
A Composição │ André Domingos Brizola
A partida do ônibus levantou uma nuvem de poeira, esmorecendo a paisagem levemente urbana da extremamente bucólica Santa Rita do Cascalho. A estrada de terra batida, a mercearia de paredes descascadas, com o folgado cachorro caramelo deitado na entrada, particularmente derretido com o sol pujante do meio do dia. Da janela de uma das casinhas uma senhora idosa, e que já era idosa há muitos anos, observava a cena com algum interesse. Ali, Karina era a única personagem fora da normalidade, com sua mochila de marca estrangeira e o estojo de formato peculiar, em que trazia o violoncelo.
Karina não punha os pés em sua cidade natal desde que saíra para estudar o colegial na capital. De lá embarcou em uma viagem pelo conhecimento, que a levou para a faculdade, para um intercâmbio, e para a profissão de musicista. Nunca precisara voltar, pois a mãe sempre a visitava na cidade grande, muito orgulhosa da filha, mas nunca o suficiente para querê-la de volta à cidadezinha em que viveu a infância. “Karina agora é da metrópole”, dizia ela, “não precisa da terra vermelha e da pobreza do interior”. Uma bobagem, pensava a garota, mas que vinha a calhar, já que não tinha mesmo nada que a atraísse para a cidadezinha que não fosse o vínculo com a mãe.
Mas dessa vez a mãe não pôde visitá-la. A vida de trabalho pesado do interior agora cobrava seu preço através de uma enfermidade nas pernas. E era essa a causa de Karina estar ali, naquela calçada estreita, em suas férias. Deu mais uma olhada pelas redondezas, notou que seria o assunto de diversas das pessoas que não conseguiam deixar de notar a moça que destoava do cenário, e colocou-se a caminho da casinha que, lembrava-se bem, ficava a uns bons dez minutos de caminhada daquele minúsculo centro da cidade. Ansiava por ver as paredes rosadas e desbotadas que tinham lugar em sua história. “O que será que havia mudado nesse tempo todo?”, perguntava-se sem muita convicção. Sabia que a imutabilidade era uma das principais características daquela região tão distante e tão alheia à modernidade e ao progresso.
A caminhada sob o sol a fazia suar. Estava acostumada com o peso do violoncelo, mas a irregularidade do chão deixava o trajeto mais atabalhoado do que recordava. Com pouco mais de cinco minutos de estrada resolveu que tinha que parar para descansar um pouco sob a sombra das árvores que ladeavam o caminho. Passou um lenço de papel pela cara, enxugando o que podia, e travou o olhar em uma casa grande, de paredes que um dia foram azuis. Dois pavimentos, afastada da estradinha por algo que fora um jardim, benefício que poucos ali tinham em suas residências. Muitas janelas, um arco de entrada suntuoso. A casa dos Magalhães.
A casa sempre exercera muito fascínio sobre Karina. Para a criancinha descalça, vestida com roupas simples, com marcas de terra nas pernas e braços, aquela era uma mansão, enorme, imponente. E vazia. Sempre vazia. As recordações de estar diante da casa, admirando a arquitetura de fazenda, com as grandes varandas que circundavam a construção, o piso frio que dava ao chão padrões quase matemáticos, e os muros altos que a impediam de entrar, vieram de uma vez, e a jovem foi acometida de sentimentos nostálgicos. E tristes, pois aquela casa, tão imponente e majestosa em suas recordações, agora era pouco mais do que uma sombra.
O jardim da entrada era praticamente um matagal, com arbustos altos e ervas daninhas marcando o caminho central até a grande varanda. Duas árvores, uma de cada lado, cresceram desordenadamente, com raízes quebrando parte do chão da varanda, suas copas tapando o sol que, antes, inundava roseiras e margaridas rebeldes. As janelas estavam todas cobertas por tábuas e plásticos pretos. A porta dianteira, belíssima, agora jazia de lado, carcomida e apodrecida. O muro, que limitava até onde Karina podia chegar, era o mesmo, ainda que estivesse coberto por uma vegetação espessa e não cuidada. Mas uma diferença despertou em sua mente uma vontade reprimida de muitos anos: o portão, que antes lhe dava apenas alguns vislumbres da casa, agora, totalmente enferrujado e torto, estava amplamente aberto. Ela olhou para os dois lados, como se fosse atravessar uma grande avenida, e não viu ninguém. Levantou o estojo pesado e, meio correndo, meio saltitando, foi em direção à casa.
