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O retorno do filho pródigo │ Victor Viegas

A gota de álcool recém desprendida do algodão umedecido atravessava os poros da camada mais superficial da pele de João, percorria paralelamente os rastros deixados pelo sangue seco, contrastante com a aparência pálida de seu corpo, até se depositar nas profundas feridas abertas nos joelhos desnudos do menino. Sua mãe o colocara deitado pouco antes do sol aparecer e, permanecendo sentada em uma cadeira ao lado da cama, observava atentamente a exaltada movimentação de expandir e encolher que o tórax dele realizava enquanto ela prosseguia na preparação dos curativos.

À medida que o algodão encostava naquele machucado, mais as costas de João ficavam arqueadas, ele se revirava bruscamente no colchão, colocando as mãos enrijecidas e punhos cerrados em direção de seu rosto, mas se continha para não se debater em cada passada. Embora estivesse se controlando ao máximo para evitar qualquer reação de sua mãe, frases inaudíveis conseguiam escapar de suas cordas vocais. Os olhos, completamente marejados, vagavam a todo momento na procura de um singelo sinal de conforto e empatia.

― Você sabe que não adianta fazer essa carinha de choro. Vai continuar ardendo do mesmo jeito ― falou enquanto encharcava mais um pedaço de algodão. ― Deveria agradecer por ter alguém que não te deixa influenciar para o caminho do pecado. Nós somos imagem e semelhança do Senhor, é nossa obrigação nos mostrarmos perfeitos para conseguir entrar no Reino dos Céus.

Ao passo que oscilava entre os involuntários movimentos abruptos e a completa exaustão de seu estado físico, João tentava se concentrar em palavra por palavra dita naquele instante. Era de extrema importância o absoluto foco nos ensinamentos sobre como se moldar à imagem esperada por Deus. Além disso, não seria permitido solicitar a repetição de qualquer frase, pois era visto como um claro sinal de desrespeito. Demonstração de fraqueza. Era obrigatório que João escutasse atentamente e aceitasse a mensagem divina.

― Saiba que o inferno está cheio de pessoas impuras e pecadoras como você. Se continuasse se comportando mal daquele jeito, o Senhor te mandaria direto para lá. Ninguém gostaria de morar no inferno, não é mesmo? Estão o tempo todo aí querendo te buscar.

Com os olhos ligeiramente arregalados em uma feição assustada, ele balançava a cabeça repetidas vezes de um lado ao outro. Aquela imagem era inconcebível em sua mente ― um completo absurdo ― não era possível que Deus pudesse ser tão injusto. Como se as diárias rezas matinais, leitura das escritas sagradas, obediência e servidão ao Criador não fossem o suficiente para comprovar a intenção de seguir uma vida eucaristicamente impecável. João temia ser mandado para o inferno.

Após passar o último curativo, ela se abaixou para devolver o pequeno frasco esvaziado de álcool e o restante do algodão em uma gaveta da mesa de cabeceira, móvel de brilho irretocável e poucas vezes atingível, encostada no canto da parede. Ao se levantar, colocou a mão na estátua de Nossa Senhora Aparecida em posição de benção e a girou em seu eixo, de forma a alinhar com os outros santos presentes no quarto, sempre olhando em direção ao colchão, como uma arquibancada circulando o campo de futebol. Ela, então, cobriu seu filho com um cobertor de lã que estava dobrado até a metade da cama e saiu do quarto.

O caminho até o quintal era curto, mas os passos calmos prolongavam o tempo estimado do trajeto. No espaço entre a cozinha e a sala era possível observar um pequeno amontoado de grãos de milho ensopados em uma larga poça de sangue. João tinha ajoelhado durante todo o período da noite, as mãos estavam entrelaçadas com a cabeça baixa encostando no braço do sofá e, em silêncio, chorava copiosamente implorando pelo salvamento de sua alma. A mãe dele ficou ali apreciando aquele vívido líquido esparramado ao redor da sala e, gradualmente, um tímido sorriso começava a aparecer em sua face, uma breve sensação de dever cumprido a fazia se orgulhar de seu feito.

