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Vigília │ Anderson Prado

A noite avança e a temperatura cai. Mais um pouco e se tornará impossível seguir no interior do veículo. Os cantos do para-brisa dão os primeiros sinais de embaçamento. O ar na cabine esquenta e se umidifica. Controlo a respiração. Dou ordens ao peito pra reduzir as batidas. O coração me ignora. Bate à beira do descompasso. Não é a primeira vez nem será a última que faço esse tipo de vigília. Ainda assim, corpo e espírito me desobedecem. Estou ansioso. Não descontrolado, mas ansioso.

Já passa da meia noite. Faltam quinze pra hora. A madrugada apenas se inicia. Se os vidros embaçam por completo, terei de mudar os planos. Ser o único veículo com os vidros esbranquiçados não é uma opção aceitável. Preciso de discrição. Nada ajuda. A respiração ansiosa não ajuda, o último resquício de calor vindo do motor não ajuda, o suor que me encharca o corpo não ajuda. Dentro da cabine, o calor e a umidade só aumentam; fora, a madrugada avança e a temperatura cai.

Adiante, na boca de fumo, o movimento segue, ininterrupto. Carros, motos, transeuntes se aproximam, param, efetuam uma troca quase imperceptível e seguem caminho. O consumo no local é proibido. Nada de viciados no entorno causando brigas e chamando atenção da polícia. Observo o movimento, identifico rostos familiares de usuários e traficantes. Recosto um pouco mais o banco. Estou quase deitado.

Florianópolis, a cidade onde nada acontece, a cidade que me camufla e engole, que não me concebe, não me admiti. Sou ferida em pele sadia, erupção. Sentimento esquecido, varrido, camuflado. Cínico e dissimulado. Em poucos outros lugares seria possível fazer o que faço. É uma cidade tida por segura, de fazer inveja a outras capitais. É a minha cidade. E também a desses caras da esquina, cujos passos espreito, paciente.

Uma moto passa veloz, escapamento aberto, surrando o silêncio e o sossego noturnos. A aceleração abrupta provoca estalidos e faz pensar em rajadas de tiro. Lembro de levar as mãos à cintura. Aqui está ela, carregada e destravada. Se tudo der certo, não será usada, mas, se for, me causará problemas. Ainda assim, deixá-la em casa poderia ser um imperdoável excesso de confiança.

Rua Joaquim Nabuco, número dois mil, cento e setenta e quatro. O acesso da favela Monte Cristo segue movimentado. Os sinos de uma igreja remota badalam, tímidos, a primeira hora. A cidade barulha esparsa, mas barulha alto. Motores e sirenes, rodas rasgando o asfalto, sons ligados no talo, jovens bêbados e loucos mentindo uma felicidade que não sentem.

As casas ao redor estão todas fechadas. Disperso-me, rememoro o prazer secreto de dormir. Imagino bocas abertas e camas quentes por trás de janelas e cortinas. Famílias felizes e indiferentes à noite da capital menos lembrada e celebrada do Sul.

Nos prédios distantes, quadrados azuis e amarelos colorem o horizonte, avivam fachadas, comungam as misérias das horas insones. Suponho leituras, programas ordinários de televisão, pornografia.

Brigo com o peso das pálpebras. Diviso comércios cujas portas de aço gritam obscenidades entre siglas e rabiscos por vezes indecifráveis e quase sempre indeléveis de grafite preto.

A noite é dos vadios, dos solitários, dos corpos encolhidos de frio sob as marquises; é dos bêbados cambiantes enxotados dos bares. A noite é daquela puta mal coberta que caminha na calçada oposta e que se deixa enganar por meu par de olhos curiosos a cruzar com os dela.

Atravessa a rua entrecruzando as pernas brancas e compridas, pouco cobertas e equilibradas sobre saltos finos e longos. O casaco aberto pouco protege e pouco esconde dos seios fartos e rijos, da barriga magra de umbigo fundo. O balanço do piercing me constrange e excita. A abordagem é certa e se aproxima.

Puxo a alavanca e o banco se ergue em direção ao volante. Atarantado, apalpo a porta à procura da manivela. O movimento lento e irregular do vidro planta na mulher a semente da dúvida. O carro barato promete poucos ganhos. A necessidade vence a resistência e ela sorri maliciosa e convidativa.

