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Dinossauros sonham com arranha-céus? │ Victor O. de Faria

1. Bak

 O sol estava apino. Suor escorria por seu rosto quadrado. Os pernilongos zuniam em uníssono. Bak, ao ver que o tiranossauro rejeitara a caça, franziu a testa. A manhã toda escondido naquela floresta enlameada só serviu aos mosquitos. Devia ser culpa do tempo ou, quem sabe, do vulcão Clank-Tuk-Tuk. Aquele gigante acordado estremecera o vale nos últimos meses, sem qualquer aviso prévio. O tiranossauro olhou para a mata onde o homem estava, elevou as narinas por um instante e desistiu, derrubando os galhos que insistiam em bloquear seu caminho. Bak acariciou a montaria, mordendo os lábios. Mais um dia em que o rei assegurava seu trono.

2. Nestor – Parte 1

Nestor sempre fora um zelador exemplar. Bem disposto e de bem com a vida, cumprimentava todos os funcionários que chegavam à empresa, desde o estagiário mais novo até o CEO mais antigo. O prédio em espiral, imponente e suntuoso, quase tocava as nuvens. “CRETA – A empresa do Amanhã” brilhava sob os raios da aurora. Nestor acenou.

Sua melhor amiga, uma indiana fisicista experiente, de nome Aruna, devolveu-lhe o sorriso amistoso. Responsável pela “Máquina Geracional”, a jovem exalava conhecimento, tanto em seu estilo como em sua atitude. Sempre carregava consigo uma maleta executiva, vintage demais para seu gosto. Nestor já não era mais um garoto, pretendia se aposentar naquela mesma semana, mas nutria certa afeição por ela.

Assim que Aruna desapareceu de vista, soltou a respiração e deixou a gravidade retomar seu trabalho: sua coluna voltou à posição original e as saliências cresceram dentro daquele terno desconfortável. O andar quarenta e dois era tão enigmático quanto seu número. Contou dez minutos no relógio e subiu. Precisava ter certeza de que a sala estava impecável. Aquele era um privilégio do qual se orgulhava muito.

O elevador fez um silvo. As portas se abriram. Digitou o número mágico e aguardou. Como uma criança na montanha-russa, Nestor encostava o rosto no vidro, enquanto a cápsula se encarregava de contornar as espirais. A paisagem era inspiradora. CRETA não era uma empresa convencional, embora trabalhasse com tecnologia. “Ciência de Fronteira” não significava nada aos seus ouvidos, mas sabia que os lucros falavam mais alto. Sua principal base de operações ficava exatamente em cima de uma montanha, tendo uma floresta natural aos seus pés, conhecida por ser o lar de um imenso vulcão adormecido, bem longe da civilização.

As portas se abriram. Nestor aproveitou que Aruna estava na sala do café e andou rapidamente até o saguão. A ala panorâmica interna permanecia escura. Um vidro espesso protegia a famosa Máquina Geracional, um conjunto de elipses, fios e comutadores empilhados, com botões e sensores que mais pareciam uma estação de TV. Para ele, tudo aquilo era um enorme transistor de rádio dos anos cinquenta.

Passou a mão na mesa da “chefa”. Tudo limpo. Verificou o piso. Bem encerado. Mas aquele botijão de água não devia estar ali. Esfregou as mãos, endireitou as costas e levantou de forma desengonçada o aparato, bem no instante em que Aruna entrava na sala. Com o susto, Nestor se desequilibrou. Com a leve inclinação do prédio, o precioso líquido encontrou seu fatídico destino: o emaranhado de fios que se conectavam diretamente à Máquina Geracional.

Nestor largou o botijão depressa, retirou um lenço do bolso e pôs-se a secar os tubos. Aruna, com um forte remorso pela segunda vez, largou o café e correu em sua direção, fazendo gestos incompreensíveis. Foi preciso apenas um breve curto-circuito para que um instante durasse milhões de anos. A espiral rangeu em agonia. CRETA estremeceu. O brilho azul da máquina delirante os cegou por um minuto. Nestor deu um pulo quando viu no que se apoiava. Aruna gritou.


3. 66.000.000 A.C.