Passaram-se alguns dias, João, ainda com dificuldade para andar, se esforçava para recolher as folhas caídas na frente de casa. Em seus pensamentos, ficava a repetir os comandos em um looping interminável, olhava milimetricamente aquele espaço, sempre tendo muito cuidado para não deixar qualquer resquício de poeira indevidamente espalhado pelo quintal. Ele estava varrendo compulsivamente quando uma luz intensa passou a chamar sua atenção. A princípio, tentou não se importar com o brilho forte vindo do gramado, mas, aos poucos, aquilo começava a despertar sua imaginação fértil de criança. Decorria por inúmeras possibilidades, buscava assimilar em suas memórias o que seria o tal objeto misterioso, até que se sentiu na necessidade de descobrir o que de fato estaria ali.

Ele olhou rapidamente pela janela para certificar que sua mãe não perceberia seu sumiço e saiu correndo pela imensidão daqueles campos verdes, distanciando-se cada vez mais de casa. Pensava que encontraria um boneco de pano novinho para ser o motorista da sua coleção de carrinhos de rolimã, talvez fosse um tesouro mágico que algum pirata tinha esquecido de enterrar ou algo que pudesse finalmente resolver o enigma do monstro que insistia a gritar estridentemente por quase todas as tardes durante o horário da reza. João, sem querer, se perdia em seus pensamentos, porém o medo de ser obrigado a ajoelhar no milho mais uma vez o fez pegar aquele objeto rapidamente, colocar no bolso de seu casaco e voltar a limpar o chão.

Ao chegar em casa, foi direto para o quarto conferir o achado, tivera sorte de conseguir escapar ileso. Enquanto a mão de João começava a puxar bem devagar o objeto para fora do agasalho, seus olhos continuavam observando fixamente a movimentação de sua mãe na sala, ele deveria agir de maneira muito calculada para não ser surpreendido. Sentia-se pressionado a controlar seus movimentos, pois o fato dela ter removido, por decisão própria, todas as portas entre os cômodos o deixava em uma estranha sensação de estar sendo constantemente observado, o que passava a incomodá-lo. 

― Vem comer. O almoço tá pronto.

João rapidamente escondeu aquele item embaixo da cama e se dirigiu para a cozinha. Enquanto sua mãe degustava um delicioso prato de macarrão no conforto da cadeira perto da mesa, ele comia com as pernas cruzadas sentado no gélido piso de cerâmica, ainda não tinha se elevado o suficiente para merecer estar ao lado dela. Era tido como um mero pecador incapaz, não havia conquistado a bondade divina que ela tanto exibia, a ponto de esquecer de si mesma para tentar salvá-lo de qualquer influência que o desvirtue do caminho do paraíso.

― Eu sei que não está fácil, mas você sabe que precisa passar por essas provas. Seria como um filho que está vivenciando o mundo da materialidade e tem sido punido severamente por isso. O Senhor ensina que precisamos nos arrepender para livrarmos de nossos pecados. Sofremos na Terra para vivermos em plenitude. Todo mundo passa por essa dualidade. Você não é ninguém especial.

João se concentrava para absorver essas valiosas informações, confiava nas palavras de sua mãe e sabia que ela não atentaria contra ele ou faria qualquer mal. Naquela altura, ele estava completamente submisso e faria o máximo possível para ter sua alma salva.

― Daqui a algum tempo você vai perceber que não deve se desgrudar de mim e, no dia que você finalmente se arrepender da sua desobediência, eu estarei de braços abertos para acolhê-lo e elevá-lo aos céus. Saiba que…

A mãe de João interrompeu sua linha de pensamento, virou as costas para ele e voltou a comer o macarrão antes que esfriasse. Parecia que algo a estava incomodando, mas não saberia dizer o que era exatamente. Então, ao terminar o almoço, decidiu observar seu filho de novo. Os olhos dela vagavam pela aparência pálida e franzina do menino, reparavam em cada detalhe dos cabelos ralinhos quase caindo ao chão, as pernas em uma tremedeira inconstante e as pupilas levemente dilatas que insistiam em permanecer em sua face, iguais a uma pessoa tensionada ao assistir um filme de suspense.

― Estou te achando um tanto fraco. Vou fazer mais comida.

Ele balançou a cabeça repetidas vezes, afirmando que já estava satisfeito.

Ela insistiu. Voltou a preparar um caldeirão cheio.