– Procurando companhia?

Antes de responder e antes mesmo de ouvir a pergunta, sondo a boca de fumo com interesse. Segue movimentada e entretida consigo mesma.

Mas a mulher junto ao carro representa uma mudança potencial de cenário. Convida o olhar, chama atenção de curiosos.

– Estou de saída – anuncio.

– Vai pra onde, amor? – e insiste na investida sem esperar resposta: – Me dá uma carona?

Defendo-me com mais uma pergunta na desencontrada conserva:

– Quer que eu chame um táxi?

Ela sorri, dissimulada, e segue com a troca de gentilezas:

– Quer ajuda com isso?

Acompanho seu olhar. Ela mira o volume na minha calça, confundindo os canos. Sou eu quem sorri agora. Insisto:

– Se quiser, posso te chamar um táxi.

– Não se preocupe, benzinho. Há meios mais baratos de chegar onde quero. Tem certeza de que não quer companhia?

Nas ruas, não passa de uma puta barata. Mas tem potencial. É puta de um Sul branco, imigrante e louro. Um Sul em que nem sempre a cor da pele evidencia a posição social. É fácil se deixar enganar. Descendentes de uma Europa emigrada e decaída. Um Sul pintado de vermelho berrante, pouco vestido, que excita e seduz, quase fatal.

O diálogo se arrasta. O hálito açucarado e o excesso de perfume tentam encobrir a falta de exclusividade do serviço oferecido. Florianópolis tem seus encantos, alguns bem acessíveis. Mulheres destas, empenhadas em tais divertimentos, não é de se encontrar em qualquer lugar. Os olhos verdes convidam ao mergulho e despertam preconceitos abjetos de cor e de raça, que me repugnam, mas dos quais não consigo escapar: puta de luxo, puta cara em outros lugares. No Sul, uma puta qualquer.

Mas a primeira hora já passou. É tarde pra mim, pra ela, pra nós. Tenho exigências e escrúpulos: prefiro a exclusividade dos primeiros encontros da noite.

Antes de partir, ela me pede um cigarro. Dá longas tragadas, atraída pela companhia desinteressada. A ponta do cigarro chameja na rua parcamente iluminada. Em um último esforço, ela pergunta se estou mesmo de saída. Confirmo, mas permaneço com o motor desligado.

Ela se despede lançando pro interior da cabine uma última baforada e uma piscadela travessa. Quando se vira e parte, sorrio à ideia de que esqueci de pedir um cartão. Pelo retrovisor, registro o bamboleio dos quadris e das ancas. Sinto pena. É puta, mas nem por isso menos mulher. É esguia, mas nem por isso menos magra, menos frágil. Não será a mesma dentro de pouco tempo. A cidade irá corroer sua juventude e beleza, sua espontaneidade.

Ela segue, desaparecendo em meio à neblina que já desceu sobre o ponto mais alto da rua. Não consigo imaginar onde está indo, mas quase posso ver de onde vem: lares desestruturados, com oportunidades poucas e raras. Vejo os homens que passaram por sua infância, seu pai, seus tios, irmãos. Homens como os que persigo, homens que explicam por que estou aqui.

É hora de voltar a me concentrar no movimento da boca de fumo.

Estou próximo demais do ponto em que a neblina desceu. Em breve, estarei encoberto. Se isso acontecer, terei de descer pra mais perto. Acender os faróis pode ser perigoso. Os olheiros certamente me perceberão. Decido esperar algum fluxo de veículos.

Há um sinal de trânsito pouco mais atrás, no cruzamento com a Rua Ouríques. O problema é que a essa hora poucos são os que o observam. Mesmo em Florianópolis, o adiantado da noite pede pressa, exige cuidados, permite excessos. Mas há sempre quem pare. Quando isso ocorrer, talvez se forme um fluxo. Ligo o motor mantendo os faróis apagados. Descerei à primeira oportunidade.

A madrugada medeia. Desperdiço duas ou três oportunidades de descer a rua. O movimento da boca diminui e muda. Consumidores jovens dão lugar a velhos carcomidos pelo vício. As baladas da cidade atingiram seu ápice e ninguém quer deixar as pistas, ainda que seja pra comprar drogas. O público da boca agora são os viciados maltrapilhos e insones com suas loucuras e paranoias, os jovens de outrora.