 

Dilofossauros eram ágeis. Por isso, naquela longínqua manha chuvosa, a camuflagem de um tiranossauro inteligente nos musgos gigantes de uma encosta de um vulcão era algo notável. Seu olfato aguçado compensava a visão ruim. Os relâmpagos ao fundo encobriam sua pesada respiração. O som do trovão não o abalava. Aquela era uma presa fácil enquanto se chafurdasse na lama.

Quando estava prestes a abocanhá-la, um clarão hediondo se fez presente. O raio caiu bem em cima da criatura, iluminando sua face… Mas a descarga iônica não desapareceu. Contrariando a lógica, aumentou ao ponto de encobrir o vale inteiro. As penugens do tiranossauro dançaram ao movimento da brisa fúnebre, brisa que logo se tornou um furacão. Foi sugado pelo vórtice sem aviso.

Entre brilhos cintilantes e cores opacas, era a primeira vez que sentia a sensação de estar voando. Foi atingido por partículas inomináveis. Seu único olho bom se abriu. Tudo aquilo estava além da compreensão de seu diminuto cérebro. O que era aquela voz em sua consciência?

Parecia atravessar um oceano arco-íris, sendo levado pela correnteza astral. Eram estrelas. Como sabia disso? De repente, sua pele murchou, descamou e caiu. Em pouco tempo havia uma nova pele. “O que era o tempo, afinal”? Seu minúsculo cérebro criava novas conexões e se expandia. A viagem parecia terminar no início, por vezes, parecia iniciar no término. Teve um vislumbre de um enorme arranha-céu. Outras conexões surgiram. Sua inteligência evoluía de forma espantosa enquanto atravessava os grandes períodos.

O Triássico passou. O Jurássico se foi. O Cretáceo surgiu. Uma massa absurda de matéria se acumulou e atingiu a Terra com fúria. Um meteoro de dez quilômetros dizimou a vida conhecida (fez questão de guardar aquela data em sua novíssima memória). A era Cenozoica se fez presente, em seguida o Quaternário para, finalmente, atingir a era Contemporânea.

Estava diferente. Muito diferente. Ainda não conseguida falar. Mas toda aquela experiência de milhões de anos em segundos o transformara para sempre. Era a espécie mais inteligente naquela sala depois do homem… Fungou a mão quente apoiada em suas narinas.

4. Nestor – Parte 2

 

Nestor deu um pulo quando viu no que se apoiava. Aruna gritou. O tiranossauro, um tanto desnorteado, andou alguns passos até a porta, esmagando cadeiras, mesas, pastas e o que houvesse em seu caminho. Que cheiro estranho era aquele? Era a primeira vez que respirava um ar tão poluído. Seria a mesma floresta onde ele, naquela manhã, havia perdido a caça? Devia ser culpa daqueles… Daqueles… O que eram mesmo? Nestor, inocentemente, agarrou a vassoura e tentou espantá-lo. Naquele mesmo instante, três Dilofossauros espertos atravessaram o portal, agarrando-se à oportunidade de vingança. No entanto, assim como “Rex”, também evoluíram na passagem.

Aruna recuperou o fôlego e procurou analisar a situação friamente. Aquela era uma cena tão incomum que, se não fossem as circunstâncias, daria uma ótima piada. Amaldiçoou aquele pensamento, mas pegou-se rindo sozinha, sem motivo (ou teria?).

O som de metal retorcido ecoou pela estrutura. O prédio estremeceu mais uma vez. Apesar do estágio avançado, os instintos mais primitivos ainda comandavam suas “mentes inferiores”. Rex se dirigiu ao elevador. Não entendia muito bem como tudo aquilo funcionava, mas seu novo cérebro se encarregou de dar o contexto. Apertou o botão do térreo. “Uma letra agradável”, pensou. Acostumados a terremotos na região, os funcionários só acionaram o alarme quando viram um tiranossauro descendo o elevador transparente, apreciando a paisagem de forma serena – uma cena tão insólita quanto o vulcão expelindo suas primeiras palavras depois de acordar do revigorante sono de sessenta e seis milhões de anos. A formação geológica estava ativa.

