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Trago │ Pedro Paulo

O único sinal de retidão que conseguiu demonstrar foi o de não levar a cachaça para o enterro da mãe. Era uma atitude facilmente reconhecível para quem prestasse a mínima atenção, Johnny suava e tremelicava. A sujeira era visível mesmo nos tecidos negros de seu luto, um jeans velho e uma camisa estampada de palavras em inglês que não sabia da pronúncia ou do significado. Foi um dos irmãos, que até então guardava distância, que se aproximou para avisá-lo que era a sua vez de se colocar diante do caixão para uma última despedida. Pelo visto o chamavam já tinha algum tempo, mas ele não escutara. Não tinha ouvido absolutamente nada da cerimônia e em mais de um momento se viu perdido sobre onde estava. O que ocupava a sua mente era o quanto demoraria para dar mais um trago, para ter em mãos uma latinha de cronos.

Seu esforço para se levantar reto apenas chamou mais atenção para a falta de naturalidade em seus movimentos. A rigidez em seus passos o levou numa marcha trôpega até o caixão. A roupa branca do cadáver da mãe, brilhante sob o sol, fazia seus olhos arderem, não conseguiu olhá-la diretamente, chegou até mesmo a afastar o rosto e levantar as mãos encardidas entre filho e progenitora. Acha que não a teria reconhecido se tivesse olhado para ela. O padre perguntou duas vezes se queria dar alguma palavra. Girou em torno de si mesmo, mirou a multidão, distinguiu rostos conhecidos que sentia não ver havia anos, embora o distrito fosse minúsculo e fossem as mesmas pessoas da sua infância. Sentiu-se de volta aos tempos da escola, trêmulo e gaguejando diante da turma… sentiu vergonha, baixou o olhar e deu de ombros, um sorrisinho desgraçado. Era o esperado, Johnny falava pouco e sorria sempre. Um sorriso sem alegria alguma, todo embaraço.

Caminhou de volta para a sua cadeira e pouco depois do sepultamento se obrigou a ficar de pé entre os irmãos, assistindo à passeata de antigos amigos e colegas da família. Não apertou nenhuma mão. A maioria simplesmente o pulava e os poucos que pararam diante de si para prestar condolências o viram cabisbaixo e desatento, perdido em ânsias que eram conhecimento de todos. Teve um, entretanto, que não arredou o pé até que o reconhecesse. O professor Clóvis o olhava e por detrás dos óculos minúsculos distinguiu o mesmo desprezo de quando Johnny ainda era menino. Os lábios dele estavam franzidos como se estivesse diante de um inseto asqueroso.

─ Mesmo no velório dela é assim que você aparece. Não tem vergonha? Você sempre foi um mala, mas eu não sei, não sei mesmo como você ficou desse jeito. Me explique, por favor me explique como é que você caiu tão baixo!

Johnny sabia. Ou, pelo menos, o que dizia para si mesmo era que o homem diante de si era o culpado. Quando se lembrava do passado, por alguma razão via as imagens em preto e branco, cores impróprias para o ponto bucólico em que morava, cercada nos quatro cantos por uma vale verdejante por onde penetravam estradas e caminhos que nunca percorrera em sua vida. Como o distrito, ele mesmo vivera e crescera encerrado no vale. Ainda assim, em suas fantasias o garoto insistia em filtros monocromáticos que via nos dramas policiais que assistia na televisão velha da casa. Aos doze, Johnny brincava muito de policial. Era o detective Johnny Black e, fazendo lápis de cigarros e suco de guaraná de whisky, resolvia os crimes mais mirabolantes, inventava histórias com os seus colegas de classe e suas famílias, via na cooperativa agroindustrial do distrito o centro de diversos mistérios, antro de corrupção política e econômica que apodrecia sua cidade de dentro para fora. A igreja estava envolvida e até o mais beato dos coroinhas era um suspeito válido!

Eventualmente, o detetective Johnny Black, como qualquer bom oficial da justiça, encontrou o caso que mudaria a sua vida. Quis entender por que sua mãe e seu pai não conversavam, por que o pai bebia tanto. Distinguiu os dias em que o pai mais se embebedava e descobriu que ele sempre chorava antes de dormir. Percebeu o quanto de maquiagem a mãe utilizava para disfarçar os hematomas e que comprava suas roupas e adornos com notas que surrupiava da carteira do marido. Johnny descobriu que a mãe via outro homem. Seguiu-a em madrugadas e achou o lugar onde ela tinha seus encontros. Onde encontrava o professor Clóvis. O professor também o viu.