O motor segue ligado, mas já começo a temer que o silêncio do entorno denuncie meu Ford. Uma pequena fila de veículos se aproxima. O primeiro deles deve ter parado ao sinal. Com agilidade, coloco-me logo atrás do segundo, sem luzes, sem farol, sem seta, sem nada.

O som do giroflex atrás de mim, ao tempo em que me enregela, espanta o comércio de drogas. Acendo os faróis, aciono a seta, mas é inútil. Não há curva a fazer, e a seta tardia apenas reforça o erro cometido. O veículo atrás de mim é uma viatura da Polícia Militar. Recebo ordem de parada. Encosto e aguardo com as mãos no volante, corpo pra frente tentando não chamar atenção pro volume que trago na cinta.

– Boa noite – o policial cumprimenta, frio, formal.

– Boa noite – respondo, tentando soar natural e simpático.

– Habilitação e documento do carro, por favor.

Não convém adiantar quem sou. Escolho com cuidado os documentos a entregar. O policial se desloca até a traseira, confronta papéis e placa.

Depois vai à viatura, troca meia dúzia de palavras com o parceiro, passa um rádio pra central. De repente, muda de feição. Já sabe quem sou.

Devolve os documentos e comenta com indiferença:

– Esqueceu a seta.

– Percebi. Peço desculpas.

– Imagina. Acontece. Boa noite.

Não espera resposta. Entra na viatura e parte.

A aproximação da polícia dissolveu a biqueira. Estão amoitados no interior da comunidade. Não posso permanecer onde estou. Não depois da abordagem. Religo o motor e sigo para além do acesso da Monte Cristo. Estaciono no limite do campo de visão, próximo à curva, junto ao colégio. Exploro os arredores e me certifico de que não estou sendo observado. Inclino o banco e ajusto o retrovisor central.

A vigília continua. O comércio de drogas logo se restabelece e uma espécie de fila se forma. Mesmo os veículos aumentam a frequência. Durante a breve suspensão dos negócios, estiveram circundando o quarteirão, certos de que o comércio não se suspenderia sem motivo nem se interromperia por muito tempo. Todos, traficantes e usuários, conhecem a arte de esconder, de dissimular.

São quatro traficantes, mas só vejo três. Dois fazem a segurança da boca, atentos à aproximação de usuários, de estranhos e, sobretudo, da polícia. Um pratica o comércio, recebe o dinheiro, some no interior da comunidade e volta com os pacotes. Nenhum deles mantém drogas consigo. Se forem pegos, não passam de desocupados parados à esquina. Sem droga, sem flagrante. O entorpecente está dentro da favela, escondido em algum lugar próximo do único traficante que não vejo.

É como são as coisas. Sei das vigílias anteriores, as de reconhecimento, de preparação, planejamento. O flagrante é difícil e eventual perda de mercadoria é sempre baixa, parcial. É ela, a mercadoria, que importa. Os traficantes em si são descartáveis, substituíveis, não fazem falta nem ao tráfico nem aos usuários. Alguns não fazem falta nem às próprias famílias. E é com isso que conto, com esse desinteresse. Não caço quem possa depois figurar em lista de desaparecidos.

Meu alvo hoje é um só. Ele está na segurança da boca. É sexta-feira. Não dormirá na comunidade. É assim toda semana. Tá de mulherzinha nova, dois enteados, uma menina de seis e um garoto de nove. Amanhã é sábado e é dia de estar com eles, gastar com eles, levar as crianças ao bar, distribuir doces, comprar simpatias. Safado. Quem vê não imagina. Criminoso de carteirinha, extensa ficha corrida, reincidente.

Quando a biqueira fechar, descerá a Nabuco, confiante, relaxado, com o pagamento da semana no bolso. O ponto de táxi mais próximo fica no Posto do Galo, ao lado do Itaguaçu, o shopping. Tem sempre um carro por lá, não importa a hora. Dali, o pelintra seguirá até o Morro da Real Parque, já em São José, cidade do entorno, uma corrida de apenas quinze minutos.