Num rompante juvenil, Nestor agarrou um dilofossauro pelas crinas e montou em suas costas. Era algo impensável, mas Aruna fez o mesmo. Os animais, um tanto desnorteados, deixaram-se levar pelo momento. Precisavam sair dali o mais rápido possível. Uma rocha atravessou o vitral e atingiu em cheio o maquinário. A dupla deslizou rapidamente até à escadaria de emergência. Fazia muito tempo que Nestor não sentia tanta adrenalina – esperava que seu coração aguentasse a descida.

No térreo, Rex analisava a água do bebedouro na sala de espera. Bastava encostar as garras na manivela que o precioso líquido surgia. Fez isso várias vezes. Um estagiário curioso e imprudente filmou a cena improvável. O tiranossauro parou o que estava fazendo e analisou a criatura. Era aquela espécie que os substituiria? Pareciam tão frágeis! Onde estavam suas garras? Então foi atingido pela lembrança de um gigantesco meteoro, e como uma civilização inteira (a sua) tinha virado pó. Percebeu que o vulcão expelia impropérios de seu tempo, como um velho rabugento.

Esticou as patas e correu em direção ao jovem desprovido de bom senso. Bartolomeu Kent Júnior (ou Bak, como preferia) ajeitou os óculos e sorriu desajeitado. Nestor e Aruna apareceram logo depois, cavalgando os animais indefesos. Bak acenou entusiasmado e correu em direção à porta. Pedaços de rocha incandescente atravessaram a sacada interna.

Lá fora, centenas de funcionários desesperados gritavam ao se empilharem no trem de evacuação. Era uma longa descida até a base da montanha. A espiral entortou mais um pouco. Os três observaram o grande farol se apagar. A Máquina Geracional, num último arroubo voraz, levou consigo o andar quarenta e dois. Ao fundo, o monstro de apetite milenar engoliu sua presa tecnológica. O vulcão estava com fome. O terceiro dilofossauro surgiu, tropeçando nas vigas.

O teleférico estava lotado e o trem já havia saído. Bak observou as duas figuras, encarou o dilofossauro “vazio” e não pensou duas vezes. Vestiu a mochila e também subiu na criatura.

O grandioso e imponente prédio da CRETA derreteu em agonia, engolido pelo borbulhar constante da “ira dos deuses”. A natureza cobrava seu preço. Somente a Máquina Geracional resistia – um fraco pontinho azul em meio ao laranja selvagem (suas ligas de titânio se provaram um acerto). Um arqueoptérix contemplou o horizonte, sacudindo suas asas queimadas. Nestor coçou a barba e retirou do bolso um conjunto de folhas amassadas que o pinicavam sem dó. O vento se encarregou de levar embora sua aposentadoria.

 

5. Clank-Tuk-Tuk


Ar puro. Não sentia isso há muito tempo. Nestor esticou as costas, deu um longo e belo bocejo e verificou os pilares de bambu. Estavam firmes. Seus anos de escoteiro ainda serviam. O acampamento ao sopé da montanha resistia aos eventos recentes. O rio de lava havia encontrado outra saída. Aruna os havia deixado ainda naquela manhã. Precisava conversar com as “autoridades” sobre o ocorrido. Nestor não a impediu, ainda mais depois do abraço apertado. Bak se irritou com a falta de internet. Queria ser o primeiro a publicar o encontro com o passado. Já tinha até pensado no título: “Jovem encara dinossauro faminto. Olha no que deu!”.

Os pensamentos se direcionaram ao topo da montanha quando ouviram um estalar monstruoso. “Clank”. Mais um andar do prédio se fora. “Tuk”… A máquina pulsava em frenesi. “Tuk”… Parecia um tambor distante. “Clank-Tuk-Tuk”. Uma melodia infernal. Os circuitos resistiam. A cada meia-hora era possível ouvir o som de um arranhar crepitante. Teriam de se acostumar.

 

6. A Máquina Geracional

 

— Como assim isso era previsto e não me avisaram? – Indagou Aruna, impaciente.

— Doutora. Você tem que entender que a CRETA possui várias esferas de autoridade. – Disse a voz masculina, projetada numa tela em branco naquela mesa solitária em que Aruna se encontrava.

— O projeto tinha seus riscos. Mas plenamente calculados. – Soou uma voz robótica ao fundo, na segunda tela.

— Seu papel era encontrar alguém em que pudéssemos confiar plenamente; e que essa pessoa seguisse cegamente nossos ideais. – Conclui a voz feminina, na terceira tela.