─ Olhe, seu pestinha, fale qualquer coisa e você vai matar sua mãe. Seu pai é doido e vai acabar é te matando também se você for contar para ele. Você é burro feito uma porta, mas pra isso eu acho que serve.

Foi com essas palavras e um tapa na cabeça que o professor o mandou para casa. Johnny obedeceu e nunca falou nada a ninguém. Para si mesmo guardava um único orgulho de que não era tão burro quanto o professor pensava. Sua investigação anterior revelava: o seu pai já sabia. Por que motivo choraria quase todas as noites? Johnny passou a imitá-lo, dormindo num travesseiro encharcado de lágrimas. Quis, então, seguir o caminho do pai por outra via. A última lembrança que tinha dele, nos tons de cinza que matizavam o seu passado, era de pedir um pouco de sua bebida. Seu pai bebia da cronos, a cachaça mais barata. O pai negou com um resmungo e o derrubou no chão com o empurrão que deu quando tentou alcançar a garrafa.

Mas também investigara os rastros do pai fora da casa. Foi até o Bandeira Dois, o bar mequetrefe que ficava nos limites do distrito, defronte ao vale verdejante. Em suas memórias, árvores e mato também empreteciam, perdiam o deslumbre. Ninguém estranhou o menino entrando no bar, nem deram conta dele. Parado diante do balcão, também não foi percebido pelo atendente e tampouco o chamou, não achou que sua vozinha superaria o burburinho da noite. Desamparado, seus olhos recaíram sobre um homem sentado ao seu lado. Era impossivelmente velho, a cabeça funda entre os ombros, abraçava o próprio corpo com tanta força que tremia sobre o banquinho. À sua frente, Johnny reconheceu o copinho de dose. Estava cheio. Johnny entendeu que o olhar do homem se direcionava a qualquer canto que não fosse onde o copo estivesse.

Chamou-o uma vez e depois outra. Num ímpeto de coragem, coração apertado como nunca sentira antes, pôs-se na pontinha dos pés e puxou a manga da camisa dele. O homem o olhou. Fundos, perdidos no tempo e em um emaranhado de mechas sujas, mal se via os olhos dele, era como se não os tivesse. Encarou aquela escuridão sem pestanejar. Não gaguejou.

─ Se não vai beber, dá pra mim.

A musculatura do homem relaxou, seus braços foram baixando para os lados do corpo. Parecia chocado. Johnny tinha escondido as mãos nos bolsos, não deixaria que as visse tremer. O sujeito encostou no copo com os nós dos dedos e o empurrou até próximo de Johnny. O garoto não alcançava, ainda que esticasse os pés e os braços. Foi preciso que o homem pegasse o copo. Foi como se os olhos do desconhecido renascessem das profundezas de seus demônios. Apareceram injetados, um castanho acinzentado mal sobrando nos cantos de pupilas dilatadas. Com a tremedeira, a cachaça cronos – Johnny de algum modo sabia que era aquela bebida – balançou e respingou sobre os dedos dele. Caiu também sobre os seus, Johnny de repente se lembrou das bençãos que o padre dava na igreja, gotejando aquela água cá e lá. Com o copo ocupando as mãos dos dois, Johnny percebeu que o homem resistia. Os olhos dos dois se cruzaram e o menino aproveitou a sua última coragem.

─ É só um trago.

O homem soltou o copo.

É culpa sua. É tudo culpa sua. Johnny pensava. O professor Clóvis era um homem já idoso, mas ainda guardava em si mais força do que o corpo esvaído pelo vício que mal sustentava Johnny de pé. Clóvis queria saber como ele caíra tão baixo, mas Johnny não conseguiu respondê-lo. Deu de ombros, sorriu, baixou a cabeça. Fez o que sabia fazer, o que sempre fizera. Quando todos foram embora, restou só diante da lápide. Esqueceu-se do que fazia ali, deu as costas e saiu andando, foi atrás de sua latinha.

Dentro do barraco que chamava de casa, uma construção em barro que mal se equilibrava em um desfiladeiro, a latinha estava sobre a mesinha, aberta e meio vazia, formigas bebericavam das gotas acumuladas no cantil e depois iam caminhar tontas e trôpegas entre as fibras apodrecidas da mesa. Leu a embalagem em voz alta.

─ Cronos.