Diante da mansão, com o coração batendo rápido, e pensando em como era boba por estar nervosa com algo assim, passou pelos antigos limites impostos pelo muro e entrou no jardim. Olhava fixamente para a porta de entrada, como um aventureiro olharia para um tesouro. Passo a passo aproximou-se dos dois degraus que a levariam à grande varanda e respirou fundo. Era isso. Depois de tantos anos imaginando, poderia, enfim, conhecer o interior da casa que despertava sonhos na menininha. Subiu e, curiosamente, percebeu ali na entrada, todo velho e desgastado, um pútrido tapete de boas-vindas. Raspou os pés naquilo e entrou.
O interior da casa estava vazio. “Claro, a casa sempre esteve vazia”, pensou. Mas, no fundo, Karina torcia para encontrar algo mais naquele lugar. Algo que preenchesse a construção com personalidade. Que fizesse jus à toda expectativa que fora criada em sua infância. Deixou o estojo e a mochila apoiados na escada que levava ao segundo piso e percorreu toda a propriedade, absorvendo o que podia. Tocando cada parede, tentando sentir algo mais.
E sentiu.
Tendo absorvido tudo o que pôde, Karina sentou-se nos degraus da escada e, inconscientemente, buscou o violoncelo. Tirou o brilhante Hofma do estojo, posicionou-o da forma mais confortável possível e, com um ataque do arco, produziu um som grave e melódico, um dó triste e carrancudo. Seguiu daquele dó para um sol melancólico e um fá choroso, cheio de vibrato. Karina repetiu as notas, sempre acrescentando algo mais, deixando que aqueles movimentos suaves sobre as quatro cordas do instrumento produzissem sons que iam preenchendo cada cômodo da casa vazia, numa sinfonia de solidão e tristeza.
Percebeu que estivera de olhos fechados todo esse tempo. A sequência de notas ainda ecoava em sua cabeça quando decidiu que já era hora de retomar o caminho e ir ver a mãe. Guardou o violoncelo, foi até a porta e, dando uma última olhada para o interior vasto e vazio, disse:
– Voltarei amanhã.
O reencontro com a mãe foi muito comemorado. Muito foi conversado, muitas risadas foram trocadas e a noite chegou com um frescor bem-vindo. Karina dormiu e acordou com melodias se derramando ao seu redor, tal qual uma princesa da Disney. Ia passar alguns dias com a mãe, e isso a alegrava muito. Mas já tinha seu plano: passar alguns momentos de cada dia dentro da casa dos Magalhães. E levaria o violoncelo junto.
– Mãe, o que foi feito da casa dos Magalhães?
– Ah, Karina, nunca foi feito nada, não. Tá lá, abandonada. De vez em quando vem alguém, olha, entra, mas nem sei se é da família.
– Nunca colocaram à venda? Ela está vazia desde que eu era criança, né?
– Isso. O pessoal mais antigo da cidade diz que os Magalhães eram uma família endinheirada e que resolveu ir pra capital. Mas isso aconteceu antes de eu nascer. Na minha época ela já estava vazia também.
– E ninguém da cidade faz nada? Eu passei lá perto e vi o portão aberto.
– As crianças entram lá de vez em quando. Mas as mães não gostam. Tá muito velha, a casa. Pode acontecer algum acidente.