Alguns minutos se passaram e João ficou praticamente imóvel, sentado no chão, aguardando o outro prato chegar. Sua mãe havia terminado de preparar a comida e, com o caldeirão recém retirado do fogo, colocou sobre as pernas cruzadas do menino. Ela ficou em pé, olhando fixamente para ele, queria vê-lo comer até o último pedaço daquela refeição. Sua face já não demonstrava qualquer expressão, estava completamente apática, não sentia mais pena, não mostrava algum sinal de tristeza, raiva ou mesmo felicidade.

Estava tão consumida pela pressão de deixar seu filho perfeito perante a visão de Deus que nem se importava em como castiga-lo. Em sua concepção, a aparência enfraquecida do menino era um claro indício que as influências do inferno estariam agindo para poder retirá-lo de sua proteção divina. Por esse motivo ela colocou o caldeirão fervendo perto dele, acreditava que seria uma maneira eficaz de queimar e expulsar as entidades maléficas que se aproveitavam da inocência de João. Uma forma nada ortodoxa de purifica-lo.

― Come logo ― ela falava.

Seu olhar continuava direcionado nos movimentos dele.

― Quero ver você comer essa comida agora ― a voz ficava ligeiramente mais alta e em um tom cada vez mais autoritário.

João, tentando controlar os braços trêmulos, se esforçava para comer mais um pouco, mesmo contra a própria vontade. Sua pele começava a sentir pequenas pontadas, um formigamento que parecia não ter fim. Estranhamente, presenciou uma sensação refrescante no corpo que, de forma abrupta, deu espaço a um calor excruciante. Os pelos se arrepiaram com aquela intensidade vinda da panela, a evaporação da água desmanchava os curativos do joelho, deixando as feridas completamente expostas. Ele tinha começado a dissociar daquela experiência quando um barulho ensurdecedor passava a atingir a casa.

― Malditos abutres. Tá vendo o que você fez? Tão vindo te buscar agora ― ela apertou os passos em direção ao quintal, pegando uma espingarda que estava escorada na parede pelo caminho.

Longe dos olhares de sua mãe, João aproveitou o breve momento para retirar aquela panela de perto. Ao olhar para o quarto, percebeu que o objeto que havia escondido estava disposto visivelmente sobre o chão, precisava pegar de volta antes que ela percebesse. Tentou se levantar, mas suas pernas já não suportavam mais o peso de seu corpo, então começou a fazer força com os braços para se arrastar pelo piso da cozinha.

Ouviu um tiro.

João saiu do quarto e se arrastou de volta o mais rápido que pôde.

Ouviu o segundo tiro.

O barulho foi tão alto que fez João derrubar o objeto no chão. A queda fez com que o aparelho retangular de tela inicialmente preta começasse a emitir algumas luzes coloridas, o chamando a atenção. Ele se distraia com a descoberta desse novo brinquedo, era um mundo muito diferente comparado à rotina que estava acostumado a vivenciar. Pressionava o dedo contra a tela, movimentando as pecinhas que caíam e as encaixando em uma pilha formada na parte inferior, o sorriso no rosto não escondia que estava gostando daquele joguinho. O tempo parecia que não tinha passado. Ficava tão concentrado em mudar de fase que não ouviu o barulho do terceiro tiro explodindo no quintal.

João encaixou um quadrado no centro.

Uma sombra aumentava de tamanho atrás do menino.

João via a peça em formato de “L” cair lentamente na tela.

A sombra se aproximava

João colocou uma peça comprida no canto à direita, em cima do quadrado.

A sombra ficou ainda mais perto.

― O que pensa que está fazendo?

O menino olhou para trás. Sua mãe o estava observando.

― Eu…. Eu…. Eu não aguento mais te mostrar o caminho certo e você destruir tudo. Quer saber? Você virou um peso pra mim, um castigo de Deus. Parece que faz de propósito. Sabe muito bem que era para ficar quieto até eu voltar ― ela esbravejava de raiva, tinha feito tudo o que podia para salvar aquele menino, mas a luta parecia perdida.

  Ela apontou a espingarda para João.

― Espírito das trevas, eu exijo que saia da vida dele. Em nome do Senhor, liberte-o de todas as provocações desse mundo terreno. Me deixe em paz. Recorro a ti Senhor. Peço ajuda para que me permita viver na perfeição de tuas obras, tua bondade. Me ajuda, Senhor. Me ajuda ― ela passou a rezar descontroladamente.