Foi até a única janela da casa, que já dava para uma queda livre de três metros desfiladeiro abaixo. Por ali deixou escoar o jorro de sua última bebida e, não sabia o porquê, enxergou algo de bíblico nisso. Uma serpente alcoólica banhou a terra e desceu até se juntar ao fluxo do esgoto que descia pelas ruas. Como era posicionada, a janela restringia muito da luz que o dia podia oferecer para dentro daquela casa,então não foi difícil escapar da luz para se acomodar nas sombras. Johnny deitou sobre a sua esteira de palha e se abandonou a pesadelos suados e monocromáticos. Acordava ao saltos, tremendo e chorando. Intercalou o seu sono com jornadas de vômito que pelo menos a princípio alimentaram as formigas e as baratas. Não sabia quanto tempo havia passado quando finalmente deixou a casa. Sua calça e camisa tinham perdido muito do preto, que amarronzara.

Nem o verde do esgoto e nem o vermelho das ruas acidentadas tinham a sua mesma força sob o véu cinzento que pairava lá fora. Não havia ninguém nas ruas. Não chorava nenhuma criança, não cantava nenhum galo, em nenhum canto se escutava um brega ou um funk. As ruas estavam desertas. Descido da ladeira que levava para fora de casa, seu pé escorregou e mergulhou até o tornozelo no córrego sebento do esgoto. Ao tornozelo juntou ao joelho, que foi como caiu quando se dobrou a vomitar. Engatinhou para fora da sujeira. Antes do velório de sua mãe não se lembrava da última vez que sentira vergonha. Não acha que sentiria o mesmo agora, aquele tipo de espetáculo não era novidade para ninguém do distrito. Mas ninguém tinha visto, não havia ninguém para ver. Teve a impressão das cores terem perdido mais espaço para o preto e branco entre a sua queda e o seu erguimento.

Incerto de que tempo ocupava, as cores eram o seu único referencial. O cinzento pintava o seu passado, tonalizava tudo o que poderia ter sido e que não foi. Caminhando, seus passos o levaram a uma casa não muito longe, daquele mesmo lado do vale, onde as ruas sobiam tortas em terra batida e o lixo descia pelas ladeiras e se emaranhava na mata como erva daninha. Caminhar até as casas mais altas não foi fácil. Tremia, não tinha fôlego, em mais de um momento pensou que fosse desmaiar, mas chegou e parou sob um janelão um andar acima da sua cabeça. Como muitas outras vezes que sua ebriedade o comandara, havia chegado ali sem sequer perceber, diante da casa de sua primeira namorada. Ela sempre o recebia sem descer, olhando-o da janela, não era mais a mesma menina que dera o seu primeiro beijo quando adolescente, mas uma mulher para lá dos seus quarenta. Na interrogação temporal acinzentada em que estava, não sabia se lhe apareceria a menina ou a mulher. Ela era uma das poucas pessoas que não o encarava com desprezo e irritação, mandava que fosse para casa, que tomasse jeito. Johnny ainda guardava sensatez o suficiente para entender que se tratava de pena. Mas não era este um sentimento melhor do que o nojo?

Nesta sua última aventura monocromática, entretanto, ninguém veio à janela. Nem a menina e nem a mulher. Chamou e chamou, caiu e chorou. Não havia ninguém naquela casa, como em nenhuma das casas vizinhas ou qualquer outra. Apenas o preto e o branco obscureciam cada vez mais daquele lugar abandonado. Se em outras ocasiões o álcool o guiara, agora a crise de abstinência levava os seus passos. Sem ter o que enuviasse sua mente, sabia muito bem para onde ia. O anoitecer foi o tempo do seu caminhar. O distrito era breu, a lua cheia perdia o seu fulgor e no lugar do prata o céu ganhava um cinza mais claro. Johnny não se surpreendeu ao constatar que o Bandeira Dois era o único reduto da cor no distrito. Estava vazio.

Dentro do bar, olhou as suas mãos e gritou. Todo ele, dos pés à cabeça, pintava-se do cinza dos antigos filmes de policial que o entretinham na infância. Seu pai – colorido – estava do outro lado do bar, as duas mãos espalmadas sobre o balcão, cabeça tão baixa que a testa quase tocava a madeira. Johnny se aproximou andando tão naturalmente quanto o seu estado permitia, ignorando por completo que o pai havia morrido já tinha muitos anos. Encaminhara-se para o outro lado com um tiro na cabeça.