Mas não hoje, não, hoje não. Hoje se encontrará comigo. Está tudo certo, tudo preparado. Três meses foi o tempo que o malandro levou entre deixar a gaiola e voltar a delinquir. Traficante agora, mas nem sempre foi só isso. Foi coisa pior, muito pior. Chegou a hora de fazê-lo parar, de fazê-lo pagar de verdade. Ninguém mais irá sofrer, só ele. Saberá o porquê, os canalhas sempre sabem. É doentio.

Está cada vez mais frio. Os traficantes levam as mãos às bocas, assopram, se aquecem. Pouco falam, esperam. O movimento rareia. Gatos agourentos percorrem telhados, espreitam, miam, cruzam. Um ou outro se esgueira junto às sarjetas, muros, becos, bueiros. Perseguem roedores e insetos. Cachorros vadios violam sacos de lixo, derrubam latas em estrondos que provocam revoadas indistintas, corujas, morcegos, pombos, o caralho. Uivos honram a lua que o nevoeiro esconde.

A boca encerra negócios ao seu próprio capricho, sem hora marcada, em movimento que mal percebo. De repente os três traficantes desaparecem. Um ou outro cliente ainda surge, mas uma breve espiada no relógio os convence de que a noite acabou. Nada mais posso fazer se não esperar. Os minutos passam, se arrastam. E embora eu saiba que o tempo decorrido é o de sempre, fico me perguntando se meu alvo virá.

A espera é recompensada. Lá está ele. Chega à esquina, para, olha pros lados e não identifica ameaças. Segue em minha direção. Não fosse a abordagem policial, eu estaria atrás do alvo, não em seu caminho, não em sua frente. Não posso descer do carro e não posso ser visto. Também não posso ser ouvido deixando o veículo.

Aguardo ele passar por mim e ganhar distância. Não preciso ter pressa. Controlo os impulsos. A caminhada até o ponto de táxi não é curta. Tenho tempo e tenho espaço bastante pra me aproximar e tomá-lo pelo pescoço.

Mantenho o aperto da chave de braço até ele apagar. É o momento mais perigoso, mais arriscado. Conto com a sorte. A rua deve permanecer deserta, sem veículos, sem transeuntes, sem curiosos. Arrasto o corpo desacordado até o porta-malas, amarro mãos e pés e amordaço a boca.

Deixo a Nabuco tão rápido quanto possível. Caindo na rodovia, em vinte minutos estou nos arredores do Parque da Pedra Branca. Mais um trecho de estrada de chão e chego ao destino.

Os ruídos da noite agora são outros. A mata ruge e piso com medo o caminho, entre répteis que espreitam mais em imaginação do que em realidade. A lanterna ilumina amarelo e mal.

O verme acordou há pouco em meio ao sacolejo da estrada de chão. Debateu-se, lutou contra o aperto das cordas, feriu-se. Ele se contorce enquanto o retiro do porta-malas e arrasto pelo caminho, sem piedade, me deleitando a cada gemido.

Quando percebe a clareira e a cova, se desespera. Sem chuvas, o buraco que cavei segue intocado. Desfiro pontapés e convenço o malandro das vantagens de colaborar. Vem-lhe então o completo entendimento, a aceitação. A justa medida um dia viria. Que fosse rápido e indolor.

Ele está de joelhos e aguarda o tiro que não vem. Seria fácil demais. Uma coronhada o lança apagado direto ao fundo, rosto virado pro chão. Quando acordar, poderá cavar com os próprios dentes até o inferno. Tapo o buraco.

Há de tudo um pouco no porta-malas. Toalha, roupas limpas, calçado, água. Seco o suor do corpo, troco de camisa, de calça, estou novo, sou outro. Os pássaros iniciam revoadas, cantam, piam, piruetam no ar, o dia amanhece.

Vasculho a bolsa. Lá está: analgésicos; dosagem máxima: dois comprimidos. Engulo quatro. Tenho apenas alguns minutos. Aciono o despertador, recosto o banco, tiro um cochilo.

Quando o alarme dispara, o efeito bateu. Estou anestesiado pelo remédio, pela noite sem dormir e pelo cochilo restaurador. Embico o Ford na vicinal, alcanço a rodovia e logo me misturo ao fluxo intenso que segue em direção à capital.