Karina repensou aquela conversa no caminho até a casa. A manhã estava bonita e fresca, com diversas nuvens brancas cobrindo o sol, deixando que seu calor chegasse de forma branda. Tinha dúvidas se conseguiria repetir o mesmo fluxo de criatividade que tivera no dia anterior, mas tinha que tentar. Era a primeira vez que experimentava compor, e sentia arrepios ao lembrar da melodia que criara.
Passou pelo portão e pela porta de entrada, sentou novamente na escada, buscou o instrumento e logo estava tocando sua música. Experimentava melodias, contrastes e possíveis diálogos com um outro violoncelo tocando terças. Estava novamente de olhos fechados, sentindo a vibração das cordas em seus dedos, e a amplitude dos movimentos do arco. Deixou-se levar para onde a inspiração quisesse, repetindo trechos, buscando as melhores soluções.
E, de repente, viu-se empacada. A sequência de notas era bela, mas não era o que estava buscando. Tentou novamente, apertando os olhos fechados, como se isso a fizesse buscar a resposta nos cantos mais escondidos da mente.
– Que tal se você tentasse uma sequência de sustenidos nessa parte?
Karina deu um gritinho agudo e abriu os olhos. Estava tão absorta que perdeu a consciência de seu entorno. Não percebeu quando o homem entrou na casa. Muito menos quando se sentou no chão, encostado na parede oposta à escada.
– Mil perdões por ter assustado a senhorita. Não foi minha intenção.
Ele parecia visivelmente envergonhado. Karina, com a mão no peito, tentava controlar a respiração. Olhava para aquele homem franzino com um misto de medo e dó. Era muito magro e parecia algo doente, frágil.
– Eu ouvi a música vindo daqui. Achei linda. Eu nunca havia entrado nessa casa. Sempre a olhei de fora, do portão. Mas quando ouvi a melodia, parecia um convite. Foi uma aventura – disse ele, sorrindo.
– Você me assustou! – Karina não sabia se estava indignada ou curiosa. Tendia mais à curiosidade.
– Eu peço desculpas. Eu vou embora. Assim você pode continuar.
– Uma sequência de sustenidos?
O homem olhou Karina e sorriu. – Sim, sustenidos. Eu sei pouco de música, mas essa melodia triste pede algo assim.
Karina tentou algo, e ele murmurou em cima.
– Isso, isso. Muito bonito.
Aos poucos a garota ia ouvindo o cantarolar do homem e acrescentando trechos à sua composição, deixando tudo ainda mais encorpado. Passou a apreciar a companhia e a conversa de Osvaldo. Era uma pessoa simples, de uma cidadezinha próxima a Santa Rita do Cascalho. Tinha uma doença congênita nos rins, o que lhe dava o aspecto de fragilidade e um tom de pele amarelado.
– Por muitos anos eu olhei para essa casa, sempre imaginando como seria o interior – ele parecia tão melancólico quando a música que faziam. – É linda, não é?
– Eu também queria conhecer por dentro. Mas sempre esteve vazia, né?
– Nem sempre – ele foi até a janela daquele cômodo que daria vista para a rua, se não estivesse coberta. – Houve uma época que uma família viveu aqui. Foram eles que construíram a casa. Doutor Magalhães e a esposa. E a filha.
– Mas isso foi a muito tempo, não é? Minha mãe sempre viveu aqui e nunca viu ninguém.
– Sim, foi antes dos anos 60. Era uma outra época – Osvaldo parecia algo pensativo, como se pudesse lembrar de algo. Então mudou o rumo da conversa. – Você vai ficar na cidade por alguns dias? Se eu ouvir a música, posso vir te fazer companhia novamente?
– Claro. Fiquei muito feliz de te conhecer, Osvaldo. Venha sempre que puder.
– Muito obrigado! Nos vemos por aí! – disse ele, saindo pela porta.
Nos dias que se seguiram Karina foi à casa dos Magalhães diversas vezes. Osvaldo nem sempre aparecia, mas nos dias em que estava presente conversavam sobre a casa, sobre a música que a jovem compunha e sobre coisas antigas da cidade. Ele aparentava ser mais velho do que era, graças à doença, e seu conhecimento sobre a história de Santa Rita do Cascalho e as cidades e fazendas da região aumentavam essa impressão.