O ensolarado dia começava a apresentar as primeiras nuvens carregadas de chuva. O tempo pesava naquela região de uma forma que nunca tinha acontecido antes. Os primeiros raios rasgavam o acinzentado do céu, como um machado perfurando o tronco de uma árvore. O intenso barulho abruptamente invadia a calmaria que antes reinava naquele espaço, o suficiente para forçar uma família de corruíras a migrar para lugares cada vez mais distantes, pairando pelos galhos ressecados da chegada do outono.

Pouco se sabe acerca do que aconteceu com aquela família. Nunca tiveram vizinhos para contar algum relato. A casa foi lançada à sorte e, posteriormente, destruída pela ação incontrolável da natureza em um incêndio repentino. A pequena região ficou fadada ao completo esquecimento, ao abandono de suas memórias, à infertilidade da terra. Nada mais se produzia.  Nada mais bonito se via. Foi entregue aos vermes que se fartavam da podridão que restara naquele ambiente. Sobrou apenas um quadro guardado por entre os escombros, arte barroca de Rembrandt. Partia da história de um filho que, depois de vivenciar as misérias do mundo, voltou aos braços do Pai.

11 comentários em “O retorno do filho pródigo │ Victor Viegas”

  1. Olá, Tico, tudo bem?

    Resumo: a história de uma mãe altamente controladora do filho, fanática religiosa, que chega ao ponto de matá-lo ao fim da história por entendê-caso perdido, fadado à danação eterna.

    Comentários: o conto me lembrou um pouco algo que li da Flannery O’Connor, com um toque do macabro Horácio Quiroga – o que é um baita elogio hehe. É um conto muito bom. Você vai tornando verossímil o desfecho, que é assustador. O tema aparece só no final, quase ‘en passant’, mas não me parece problema definitivo.

    Alguma observações pontuais. O texto tem uns pontos muito bons, como, p ex: “No espaço entre a cozinha e a sala era possível observar um pequeno amontoado de grãos de milho ensopados em uma larga poça de sangue arregalei os olhos quando li”. Eu cheguei a arrepiar quando li. Há cenas e imagens, como a menção aos pássaros na seção final, muito bonitas. Vai se criando uma atmosfera de filme americano que se passa numa casinha afastada à margem da cidade… isso é uma virtude.

    Como crítica, o conto carece de revisão. Há errinhos aqui e acolá que não prejudicam a leitura. Além disso, achei que as falas do narrador, vez ou outra, destoavam do clima que se pretendia para a história. Parece o caso de um narrador mais seco e direto. Na frase “Enquanto sua mãe degustava um delicioso prato de macarrão no conforto da cadeira perto da mesa”, o que essa observação “delicioso” estaria fazendo aí e benefício do texto?

    Também me pareceu despropositada a menção a Rembrandt. Eu entendo e gosto de referências, mas esta, do jeito que apareceu no fim do texto, pareceu “jogada”.

    Parabéns pelo trabalho e boa sorte, Tico!

  2. É um texto forte, com a disposição dos personagens e de sua relação estabelecendo uma tensão que acompanha desde o início da narrativa. Em nenhum momento se acredita que o personagem está seguro e o estado de vigília sob o qual se encontra faz com que toda pequena atitude tenha uma atenção aflita do leitor. O texto prende linha a linha, mas há um problema, que acredito ser a falta de rumo. Não há uma indicação clara do que possa estar acontecendo com o achado do instrumento que João tenta esconder da mãe e, embora essa indeterminação pudesse servir como mistério, ficou me parecendo mais uma oportunidade perdida em que se desgastou a possibilidade de clímax. Ao invés de impacto, senti um fim repentino. A falta de amarração também refletiu na abordagem temática que, em última análise, parece ser a narração de como um lugar veio a ser abandonado, o que me pareceu muito tangencial e, portanto, prejudicial ao texto dentro do certame. Em resumo: bem escrito, o texto recebe minhas críticas nesses dois aspectos: tema e narrativa.