Em quarenta minutos estou na Rua Tijucas, número noventa e dois, Quarta Delegacia de Polícia Civil da Capital. Assumo o plantão.  O expediente me aguarda sobre a mesa. Esta noite virei uma página, agora é hora de abrir uma nova. Debruço-me sobre a pilha com interesse.

Analiso as ocorrências em aberto. São crimes pequenos, cotidianos, o de sempre. Pouco afetam a vida das famílias ricas, das remediadas, das estruturadas, das ditas de bem.

Furtos, brigas, tráfico. Nada de mais. Já despachei quinze inquéritos. Não me interessam, não são o que procuro. Este é o penúltimo. A ele me entrego, com gozo, com esperança. É espesso. Nove passagens anteriores pela polícia. Corro os dedos lentamente. Lá está. É um belo filho da puta, um desgraçado, um verme. Arrepio. Tenho os músculos tesos. Ele gosta de menininhas. Já pagou três anos de cadeia por uma infância roubada ainda antes dos sete. Desgraçado. Verme. Piso firme o chão, esfrego, amasso, elimino. Verme.

Tenho de me conter e levantar devagar, sem pressa, sem alarde, tenho de me obrigar a lembrar que é só mais uma manhã na repartição, que durante o dia sou um delegado qualquer fazendo seu trabalho burocrático e anônimo em uma delegacia da periferia. Caminho até o xadrez. Lá está ele, a um canto, reservado, separado dos demais presos. Até entre eles há limites, há um código. Entendem mais de justiça do que as próprias leis. Pedófilos, estupradores e espancadores de mulheres não têm vez. Então é a polícia que os protege, que os destaca, classifica, põe em celas separadas. Esta noite, ele bateu na mulher. Será que ela tem filhos, filha, uma menina de cinco, três, uma bebê? Será? Desgraçado, verme. É através das mães que eles chegam às filhas, às meninas. Histórias que se repetem. Miséria.

Memorizo seu rosto. Voltaremos a nos encontrar. O crime de agora é uma agressão doméstica. Não terei de esperar muito: cinco, sete, nove meses, um ano de cadeia no máximo. Depois disso voltaremos a nos encontrar, isso é certo, nas noites de Florianópolis, cidade tranquila, cidade segura, cidade esquecida do Sul.

12 comentários em “Vigília │ Anderson Prado”

  1. Olá, Joel!

    Conto bem escrito. Achei muito interessante as descrições e a atmosfera noir que a história transmite. Percebi alguns desvios na escrita, mas não comprometeram a fluidez do texto.

    Boa sorte!

  2. Este atravessa muitos elementos comuns do que, vagamente, apreendo como noir. Não é só nos elementos da narrativa, mas na própria narração da história, pelo vocabulário e pela maneira como é contada, por através de parágrafos curtos, grossos, tudo a contribuir para uma crueza que seja sentida no cenário e no texto. A abordagem temática sendo rica, a condução do enredo é no queencontrei o maior problema. O esforço pelo estabelecimento de um noir clássico acabou se passando justamente por isso: um esforço. A narração começou a soar artificial, como se para se reafirmar a todo momento como noir, tão ocupada de nos imergir num cenário que a história verdadeira do que realmente está a vigiar o personagem só começana metade do texto. Assim, a leitura se abre cansativa e, embora engate do meio para o fim, não é de uma maneira imaginativa que justifique o início excessivamente descritivo.

  3. Conto sóbrio, a seguir exemplarmente o tema Noir. Linguagem curta, narrativa segura, que prende o leitor desde o primeiro momento. As descrições são mínimas, apenas para localizar a ação no tempo e no espaço. Apenas é revelado o que o leitor precisa saber. Não interessa a razão do polícia o deixar seguir. Tem “as costas quentes”, como se diz aqui em Portugal. Não se sabe se está ligado a alguém, se à polícia, se aos criminosos. A verdade é irrelevante: num bom conto apenas interessam os factos.