Ainda que estivesse idêntico ao pai que tivera na infância, Johnny não conseguiu assimilá-lo como o seu pai. Ao chegar mais perto aquele simulacro lhe ergueu o rosto e pôde ver que chorava. É igual. Johnny levantou entre eles um dedo indicador trêmulo.

─ Uma dosesinha.

─  Você tem certeza?

─ Tô precisando. Mesmo.

─ Vai te fazer mal.

─  Fez a você e nem por isso deixou de beber.

Não tinha resposta para aquilo. Mais intenso em seu choro, que fazia balançar os ombros, o sujeito seu pai se virou e apanhou a garrafa na estante. Sua mãe se virou para ele, pôs a garrafa sobre a mesa e de dentro do balcão tirou o copinho de dose. Parou assim, com as duas mãos ocupadas pela garrafa e pelo copinho. Olharam-se nos olhos, mãe e filho. Ela já não o fazia querer desviar o olhar, tampouco deixou de reconhecê-la. Era a sua mãe, no vestido arrumado e na maquiagem a esconder seus roxos.

─ Você não entende, meu filho, eu não podia me divorciar, não sabia o que fazer.

─ Fosse o que fosse teria sido melhor do que o que foi. Olhe para mim!

─  Vejo meu menino… perdido, mergulhado nessas coisas…

─  Perdido não, segui o caminho que vi em casa. Quero uma dose.

─  Você não precisa. Já passou pelo pior, agora é só melhora.

─  E vou fazer o quê na vida se estiver melhor? Não, não, isso passou. Só dou pr’esse mundo assim, de cabeça feita. Quero uma dose.

O professor Clóvis abriu a garrafa e a virou sobre o copo, deixando encher até a boca. Depois devolveu a garrafa à estante. Sobre o balcão, apenas o copo cheio.

─ É verdade ─  e balançava a cabeça, reprovando ─  É bem verdade. Beba.

Encolheu-se sobre o banquinho, não tinha forças para sair correndo ou para estender a mão ao copo. A indecisão era o seu assento. Ouviu alguém chamar alguém, não calculou que era o único efetivamente a estar naquele recinto. O puxão na manga de sua camisa o fez olhar para baixo. Um garoto o olhava desafiador, obviamente nervoso, mas, ainda assim, sem pestanejar. Cabelos negros, pele escura, olhos castanhos, uma camiseta de algum desenho antigo… ele era todo cores. Pediu para beber. O professor Clóvis sorriu zombeteiro.

─ O menino tem mais cunhão!

Era verdade, era a sua saída. Passando ao garoto, estaria livre, poderia melhorar e recomeçar, era como a mãe tinha dito. E pensava nisso mesmo quando o menino pediu por um trago e passou o copinho a ele. Mas não o soltou. Os dedinhos do garoto já seguravam o outro lado do copinho, mas Johnny não soltou. Reteve o copo entre os dedos por um instante, um intervalo, uma vida. Uma chance?

12 comentários em “Trago │ Pedro Paulo”

  1. Claudia Roberta Angst

    Eu cheguei a ler este conto e gostei bastante, mas acabei não comentando, mas fica aqui meu agradecimento pela ótima leitura. Parabéns!

  2. Um belo noir, bem construído, melancólico, que destrói o leitor. Tem ritmo e tem impacto. Interessante o final que supõe uma ideia cíclica. Tem alguns momentos pontuais onde a escrita parece um pouco confusa, mas não atrapalha o todo.
    Boa sorte!

  3. Kairós de Deus. Espero que o Bruno aceite este meu comentário complementar:

    Como não mencionar o desfecho do conto? Eu amo esses artifícios cíclicos. Achei brilhante!! Estava aqui dando nota pro seu conto e não pude deixar de considerar o desfecho 😉

    De novo: parabéns! Encerrou com destreza a obra.

  4. Olá, Kairós.

    Resumo: reflexões melancólicas de Jhonny diante da morte de sua mãe. O passado é rememorado, tristezas e arrependimentos vêm a superfície, num cenário nebuloso de uma história acinzentada.

    Comentários: uma excelente abordagens da proposta Noir. Ficamos angustiados lendo. A prosa se arrasta nas autorreflexões (mesmo que o autor tenha escolhido a terceira pessoa, o que talvez alivie a dose de melancolia pro leitor e permita aquele magistral desfecho), mas, ao mesmo tempo, é fluida. É uma ótima prosa, aliás. Destaco, ainda, as descrições de personagens. Estupendas. Tanto a do protagonista, no parágrafo inicial, quanto, p ex, esta: “Era impossivelmente velho, a cabeça funda entre os ombros, abraçava o próprio corpo com tanta força que tremia sobre o banquinho”.

