum, quase clichê.
    E no final, a falta de revisão, embora apareça muito, não atrapalhou o entendimento da narrativa, pois era uma história que já vimos em muitos livros.

    É uma história que não me pegou. Faltou um toque de novidade, fosse na história, fosse nas imagens, fosse até na representação do feminino. Contudo, desejo que continue escrevendo e que esses pontos que apontei possam servir de algum modo para melhoria.

  14. antonio stegues batista

    Um bom conto é composto por vários elementos; Enredo, diálogos, ambientação, estética,
    sonoridade das palavras que formam as frases, lógica, coerência, clareza. etc.
    Até o melhor dos escritores comete erro. Sesta, já é um período curto de sono, então eu tiraria a palavra” pequena”, antes de sesta.
    “Julgamento nublado”, não sei se é um modo de falar, mas creio que se refere ao pensamento, ao raciocínio.
    “Com os pensamentos nublados, perturbados, sob forte emoção e incapaz de raciocinar com clareza”.
    Morfeu, na mitologia grega, era o deus do sono e Orfeu, tocava música numa lira que causava relaxamento que, de certa forma,
    também está certo na frase. No mais o conto tem um bom enredo de Terror e Vingança, aliado ao Realismo Fantástico, onde o pesadelo se torna real.

  15. Oi Condessa Lolita,

    Tirando alguns erros de ortografia, eu gostei da história e da forma como foi narrada. Você alcançou o tema proposto com excelência.
    Sucesso com o seu conto!

  16. Regina Ruth Rincon Caires

    “O realismo fantástico é um conceito aplicado a inúmeras produções artísticas em que elementos da realidade, da fantasia e do sonho se misturam, gerando um todo harmônico. Explicando:
    − alguns elementos da ordem do fantástico são inseridos em cenários realistas e cotidianos, como se fossem comuns;
    − esses elementos são encarados com alguma naturalidade, sem provocarem grande surpresa, choque ou apreensão;
    − não existe uma explicação racional para os acontecimentos fantásticos, que apenas ficam abertos a interpretações subjetivas;
    − o tempo não é tratado de forma linear, podendo estabelecer ligações entre o presente e o passado, como se os eventos ecoassem entre si;
    − está relacionado com temas ou figuras que fazem parte do imaginário comum de um determinado local, muitas vezes integrando suas crenças e mitos.”

    Sabemos que o tema exige trabalhar um texto em que a realidade e a fantasia (no caso, sonho) se misturem. Diante deste “imbróglio”, os acontecimentos não são muito plausíveis, e, por consequência, quase sempre o desfecho é interpretado subjetivamente, não há como lacrar. Será que matou? Qual é a verdade? A imaginação do leitor voa…

    A escrita necessita de uma revisão minuciosa, principalmente na colocação pronominal, na pontuação e no uso da crase. Nada que não possa consertar.

    Parabéns, Condessa Lolita!

    Boa sorte no desafio!

    Abração…

  17. Temos um conto que funciona relativamente bem na sua proposta, mas tenho dúvidas sobre o desfecho ser uma evidencia de um ‘realismo fantástico’.
    Assinalei errinhos no uso da língua:
    “a noite” [à noite]
    “em direção à uma longa” [a uma]
    “em frente à uma penteadeira” [a uma]
    “não sentia-se bem” [‘não se sentia bem’. Palavra ‘não’ sempre exige próclise]
    ‘imaginaria-se’ [o correto seria ‘imaginar-se-ia’. Mas, se quer deixar coloquial, usar a próclise: ‘se imaginaria’.
    ‘dita cuja’ e ‘braços de Orfeu’ são expressões clichês. Eu evitaria.
    ‘Seu primeiro pensamento foi de horror por que [porque] nunca’
    ‘como se a surra onírica havia [houvesse] lhe aliviado’

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