  4. EMA (Escrita, Método, Adequação)
    E: Começa normal, passa a um tom poético e se mantem nessa inconsistência. Mas é uma escrita agradável, fácil de acompanhar, sem grandes floreios.
    M: Texto denso, dramático, sem reviravoltas. Confesso que esperava algum plot-twist no final, que não veio. Talvez tenha sido bom, pois foge dos clichês. Ando um pouco cansado de dramas (deixei-os no falecido EC), mas aqui tem seu ar de cotidiano que prende, de alguma forma. As descrições convencem e, apesar da leve acelerada no final, cumprem bem o seu papel.
    A: Passa raspando no tema Noir, mas creio que o autor preferiu Lugares Abandonados. Quanto a isso, focar nas cidades aqui do Sul foi um belo acerto. Minha consideração geral é que é um texto que cansa um pouquinho. Começa bem, se desenvolve bem, mas não houve a “recompensa” no final.
    Nota: 8,0

  5. Andre Domingos Brizola

    Salve, Joel.
    Conto muito bem escrito, sobre um delegado que atua de vigilante nas madrugadas em Florianópolis, escolhendo a dedo quais bandidos irá executar. Não é original, mas é muito bem escrito.
    Da parte gramatical comentaria apenas duas coisas, um “admiti”, que deveria ser “admite”, uma clara falha de revisão, pois tenho certeza que o autor conhece a regra, e a composição “levar as mãos à cintura. Aqui está ela”, em que me parece estranho o “aqui” sem que ele tenha tirado a arma do coldre. Mas acho que é mais uma questão de estranheza da construção.
    A parte estilística ficou satisfatória. A utilização de frases curtas é bem característica do cinema noir clássico, e a transcrição para a literatura ficou bem cinematográfica, com a narração “em off” do vigilante em seu batente. Algo bastante clichê, tenho que admitir, utilizando aqui a palavra clichê como elogio, pois é parte inerente da literatura à Dashiel Hammett.
    Com relação ao enredo eu sinceramente esperava algo mais noir de fato. Embora seja uma transcrição do clássico noir em sua ambientação e narração, o tratamento do roteiro justiceiro que é policial, mas também é bandido, me pareceu um tanto forçado para soar dentro do gênero. Não é nenhuma surpresa quando descobrimos que o personagem é delegado, nem é surpresa que escolhe suas vítimas dentro do seu próprio sistema carcerário. É como um Dexter preto e branco, o que eu achei pouco para um enredo.
    No geral acho que o saldo é positivo. Está dentro do tema, é muito bem escrito, e tem um enredo que, se não empolga pela criatividade, pelo menos cumpre o que se propõe, o que tem que ser levado em consideração.
    Como última crítica citaria toda a cena da prostituta, que me pareceu desnecessária e um tanto longa, quebrando muito do ritmo. Entendo que ela faz parte mais da ambientação do submundo de Florianópolis, algo que a própria descrição da boca de fumo já havia feito de forma bem adequada, do que do roteiro de fato.
    Bom, é isso. Boa sorte no desafio!

  6. Misael Felipe Antônio Pulhes

    Olá, Joel.

    Resumo: conto noir sobre um policial justiceiro das madrugadas de Florianópolis.

    Comentários: conto muito bom. A atmosfera “noir” ambienta muito bem a história. Gostei de uma capital brasileira ter sido usada. A história fica um pouco pesada em momentos de descrição e divagação. No entanto, acho que não chegou a me incomodar. O ritmo é favorecido por trechos como o da aparição da prostituta, da polícia. O desfecho é bem bom também.

    Há trechos primorosos, como “Os sinos de uma igreja remota badalam, tímidos, a primeira hora”; “O hálito açucarado e o excesso de perfume tentam encobrir a falta de exclusividade do serviço oferecido”; e a progressão final: “Florianópolis, cidade tranquila, cidade segura, cidade esquecida do Sul”.

    Algumas críticas. Primeiro, de revisão. Falta um hífen em “meia noite”. “quinze pra hora”, seria “quinze para uma hora”? Em “não me admiti” o correto seria “admite”. No numeral, escrito por extenso, “dois mil cento e setenta e quatro”, não há vírgula. Em “Mulheres destas, empenhadas em tais divertimentos, não é de se encontrar em qualquer lugar”, o correto seria, acho, “não SÃO de se encontrar”. Em “O flagrante é difícil e eventual perda de mercadoria é sempre baixa, parcial”, faltou uma vírgula após “difícil”, visto que os sujeitos mudam. E, por fim, em “Nada mais posso fazer se não esperar”, tenho quase certeza que esse “senão” é assim, junto mesmo, já que sinônimo de “exceto”.