    Tenho uma importante crítica, no entanto, a uma escolha que me pareceu, inicialmente, muito acertada, mas que se provou, no meu ver, excessiva: o uso das cores na ambientação do texto. De repente, eu comecei a esperar pela próxima menção a uma cor acinzentada no conto. Desde que comecei a colecionar as citações, anotei as seguintes: “nos tons de cinza que matizavam o seu passado”; “Johnny deitou sobre a sua esteira de palha e se abandonou a pesadelos suados e monocromáticos”; “Nem o verde do esgoto e nem o vermelho das ruas acidentadas tinham a sua mesma força sob o véu cinzento que pairava lá fora”; “Incerto de que tempo ocupava, as cores eram o seu único referencial. O cinzento pintava o seu passado, tonalizava tudo o que poderia ter sido e que não foi”; “Na interrogação temporal acinzentada em que estava…”; “Nesta sua última aventura monocromática, entretanto, ninguém veio à janela”; “Apenas o preto e o branco obscureciam cada vez mais daquele lugar abandonado”; “no lugar do prata o céu ganhava um cinza mais claro”; “Todo ele, dos pés à cabeça, pintava-se do cinza dos antigos filmes de policial que o entretinham na infância”. Muita coisa, não?!

    Como eu disse, todavia, me pareceu uma escolha acertada inicialmente. Aliás, acho que o autor se valeu de outras soluções para essa ambientação noir muitíssimo mais elegantes. Destaco estas: “então não foi difícil escapar da luz para se acomodar nas sombras”; “Não havia ninguém nas ruas. Não chorava nenhuma criança, não cantava nenhum galo, em nenhum canto se escutava um brega ou um funk. As ruas estavam desertas”; “Sem ter o que enuviasse sua mente”; “O distrito era breu”. Aqui, o ambiente noir é igualmente formado na mente do leitor, mas de forma bem mais sutil e bela. “enuviar” é um verbo belíssimo. Daí eu dizer que se poderia ter usado menos nomes explícitos das cores, excluído algumas daquelas frases que mencionei acima, e trabalhado melhor como neste último conjunto.

    Mas, reforço: gostei muito do conto e desejo sorte no desafio! Parabéns!!

  5. Um homem é atormentado pelo seu passado e pelo vício.

    Excelente conto! Gostei da maneira como o noir foi explorado, na descrição do mundo em preto e branco. Os personagens são bem descritos, as reações de Johnny fazem sentido e a história é coerente.

    A história de Johnny, que volta ao seu começo e termina com uma interrogação (o que terá feito Johnny, deixou ou não o menino dar um trago) foi muito bem pensada.
    A linguagem é utilizada de forma poética em suas descrições e o resultado é muito bonito. Uma escrita segura, que produziu uma leitura muito agradável.

    Parabéns e boa sorte!

  6. O conto foi muito bem escrito. Não reparei em nenhum erro gramatical ou ortográfico que pudesse comprometer a fluidez do texto. A história é um pouco arrastada, bastante melancólica, mas isso não chega a passar uma má impressão ao leitor a ponto de desistir da leitura. Certamente é um dos melhores contos escritos nesse desafio.

    Boa sorte!

  7. Olá, Kairós. O seu conto deve ser dos mais bem escritos do desafio (só encontrei um ou outro erro menor). No entanto, é também dos mais confusos. Vamos por partes: a adequação ao tema é forte. Ou melhor, a adequação aos temas, dado que conseguiu um texto que se encaixa nos três temas do desafio. Porém, a forma como a narrativa foi estruturada tornou o texto confuso, sem grandes pontos de referência. Resultado: o leitor perde-se, tem de voltar atrás na leitura para apanhar o fio condutor, resultando numa experiência de leitura não tão agradável quanto a qualidade literária faria supor.