— Eu… Tenho essa pessoa. Uma ótima pessoa, aliás. – Respondeu Aruna, com um forte remorso pela terceira vez.

— Então? Cumpra seu papel! A mídia vai querer um bode expiatório tão logo a notícia se espalhe. Dê-lhe o título de sócio administrativo, dono honorário ou sei lá o que vocês usam atualmente. E, convenhamos… Um tiranossauro, três dilofossauros e um arqueoptérix soltos por aí já dizem muita coisa. – Concluiu a voz masculina.

— Minha meta era construir um centro de energia renovável! E não isso! – Exclamou Aruna.

— Por isso você se desviou do plano original? Tão teimosa… – Suspirou a voz feminina.

— Pessoas! Acalmem-se, por favor. Aruna foi escolhida por sua inteligência e competência. Ela vai dar um jeito, tenho certeza. – Acalmou a voz robótica.

A sessão foi encerrada naquele momento. Ela, um tanto desolada, contemplou a enorme mesa vazia onde o Conselho se reunia somente por videoconferência. Nunca tinha visto seus rostos. Ela sempre entrava sozinha e saía sozinha daquela enorme sala esterilizada, guardando o aparelho enigmático recebido anos atrás, escondido numa maleta simples, vintage. A voz robótica, apesar de sempre mais sensata, lhe causava arrepios. Só não sabia o motivo… Ainda.


7. Cretáceo

Um ano se passou desde o incidente e, embora nada tão grande tivesse surgido da máquina, insetos de tamanho anormal, répteis e alguns filhotes curiosos ainda completavam a travessia semiaberta, todos os dias. No que restara do prédio, saqueadores e pichadores completaram o serviço. O que um dia fora um enorme centro científico empresarial, hoje se encontrava aos pedaços, sendo engolido lentamente pelo vulcão Clank-Tuk-Tuk a cada lua crescente. Na placa de entrada um pequeno aviso trazia um alerta: ao lado da palavra CRETA, CEO aparecia pichado em tinta petróleo.

 

8. O Presente

O sol estava apino. Suor escorria por seu rosto quadrado. Os pernilongos zuniam em uníssono. Bak, ao ver que o tiranossauro rejeitara a caça, franziu a testa. A manhã toda escondido naquela floresta enlameada só serviu aos mosquitos. Devia ser culpa do tempo ou, quem sabe, do vulcão Clank-Tuk-Tuk. Aquele gigante acordado estremecera o vale nos últimos meses, sem qualquer aviso prévio. O tiranossauro olhou para a mata onde o homem estava, elevou as narinas por um instante e desistiu, derrubando os galhos que insistiam em bloquear seu caminho. Bak acariciou a montaria, mordendo os lábios. Mais um dia em que o rei assegurava seu trono.

De um jovem imprudente a um treinador selvagem, Bak havia percorrido um longo caminho. Já adulto e mais consciente de seus atos, procurava ajudar a sociedade a se adaptar à “nova era dos dinossauros”, quer eles quisessem, quer não. Retirou a mochila das costas e vasculhou os suprimentos. Encontrou uma coleira que permitia comunicar-se com seu cachorro. Aquela relíquia servia apenas para traduzir latidos em palavras simples. Nem sempre funcionava. “Inútil”, pensou. Bak jogou a quinquilharia na clareira e suspirou, consternado.

Rex não se importava muito com os humanos, afinal, eram seres inferiores. Mas sua tecnologia sempre lhe chamava a atenção. Já havia testado algumas coisas, mas nada que servisse ao seu propósito. Tinha plena consciência de que suas pequenas mãos serviam apenas para caçar. Aquilo o irritava profundamente. De que adiantava um cérebro tão grande e mãos tão pequenas?

Foi aí que virou a cabeça e notou o estranho aparelho jogado no chão. Não resistiu. A curiosidade falou mais alto. Deu meia-volta e cuidou para manter certa distância de seu humano conhecido. Bak parou o que estava fazendo. Rex fungou a coleira e fez menção de juntá-la. O aparelho ficou preso em suas garras. Sacudiu tanto que as amarras entraram em funcionamento e cercaram seu antebraço, numa espécie de pulseira.

— PRAGA! – Ouviram os dois.