– Como você sabe tanto sobre essas coisas, Osvaldo? Você deve ser mais ou menos da minha idade, e eu mal passei dos vinte anos!
– Eu nunca pude trabalhar, por causa da minha doença. Então eu fazia algumas coisas na igreja. Ajudava também as pessoas mais idosas a fazer compras, e com alguns afazeres de casa. E sempre tive um ouvido aberto para ouvir suas histórias.
Osvaldo sempre parecia pensativo quando falava da história da região, quase como se estivesse tentando se colocar naqueles cenários. Karina apreciava a sua paixão pelos detalhes e o quanto se esforçava para que ela tivesse uma noção fotográfica do que contava.
No final de um de seus encontros musicais, Karina pensou que estava próximo o dia em que voltaria à capital, e o quanto sentiria falta daquela companhia tão improvável, daquele amigo surpreendente que havia conquistado em sua cidadezinha natal. A música, que faziam juntos, estava praticamente pronta.
– Osvaldo, daqui a alguns dias vou voltar para casa. Tenho mais três dias apenas.
– Sim, eu imaginava que uma hora fosse acontecer. Mas fizemos algo muito belo juntos, não foi?
Ela sorriu de um jeito carinhoso. – Sim, fizemos. Sempre vou me lembrar de você.
Ele estava indo para a porta quando se voltou para a jovem e perguntou:
– Já contei sobre Elizabeth Magalhães?
– Não! – disse ela, surpresa. – Só me disse que era a filha do Doutor Magalhães.
– Pois bem, era muito bonita. Uma beldade, diriam os mais antigos. Mas que nunca deixava essa casa. Seus pais eram controladores. Mas ela queria ser uma garota normal, ir às festas da cidade, conversar com os jovens de sua idade, se divertir, ter um namorado.
– As histórias contam que ela se apaixonou por um garoto que conheceu na igreja. Um jovem pobre, que sua família jamais aprovaria. E que ele correspondia à sua paixão. Essa teria sido a razão dos muros ao redor da casa.
– Nossa, que história triste.
– Muito triste. Elizabeth via sua cidade somente pelas janelas. E há quem diga que, de vez em quando, o jovem por quem se apaixonou vinha até os portões da casa para tentar vê-la. Pouco depois a família inteira foi para a capital, e nunca se soube mais nada sobre eles.
– Nossa, Osvaldo, por isso a nossa composição ficou tão triste e melancólica. Absorvemos a aura de tristeza que essas paredes comportam.
– Talvez seja isso. É uma história triste, de fato. Mas é só uma história. Minha jovem, eu agradeço a companhia desses dias. Desejo uma ótima viagem de volta e torço para que você consiga mostrar a sua música para muitas pessoas. Já sabe como vai chamá-la?
– Ainda não. Vou deixar para decidir no caminho de volta. São muitas horas de ônibus, preciso de algo para manter a mente ocupada.
Osvaldo estendeu a mão para Karina, e ela a apertou.
– Foi um prazer conhecê-la, Karina.
– Foi um prazer conhecê-lo, Osvaldo.
Três dias depois, Karina guardou suas coisas, abraçou demoradamente a mãe, e partiu pela estradinha, para a mesma mercearia em que havia sido despejada pelo ônibus dias antes. Mas estava decidida a passar antes na casa dos Magalhães para se despedir.
Ficou muito surpresa ao ver um automóvel parado diante dos muros. Brilhava no sol forte. Um homem de terno e óculos escuros estava ao volante. Ela passou pelo carro e entrou pelo portão, deixando a mochila e o instrumento apoiados em uma das árvores.
Parou na porta e viu uma senhora no meio do cômodo em que ficava a escada em que havia se sentado tantos dias. Era bastante idosa, e se apoiava em uma bengala de madeira escura e encerada.