  8. EMA (Escrita, Método, Adequação)
    E: Ótimo texto! Mas, como ando com ódio de drama (não estamos mais no EC, desculpe), vou tentar avaliar de forma equilibrada. Escrita discreta, firme, com algumas vírgulas fora de lugar, mas excelente em transmitir as emoções.
    M: Textos cotidianos são interessantes, ainda mais quando se trata de periferia. Aqui ainda temos toques de Noir imaginário com Lugares Abandonados permeando o contexto. A melancolia é bem presente. Há uma boa curva na história que se torna um looping no final. Nem todo conto precisa terminar de maneira bombástica, mas acho que aqui, apesar de simples, o autor(a) se saiu bem.
    A: Está bem adequado, com uma trama digna de novela das oito. Talvez eu esperasse um pouco mais, mas isso é culpa minha (fã de scifi sempre espera algo mirabolante). Contudo, não é cansativo, atrai e tem seu público. Cativa, de forma inesperada, talvez por trazer um “drama alcançável”.
    Nota: 9,5

  9. Afonso Luiz Pereira

    O enredo de “Trago”, basicamente, tem como argumento central traumas do passado que leva muita gente a buscar conforto na bebida alcoólica para suavizar as feridas emocionais da memória. O protagonista sofreu muito pela relação de um pai alcoólatra, que afogava as suas mágoas por uma esposa adúltera. Além disso, o filho acaba seguindo os passos do pai por não se conformar, também, com a mãe em se envolver com um sujeito escroto, um professor grosseiro que o desprezava.

    O texto, não há dúvida, está muito bem escrito, no entanto, eu o achei um pouco arrastado, moroso, e tal impressão possa ter sido por causa do tema pesado mesmo. Percebi que o autor teve a preocupação de inserir elementos noir como, por exemplo, as cores monocromáticas dos filmes antigos e a imaginação do menino em ser um detetive nas sua brincadeiras (lembranças do passado), para contemplar o tema, embora não no sentido mais clássico do gênero de suspense. No mais, desejo boa sorte no certame, caro autor.

  10. Andre Domingos Brizola

    Salve, Kairós.
    O conto narra o círculo completo de Johnny, de sua infância assistindo aos problemas dos pais, até o início (nele mesmo) de seu problema com o alcoolismo.
    Um texto denso, permeado por uma sinestesia pesada que funciona muito bem, garantindo o clima soturno e melancólico durante toda a narração. O vocabulário é muito bem escolhido e garante pontos extras por conseguir ser elegante sem ser pedante.
    O enredo com o círculo completo em que o personagem se transforma no próprio motivo pelo qual tornou-se o que é não é original, é extremamente recorrente na literatura, no cinema, na TV e, curiosamente, neste desafio também. Por outro lado, acredito que nenhum outro conto do certame conseguiu utilizar o argumento como ocorreu aqui. O tratamento foi muito bom, sobretudo por ter conseguido imprimir também alguns contornos noir à história.
    É um dos melhores textos submetidos a este desafio, com certeza. Ficarei surpreso se não estiver na primeira colocação.
    É isso. Boa sorte no desafio!

  11. Antonio Stegues Batista

    TRAG0
    Até quase no final, eu não tinha ideia do mote do conto, do assunto. A resposta está no encontro do menino com o bêbado, que são a mesma pessoa. Ou seja, uma viagem no tempo onde o protagonista tem um encontro com ele mesmo.
    Achei um bom conto, com imagens marcantes do ambiente, da paisagem na viagem alucinante de Johnny.
    Johnny é o diminuitivo de John, nome inglês. Não deu para saber que lugar, ou país, é ambientado a história, se no Brasil ou fora dele. Johnny não é um nome comum no Brasil, Clovis é. São detalhes que não diminuem o valor do conto, mas quando a história é ambientada fora do Brasil em Nova York por exemplo, em algum momento é importante colocar o personagem em Manhattan ou outro lugar qualquer, e se for em Londres, em algum pub da Oxford Street, ou no Hyde Park. São só exemplos. É importante dar uma identidade ao lugar onde se passa a história. Hoje em dia temos uma boa ferramenta para dar maior autenticidade na ambientação, nos detalhes da paisagem, ruas etc. que é o Google Street View.
    A escrita é boa, mas poderia ter usado outras palavras para algumas frases que daria uma estética mais interessante às imagens. De qualquer maneira, o conto é forte.

  12. Homem definha no vício.

    Conto muito bem escrito. A qualidade da escrita torna a leitura muito prazerosa. O conto transita entre os temas noir e viagem no tempo. O tema viagem no tempo é explorado de maneira nebulosa, o que exige uma imensa suspensão voluntária de descrença por parte do leitor.

    Observação: a última frase pode conter uma crítica.

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