Bak o encarou de olhos arregalados. Rex fez o mesmo. Sua voz soava um tanto robótica, mas já era um começo. O humano fez um gesto tímido, nervoso, quase um “joinha” improvável. O dinossauro tentou imitá-lo, sem sucesso.

 

8. O Futuro

 

O futuro de uma espécie inteira (não humana) estava assegurado desde que a Máquina Geracional funcionasse conforme o previsto. Já havia estudado muito a cultura do homem, sua ciência, sua arte e filosofia, e sabia que qualquer paradoxo poderia lhe custar a vida. O que estavam fazendo era apenas transportar criaturas do passado para o futuro – ou seja, seu presente. Nada que colocasse o universo em colapso. Contudo, era necessário mais do que isso. Sua “mente completa” o alertava constantemente.

Rex deixou “por escrito” a fórmula básica daquele evento, bem como a ficha técnica gigantesca da Máquina Geracional. Escolheu Bak como embaixador da raça humana e a Doutora Aruna como supervisora do projeto final – projeto que consistia em realizar o inverso: utilizar a mesma máquina para enviar informações confidenciais ao passado…

Assim, nas ruínas ao sopé do vulcão Clank-Tuk-Tuk, o novíssimo arranha-céu CRETÁCEO brilhava sob os raios da aurora, com Rex como diretor-administrativo (utilizando um terno para fins de interação humana, mas que causava mais risos do que qualquer outra coisa), Bak como supervisor geral do programa e Aruna, como a principal responsável por criar o “unificador transiente de pensamentos tridimensionais”, uma forma de se comunicarem com o passado, embora não pudessem estar presentes em sentido físico. Um aparelho enigmático que caberia numa simples maleta executiva, vintage.

O planeta nunca estivera tão verde e tão concentrado em energia limpa, e a humanidade nunca esteve tão unida em sobreviver (afinal, dinossauros inteligentes poderiam tirar o emprego de seus filhos). Aruna concordava com os efeitos de longo prazo. A Terra tinha espaço para todos.

Agora só precisava encontrar alguém teimosa o bastante para dar prosseguimento ao projeto no passado e que não questionasse as instruções do Conselho (uma equipe formada por Rex, Bak e Aruna, projetados numa tela em branco, trinta anos atrás). Ou seja… Ela mesma.

 

9. Nestor – Parte 3


Nestor sempre fora um zelador exemplar. Bem disposto e de bem com a vida, cumprimentava todos os funcionários que chegavam à empresa, desde o estagiário mais novo até o CEO mais antigo. O prédio em espiral, imponente e suntuoso, quase tocava as nuvens. “CRETA – A empresa do Amanhã” brilhava sob os raios da aurora.

Mal sabia ele que, naquela manhã, seu nome estaria registrado num importante pingente trinta anos no futuro, pendurado de forma displicente naquele pescoço jurássico-contemporâneo, dentro de um terno rasgado e icônico.

Nestor era a peça-chave do plano. E Aruna sabia bem ao iniciar aquela amizade. Ao entrar na sala do café naquela manhã (conforme instruções recebidas há muito tempo atrás) sentiu um forte remorso pela primeira vez.

 

10. Nestor – Parte 4

 

Nestor se tornaria o CEO da empresa naquele mesmo fim de semana. E com tantos dinossauros indo e vindo, formularia a pergunta que levaria consigo até o fim de sua vida, alguns anos depois: “Dinossauros sonham com arranha-céus?”. Rex, seu novo melhor amigo, diria que sim.

10 comentários em “Dinossauros sonham com arranha-céus? │ Victor O. de Faria”

  1. Olá, Nestor.

    Resumo: um pequeno acidente gera curto-circuito numa Máquina do Tempo, criando um portal entre duas eras. Homens e dinossauros agora estão juntos numa viva sobreposição de tempos.

    Comentários: mais um conto espetacular. Gostei demais, Nestor. Ficção científica da melhor qualidade com o pouco espaço que havia. É certo que não se consegue dar tanta profundidade aos personagens, mas isso não importa tanto. Um conto pode ter foco no enredo em detrimento dos personagens. Mesmo assim, Aruna é uma personagem bem boa. Gostei demais da estrutura em capítulos curtos e cíclicos e/ou sobrepostos.