    Algo sobre o estilo. No segundo parágrafo, a expressão “fora, a madrugada avança e a temperatura cai” quase que repete a frase de abertura do conto. Não sei se foi uma opção estética do autor ou um deslize. Coisa pequena, claro, mas foi aquele primeiro gostinho amargo durante a leitura (que, repito: foi muito boa!). Mais um último ponto, ainda sobre o estilo: essa pegada de prosa poética, quase sem enredo, foi muito bem utilizada pelo autor; há que se tomar cuidado, no entanto, com trechos em que o tom se perde para algo senso comum, frases mais triviais e prosaicas. Destaco o seguinte: “Não consigo imaginar onde está indo, mas quase posso ver de onde vem: lares desestruturados, com oportunidades poucas e raras. Vejo os homens que passaram por sua infância, seu pai, seus tios, irmãos”. Mas isso pode ser só questão de gosto.

    O apanhado geral e final da leitura é de que se trata de um conto muitíssimo bom, com boas chances (a não ser que todos os próximos 13 aumentem o nível hehe) de figurar bem no ranking final. Muitíssimo boa sorte e parabéns pelo trabalho!

  7. Olá,
    Acho que foi um bom conto para começar as leituras do desafio. O tom noir, de uma noite decadente habitada por pessoas sem caráter foi muito bem construído. Dá pra imaginar o policial com uma jaqueta de couro, com um bigodão e um raiban na cara, dentro de seu maverick. O problema é a extensão escolhida, muitas descrições e devaneios dentro de uma trama com pouca movimentação. Fica um pouco maçante de ler a partir de um certo ponto. Mas isso não tira de todo k brilho da escrita, muito bem trabalhada. A escolha pelo tempo presente traz dinamismo e tensão ao texto, combinando bem com a ambientação.
    Um texto muito bom. Boa sorte!

  8. Olá Joel.

    Vigília mostra os pensamentos de um homem que observa, escondido uma boca de fumo.

    As descrições me pareceram excessivas, num certo ponto. Mas, reconheço que elas foram importantes para dar o tom noir à sua história e construir a ambientação. Achei um tiquinho cansativo esse tanto de descrições, mas funcionou bem, inclusive, para perceber qual o estado de espírito do narrador protagonista.

    Gostei da história ser ambientada em Florianópolis e de estarmos vendo uma outra face da cidade, face que turistas, como eu, não conhecem.
    Gostei também da cena da prostituta. Achei muito bem encaixado e dá uma brecha para o fato de que o protagonista, em sua busca pela justiça, cometa também suas transgressões. Será que ele já está se transformando no que ele persegue? Será que o abismo já o está chamando?

    Achei a história muito bem escrita e bem conduzida, com um final bem interessante. Um final que começa a contar a história. É neste ponto que conseguimos enxergar com clareza o protagonista. Até então, ficava a impressão de que suas ações eram guiadas por interesses pessoais, uma vingança, talvez. Tive aí a porção de surpresa que gosto de ter em minhas leituras.

    Só achei que o clímax, que foi a execução do sujeito (enterrado vivo, gente do céu!), passou meio rápido demais, sem considerações, em oposição aos pensamentos verborrágicos do início.

    Saldo final: positivo. Escrita muito boa, clara, coerente, correta. Enredo interessante e bem conduzido. Personagens bem construídos e final satisfatório. Uma boa leitura. Só que fiquei com vontade de ler mais sobre este delegado.

    Parabéns, e boa sorte no certame!

  9. Afonso Luiz Pereira

    Concordo com os comentaristas participantes, realmente o conto é muito bem escrito, intimista e tem uma ótima ambientação. O destaque fica por conta das impressões que o narrador tem à sua volta em um ambiente noturno e solitário (o gênero noir bem representado). Os encontros, a prostituta e o policial da viatura, são bem conduzidos e trazem maior imersão à cena: um policial justiceiro de vigília à espreita próximo a uma boca de fumo. Tais encontros têm pouco impacto nos acontecimentos, mas valem o contexto imersivo que o autor pretende passar. O enredo é de certa forma reduzido, oferecendo enfoque maior nestas impressões, inclusive seu sentimento em relação a própria cidade (Floripa). É um conto mais intimista do que de ação, o que pode agradar alguns e desagradar outros. Vai do gosto. Considerando tudo, achei uma boa experiência de leitura.