  3. Olá. Achei este seu conto perturbador. A história de uma mãe que maltrata e mata o filho em nome da religião é um exemplo bastante real, e triste, da atualidade. O retrato está bem construído, sem grandes descrições. O plano psicológico é privilegiado. O desfecho é brutal, mas fica em aberto, porque nunca sabemos o que acontece à mãe. Sabemos apenas que a casa fica abandonada, e aqui é feita a ligação ao tema. Tudo o resto fica em aberto. Será que no final a mãe se arrepende, ou foge de casa à procura de novos pecadores para doutrinar?

  4. O tema desse conto me lembrou algo que li sobre serial killers, sobre muitos crescerem em ambientes altamente isolados e restritivos em famílias fanáticas religiosas. É bem escrito e traz o impacto com o choque e um pouco de horror. Mas me parece difícil adequá-lo aos temas do desafio. O abandono só vem no final, e parece uma forma de tapar buraco. Talvez se adequasse melhor a algum outro desafio futuro.
    Boa sorte!

  5. EMA (Escrita, Método, Adequação)
    E: Escrita curiosa, um tanto poética, um tanto cotidiana. Bastante suave e melancólica, trazendo o suspense necessário para uma história que flerta com o terror.
    M: O desenvolvimento é excelente. Dá aquela sensação de que algo errado não está certo, apesar de terminar abruptamente, sem qualquer explicação. Esperava um pouquinho mais, confesso. Tipo o brinquedo abrir algum portal ou algo assim. O texto quase flerta com o panfletário. Ainda bem que permaneceu no campo fantástico.
    A: Então. Aqui a porca torce o rabo. Sim, está dentro de lugares abandonados, mas somente na conclusão. Está muito mais para um enredo sobrenatural do que noir, viagem no tempo ou abandono. Cumpriu a cota somente no fim.
    Nota: 8,0

  6. Afonso Luiz Pereira

    Oi, Tico Hontei, concordo com os outros participantes comentaristas que o nível de escrita deste teu texto é muito bom. Fica evidente a sua experiência e o domínio da narrativa. Mãe, uma fanática religiosa, quer expurgar os pretensos pecados e sentimentos impuros do filho através de castigos físicos, uma barbaridade aos olhos de qualquer cristão de bom senso, por mais fervoroso que seja.

    Dentro do correr da leitura, houve dois momentos que levei um drible na compreensão de algumas passagens, que me fizeram retornar para pontos específicos: o primeiro foi quando a mãe pegou o caldeirão recém retirado do fogo e “colocou sobre as pernas cruzadas do menino”, o que me levou a pensar que o fanatismo dela havia a levado para uma sandice extrema, até compreensível diante de uma mãe fanática deste nível, mas depois se verifica que o mesmo estava perto do garoto. O segundo foi o brilho do objeto no gramado, que me deu a impressão de algo próximo, no quintal da casa, mas estava muito mais longe. Sobre o objeto, dada a importância descritiva dele, logo pensei se tratar de algum item vindo do futuro, mas levei outro drible, desta vez por querer antecipar as coisas.

    Bom, apesar da ótima escrita, preciso dizer que, assim como a comentarista Kely, senti um gostinho de algo inacabado, como se esta narrativa tivesse sido retirada de uma história maior. Em relação aos comentários sobre o tema, infelizmente, devo dizer que não consegui enxergar de forma relevante nenhum deles, a não ser uma referência à parte final do abandono da casa depois de tudo ocorrido, o que suscita um questionamento pertinente: toda a trama ocorreu numa casa que não estava abandonada até então, dando a impressão de que o arremate foi feito para enquadrá-lo dentro do certame. De qualquer forma, a experiência da leitura foi válida, trouxe-me algum aprendizado.

  7. Uma mulher fanática religiosa e sádica tortura seu filho e acaba por matá-lo.

    Um conto bem escrito, mas que representou uma experiência de leitura incomum para mim. Não encontrei erros, nada a corrigir; o vocabulário é rico, com excelente domínio da linguagem. Mas, mesmo assim, minha leitura seguiu truncada, com alguma dificuldade. Precisei voltar a mesma frase algumas vezes, para entende-la. O final também me causou estranheza. Está claro o que aconteceu, mas fico com a impressão de que a história está inacabada.

    Quanto ao tema, não identifiquei. Não soou noir, não fala de viagem no tempo, tampouco de lugar abandonado. É só porque a casa ficou abandonada depois de tudo o que aconteceu? Se for, resvalou no tema apenas, com algo que me parece um tanto forçado.