    Eu adoro essas recuperações de frases no texto. Essa criação de camadas que vão, voltam, se sobrepõem; a primeira frase é inexplicada, aí vem outra narração que a explica, então se retorna à frase original. Ocorre a primeira vez em “Nestor deu um pulo quando viu no que se apoiava. Aruna gritou”. Depois, trechos maiores são repetidos, como o início do “primeiro” capítulo 8 (já fica como crítica – a não ser que eu não tenha percebido algum propósito por trás disso – de que há uma repetição na contagem dos capítulos)

    O conto tem frases exemplares, como “Foi preciso apenas um breve curto-circuito para que um instante durasse milhões de anos”. Além de tudo, se vale muito bem do humor, mostrando quais as intenções da narrativa (no fim das contas, algo leve, divertido, mas também com ambições): “Apertou o botão do térreo. ‘Uma letra agradável’, pensou”; “utilizando um terno para fins de interação humana, mas que causava mais risos do que qualquer outra coisa”; “O vento se encarregou de levar embora sua aposentadoria.”… isso tudo é muito bom.

    Os paradoxos também são bem trabalhados, o looping, a brincadeira com CRETA/CRETÁCEO. Pra mim, que não sou um leitor tão assíduo de ficção científica, parece tudo bem corretinho.

    Agora… começar o texto com “sol apino”? Eu estou doido ou o correto é “a pino”? Te algo por traz dessa aglutinação?

    Parabéns pelo excelente trabalho, meu caro, e boa sorte no desafio!

  2. Conto bem escrito. Acredito que a fragmentação em muitos capítulos curtos tenha prejudicado a fluidez do texto, deixando um pouco confuso e maçante.

    Boa sorte no desafio!

  3. O título e a premissa são intrigantes, mas a execeução, atabalhoada em desnecessários capítulos breves, esvazia o texto de seu potencial. Os personagens, demasiados e atravessados por mais situações do que o texto consegue dar conta, findam rasos, resumidos ao que a narrativa demanda deles. O recurso do loop não garantiu um impacto, já prenunciado pelo uso do itálico para demarcar o ponto de retorno, o que aliás achei bastante desconfiança do autor para com o leitor. Enfim, embora o tema seja completamente abordado, é essa abordagem que achei imaginativa, mas sem preocupação com os demais pormenores que fizessem da história mais envolvente.

  4. Olá, Nestor. Para começar, envie por favor cumprimentos meus ao Zé Carioca. Depois de ler este seu conto, que tinha um potencial incrível, fiquei com sérias dúvidas. Primeiro, pela existência de um homem no tempo dos dinossauros, sendo que o homem só apareceu muito tempo depois. Essa coincidência temporal pode ter sido propositada, um efeito da viagem geracional proposta. Gostei deste conceito. Não há uma viagem temporal mas uma fusão de dois planos temporais, assim se evitam os paradoxos que tanto me irritam nas histórias de viagens no tempo (se eu viajo para o passado e tenho a possibilidade de o alterar, posso estar a alterar a razão da minha viagem, e se esta não acontece não consigo mudar nada – grande dor de cabeça, desisto).

    Quanto ao seu conto, achei-o interessante, principalmente depois de me libertar dos clichés relacionados com filmes do tipo Parque Jurássico. Neste seu conto, os dinossauros são criaturas cuja inteligência não fica nada a dever à do homem. Depois, há o “zelador” (termo que não usamos aqui em Portugal) que se transforma em CEO da empresa depois do acidente que provoca. Não consigo digerir esta parte. Sei que estamos perante uma crítica social, mas achei demasiado fora de tom relativamente ao resto do conto.

  5. Interessante a escolha pelo surrealismo cômico e pela estrutura não linear. São coisas difíceis de trabalhar, mas aqui funcionou bem. Meu problema é mais com a escrita, que as vezes soa simplória demais e pouco polida, o que gera um ritmo um pouco atropelado de leitura. Parece mais um conto-novela(vide a separação em capítulos), e talvez fique mais fluido com um texto mais longo.
    Boa sorte. A ideia é muito boa e divertida!

  6. Um acidente causa um evento de alcance mundial que acaba por criar dinossauros inteligentes.

    Um conto perfeitamente dentro do tema viagem no tempo.