  10. Homem misterioso realiza vigília noturna a uma boca de fumo.

    Texto bem escrito, com ótima ambientação. Personagens densos e aproveitamento digno de elementos noir. Gostei da leitura e a crítica fica por conta de ter soado cinematográfico demais.

  11. Antonio Stegues Batista

    O conto tem uma boa escrita, descrições do ambiente criam imagens fortes e eficientes. O personagem narra a sua história, descreve com descrições elaboradas, o ambiente, a noite e os personagens que nela transita. Aos poucos vamos entendendo os motivos e as intensões do motorista do carro parado na escuridão, a espera de sua presa.
    A escrita é boa, mas achei o enredo fraco. Pra mim a história não trouxe nenhuma novidade. É fraca, sendo valorizada apenas pela escrita. Conheço muitas histórias de personagens que fazem justiça pelas próprias mãos, tanto por vingança, quanto por em benefício de alguém, ou da comunidade como é o caso. Justiceiros e justiceiras vingando sua honra ou família.
    Com certeza é um conto Noir. Apesar do argumento fraco, merece uma boa nota por sua excelente escrita, descrições do ambiente e personagens.

  12. Ana Maria Monteiro

    Não li o regulamento, só o conto. Não sei se tem normas para comentar, mas não importa pois, em princípio, não participarei e é só mesmo um comentário. Um comentário mais para dar ao autor/a a satisfação de ter ser lido do que propriamente para comentar.
    Mas vamos por partes:
    1 – A escrita é segura, madura e de qualidade. Detetei um lapso que passou na revisão, logo no início do 4º parágrafo, em “não me adimiti”. Não me saltou mais nada à vista. Em Portugal também está muito na moda a narrativa cronológica em dois tempos verbais, (ora passado, ora presente, que faz ali o presente?) não uso e não aprecio, mas é uma questão pessoal. Tirando isso, acho a escrita muito amadurecida.
    2 – A história é a história de um policia justiceiro, com um pouco de Dexter, é uma história, cujas variantes já vi de muitas maneiras.
    3 – O assunto que se pretende atingir e sobre o qual se constrói a trama e a escrita: violência doméstica, o abuso dos homens sobre as mulheres nas mais diversas vertentes da intimidade. Temos aqui um pouco de tudo isso: violentação, pedofilia, alcool, drogas, abuso parental, maus tratos, exploração sexual, preconceito. A parte da puta explora um pouco mais esse elemento do preconceito, mas torna-se extensa e como que perde um pouco do objetivo, disperso nas considerações e contradições de julgamento do próprio protagonista.
    4 – Atualmente estamos um bocado estereotipados quanto à forma e conteúdo do que esperamos de um conto; desde a mensagem (quando há, mas é suposto haver), até à forma como “o bolo” é empratado, passando pelas opções linguísticas e gramaticais, de tudo o leitor tem uma expectativa. Isto é um perfeito absurdo, mas é verdade. Assim, quando nos deparamos com o óbvio, ficamos um pouco desiludidos.
    O que mais destaco no conto é o domínio narrativo e a qualidade da escrita, o que menos apreciei foi o género de previsibilidade que ofereceu.
    Não é fácil frustar expectativas e satisfazer o leitor, é um processo complicado e que pode criar frustração no autor. Existe também a possibilidade de tentar procurar a própria satisfação, tentando não fugir excessivamente ao que poderia ser a expectativa do leitor, mas esta opção ainda é mais difícil. Por fim, temos aqueles autores que não ligam a nada disso e escrevem o que querem e como querem, sem preocupação com a recetividade dos leitores o problema desses é que raramente saem do anonimato. Mas se pensarmos bem, a maioria dos outros todos tampouco chega ao desejado reconhecimento.
    No geral gostei bastante, se fosse avaliar numa escla de 0 a 10 e sem necessidade de estabelecer comparações e calibrações com outros, daria um 7; inserido num certame com mais contos para analisar e pontuar, esta nota subiria consideravelmente, podendo chegar a um 9, 9 e meio.

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