    Acho que faltou alguma coisa. São apenas dois personagens: rapidamente, detestamos um e sentimos pelo outro. Senti falta de um pouco mais de complexidade nos personagens. A história segue por um sentido e nele vai até a última linha, sem surpresas. Tudo em preto e branco, sem tons de cinza.

    Enfim, talvez a minha sensação seja a de que a qualidade da escrita esteja muito superior à trama e seja este o motivo de minha estranheza.
    Estranhezas à parte, é uma ótima participação e desejo-lhe boa sorte.

  8. Andre Domingos Brizola

    Salve, Tico.
    Um conto muito bem escrito sobre uma situação não muito ficcional, sobre o abuso autoritário/religioso de uma mãe sobre um filho, que chega a um derradeiro ato de violência.
    Como disse, é um conto muito bem escrito. Não notei nada muito grave com relação à parte da correção gramatical, e só me encasquetei com a construção “começasse a emitir algumas luzes coloridas, o chamando a atenção”, que poderia ter sido melhor composta. Todo o resto, se apresenta algum erro, ou algo que poderia vir melhor escrito, não incomodou minha leitura.
    O enredo é bastante enxuto e bem tratado dentro do limite das três mil palavras. É duro e bastante cruel, mas bastante realista. Acho difícil basear um conto assim, com tão poucas personagens e tão poucos cenários, mas essas dificuldades não atrapalharam a sua narrativa.
    Minha crítica é a seguinte, em qual dos temas do desafio ele se insere? Sério, não consegui qualifica-lo como noir, como local abandonado ou como viagem no tempo. Caso o tema seja lugares abandonados, porque a casa ficou abandonada no final do conto, tenho que dizer que a relação com o tema é muito, muito tênue.
    De forma geral achei que é um bom conto e que gera uma boa experiência de leitura. Mas não acho que seja um conto adequado ao certame, uma vez que o tema não aparece como elemento relevante.
    Bom, é isso. Boa sorte no desafio!

  9. Filho é executado pela mãe fanático-religiosa.

    Bom domínio da língua. Domínio acima da média das técnicas de narração, mas ainda assim não excepcional. Enredo que se pretende noir, mas que ficou a dever um pouco. Elementos elogiáveis de crítica ao fanatismo religioso. Parágrafos finais que precipitam o desenlace do enredo em uma série de imagens que se pretendem belas mas que esbarram no piegas e no forçado, com direito à menção a Rembrandt.

    1. Olá Anderson!

      O conto não possui características que tendem ao estilo noir. Em relação às três possíveis temáticas do desafio, é explorado a história de um lugar que ficou abandonado, embora não seja a parte principal do enredo.

      Agradeço pelo comentário,

      Tico Hontei

  10. Antonio Stegues Batista

    O RETORNO DO FILHO PRÓDIGO- A história principia com uma descrição longa sobre a mãe tratando os ferimentos do filho. Feridas que ela mesma ajudou a provocar, e fica satisfeita com a dor dele. O tom poético da frase é incoerente com a ação dramática, mas isso não diminui a força da narrativa.
    A mãe usa álcool para limpar a ferida justamente para causar mais dor. Ela quer salvar a alma do filho do inferno como se ele, em sua curta e miserável vida, estivesse carregando um grande fardo de pecados,
    O nome da mãe não é mencionado, talvez porque encarna o próprio mal e não mereça um nome, nem ser chamada de mãe. No seu fanatismo religioso acha que a aparência debilitada do menino é causada pelas entidades maléficas do inferno. Os abutres rondam a casa e pousam no telhado atraídos pelo fedor que vem lá de dentro. A mulher ignora os cuidados com a casa, com a higiene. Transforma o lar num ambiente tenebroso, cheio de imundícia, um verdadeiro inferno.
    João acha algo para brincar e isso é motivo para a mulher ficar tão furiosa a ponto de matá-lo. Descarrega nele toda a sua loucura e frustração. Provavelmente sucumbe pelo próprio pecado.
    É uma história bem escrita, com cenas fortes. Uma história verossímil que mostra como o fanatismo religioso faz uma pessoa passar dos limites da razão e da realidade.

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