    Escrita correta, exceto pelo “sol apino”, que eu quis ler como “sol alpino” de qualquer jeito.
    A divisão do conto por mini capítulos poderia ter tornado a leitura confusa, mas a habilidade do autor não permitiu. O resultado foi dinâmico e ágil, uma história contada em pílulas.

    Gostei especialmente dos momentos em que a história voltou para o começo e vemos o loop completando mais uma volta. Também curti a referência ao segundo remorso da Aruna, o que já indicava de cara que as coisas não eram tão simples.

    Uma leitura inventiva, criativa e divertida.

    Parabéns e boa sorte no desafio.

  7. Andre Domingos Brizola

    Salve, Nestor.
    Um conto de difícil assimilação. Não porque tenha uma trama/enredo complexo, e sim pela opção do autor em fragmentar a narrativa em diversos capítulos e pontos de vista, o que achei que comprometeu bastante a experiência de leitura.
    Com relação à parte gramatical o texto está OK, precisando apenas corrigir o sol “a pino”, que foi grafado “apino” em suas duas aparições. Também fiquei em dúvida com relação à “Como uma criança na montanha-russa, Nestor encostava o rosto no vidro”, já que não me recordo de ter visto alguma montanha-russa com vidro, ainda mais para se encostar o rosto, uma vez que a trepidação e a velocidade poderiam gerar graves danos a quem fizesse isso. Será que aqui não seria roda-gigante?
    Já a trama tem lá sua parcela de atratividade, com suas idas e vindas dentro da trama do tempo, algo interessante que me remeteu ao grande clássico O Fim da Eternidade, do Asimov, embora sem a crítica social.
    Mas tenho que admitir que o ritmo proposto pelo conto não me agradou. Como citei antes, o texto ficou por demais fragmentado, o que tornou a leitura algo penosa para mim. A quantidade de personagens é outro fator que acabou prejudicando o desempenho do roteiro.
    É um conto que atende a proposta do certame, certamente, mas que carrega consigo, talvez, uma necessidade por mais do que o limite de três mil palavras para alcançar plenamente seu potencial.
    Bom, é isso. Boa sorte no desafio!

  8. Antonio Stegues Batista

    Dinossauros sonham com arranha-céus?
    O título é parecido, ou tem uma referencia ao livro de Philip K. Dikc.
    No capítulo 1, prólogo= O Sol estava à pino quando Bak em sua montaria, observava um dinossauro ( e não apino).
    Pensei que a ação se passasse no Mesozoico, época dos dinossauros, mas naquele tempo o Homem não existia, tampouco o cavalo. Então, imaginei que Bak seria um viajante do tempo futuro e que o animal é outro animal e não o cavalo. No entanto adiante na leitura, descubro que o prólogo é uma projeção do Presente.

    No capítulo 2= sou apresentado a Nestor, zelador de um prédio da CRETA- Empresa do Amanhã, que se localiza sobre um vulcão extinto(?). Ele gosta de Aruna, nome que significa, aurora, nascente. Aruna é uma cientista da CRETA- Empresa do Amanhã, que construiu uma máquina de energia renovável. Por descuido Nestor causa um acidente e a máquina se transforma num portal do Tempo e acaba sugando animais do Passado para o Presente. A máquina também provoca uma erupção de lava na montanha. O prédio começa a ser destruído.

    No capítulo 3 = 66.000.000 Antes de Cristo, é descrito, ou escrita, a captura e viagem do Tiranossauro Rex (também conhecido por T Rex) para o Futuro/Presente e como ele sofre uma evolução mental. Me pareceu que as datas e períodos não correspondem à verossimilhança

    No capítulo 4, ou Parte 4= todos fogem do prédio, e da erupção montados nos dilofossauros. Não sei como foi possível montar em predadores carnívoros. Nessa viagem para o futuro, o tiranossauro rex evoluiu, passa a ter inteligência, começa a se comportar como humano. Todos fogem da erupção e o dinossauro entra num elevador e eu fico imaginando como o T Rex coube no elevador.

    Capítulo 5 = apesar da erupção, a máquina continua funcionando e Nestor constrói um abrigo, enquanto Aruna é convocada para uma reunião com os enigmáticos Conselheiros.

    Capitulo 6 = a reunião com os Conselheiros entra na história para eles esclarecerem algumas coisinhas com palavras não tão claras e compreensíveis. Fica o dito pelo não dito.

    Capítulo 7= temos a imagem da destruição do prédio e o fluxo de Viajantes do Tempo, Tiranossauros, diplodocos, pterossauros e outros sauros.

    Capitulo 8= temos a Nova Era dos Dinossauros e voltamos a ação do prólogo, ou capítulo 1.

    Capitulo 8 que deveria ser 9 = a Nova Era dos Dinossauros continua conforme o Plano, elaborado por quem? Aqui temos algumas explicações sobre o que realmente acontece.
    Os dinossauros se adaptam ao mundo novo/velho, considerando a raça humana seres inferiores (se são inferiores não sei como Bak se tornou rei). Surge uma realidade alternativa “(…) dinossauros inteligentes poderiam tirar o emprego de seus filhos(…)” Dinossauros vestindo ternos.

    Capitulo 9 que deveria ser 10= são reveladas algumas conexões das ações dos personagens entre o passado e futuro, conforme o planejado. (?)

    Capitulo 10, que deveria ser 11i= Nestor torna-se diretor executivo da nova empresa e reflete se os dinossauros sonham com arranha-céus, frase que dá título ao conto.
    Parece que o acidente na máquina de energia renovável, não foi acidente, mas um plano para que os dinossauros voltassem a dominara a Terra e uma nova Sociedade fosse criada. Mas por quem? Plagiando Erich Von Däniken; Eram os Conselheiros Alienígenas?

    Gostei do argumento, da estrutura. Gostei da ideia, mas a história foi contada como sátira, comédia, com cenas até absurdas, como é o caso do T Rex no elevador, que deve ter 20 metros e algumas toneladas. Mas a intensão do autor foi essa mesmo, escrever algo diferente. Achei surreal e bem estruturado. Um trabalho difícil para ter certa lógica num todo. Alguns errinhos e acidente de percurso como é o caso do capitulo 3, onde o 3 ficou grudado ao 66 e ficou como 3.66.000.000 de anos a.c. Por fim e ao final, apesar dos deslises, achei um bom conto.

  9. Afonso Luiz Pereira

    Achei o título deste conto bem interessante, haja vista à referência distante ao título “Andróides sonham com ovelhas elétricas?”, famoso romance de Philip K. Dick. Digo referência distante porque o teor do enredo deste conto nada tem a ver com a história do livro. Lá, basicamente, trata-se do rastreio de robôs semelhantes aos humanos por um caçador de recompensas, enquanto aqui ocorre um acidente com uma máquina do tempo em que dinossauros e humanos acabam se encontrando e interagindo entre si.

    O enredo exige um pouquinho de atenção, ainda mais pelo intróito que faz o leitor pensar que o autor desconhece que homens e dinossauros jamais poderiam coexistir, o que na verdade acaba sendo perfeitamente lógico dentro da premissa por ele criada. Mas a atenção cuidadosa ainda vai além deste paradoxo por causa da quantidade de criaturas (humana e répteis da era Mesozoica) que, devido ao próprio acidente da máquina (do tempo) geracional, cria uma espécie de portal do tempo e altera as características dos amáveis bichinhos pré-históricos, inclusive expandindo sua inteligência cognitiva por uma evolução instantânea de milhões de anos em segundos. Então, temos, por conta disso, a imagem insólita de um Tiranossauro Rex descendo por um elevador de parede translúcidas observando a paisagem de forma tranquila, a passeio.

    O enredo é todo dividido em partes que buscam ajustar os pontos de vista de homens e animais (mesmo em discurso na 3ª pessoa), o que oferece uma história com pitadas de humor aqui e ali, considerando imaginá-las visualmente. Gostei do conto, sim. Possui leitura agradável, corre liso, como costumo dizer, apesar da narrativa mirabolante. Faço votos de boa sorte ao autor, parabéns pelo texto.

  10. Máquina do tempo cria dinossauros inteligentes.

    Escrita correta. Bom domínio das técnicas de narração. Enredo simples: entretenimento – o texto ocupa, mas não transcende a si mesmo. Desfecho e título que tentam imprimir sofisticação e profundidade ao conto.

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