A idosa virou-se e notou Karina parada sob o batente. O rosto duro de alguém acostumado a dar ordens.
– Menina, o que faz aí? Essa é uma propriedade privada. – Ela falava mais com surpresa do que com censura.
– Desculpe-me! Perdão! Eu não quis invadir. A casa estava vazia, com o portão aberto.
– Tudo bem, tudo bem. Imagino que essa casa ainda povoe o imaginário das pessoas da cidade, não é?
Karina, sentindo certa abertura para o diálogo, mostrou-se confortável para contar mais.
– Eu peço desculpas, senhora. Mas eu estive nessa casa diversas vezes nos últimos dias. Eu sou musicista, sabe? E aqui é um ambiente tão acolhedor, tão inspirador. Eu vinha aqui para tocar.
– Não precisa se desculpar, minha jovem. Mas talvez isso não seja mais possível. Eu vendi essa propriedade alguns dias atrás, e vim apenas me despedir. Sempre lembrei daqui com muito carinho, mas também muita tristeza.
A idosa andou até a janela que daria vista para a rua e passou as mãos pelo batente.
– A senhora é Elizabeth Magalhães?
– Sim, como você sabe?
– Um amigo que fiz aqui na cidade me contou bastante sobre a história da cidade, e sobre a família da senhora.
– Sim? E como ele sabe tanto sobre minha família? Até onde sei tudo foi tão privativo, e a história de nossa vida aqui tão forçadamente apagada pelos meus pais que mesmo aqueles que viveram em nossa época já devem ter levado esses traços de história para o túmulo.
– O nome dele é Osvaldo, ajuda alguns idosos da cidade. Ouviu essa história deles.
Visivelmente tocada ao ouvir aquele nome, Elizabeth não conseguiu esconder a emoção.
– Osvaldo? Eu tive um Osvaldo em minha vida. Uma paixão. Proibida pelos meus pais. Mas era uma história fadada à tristeza. Ele morreu pouco depois de nos conhecermos. Era um rapaz doce e gentil. De coração puro. Me apaixonei por aqueles olhos amarelados, doentes, sem saber como. E quando ele se foi eu queria ir com ele. Meus pais tiveram que me levar para a capital, para ser tratada por especialistas – ela olhou pensativa para o teto e depois voltou-se para Karina. – Mas estou aqui, falando sobre coisas que não devem interessar uma jovem como você.
Karina, sem saber lidar com a quantidade de revelações, e o que aquilo implicava, balançou a cabeça e foi se afastando.
– Não se preocupe. Eu já estava mesmo de saída.
Ela pegou sua bagagem ao sair da propriedade e foi em direção ao ponto em que pegaria seu ônibus. No caminho para casa, Karina deu os últimos retoques na música que se chamaria A Balada de Elizabeth e Osvaldo.
Olá, pseudônimo de nome difícil, tudo certinho?
Resumo: uma jovem misicista volta à sua cidade após os estudos, encontra um casarão abandonado, e passa a reencontrá-lo periodicamente em busca de inspiração para seu trabalho. Lá, encontrará uma nova amizade que se provará marcante em vários aspectos.
Comentários: um enredo bem nostálgico, bonito, correto quanto à abordagem do tema. Mas tenho um punhadinho de observações sobre o conto. Primeiro, de correção textual. Vamos a eles:
Em “Da janela de uma das casinhas uma senhora idosa”, acho que faltou uma vírgula após “casinhas”. Em “ele parecia tão melancólico quando a música que faziam”, o correto é “quanto” (provavelmente, erro de digitação). Por fim, há essa sequência de falas que parecem estar mal dispostas, já que ambas se referem à mesma personagem: “– Pois bem, era muito bonita. Uma beldade, diriam os mais antigos. Mas que nunca deixava essa casa. Seus pais eram controladores. Mas ela queria ser uma garota normal, ir às festas da cidade, conversar com os jovens de sua idade, se divertir, ter um namorado./– As histórias contam que ela se apaixonou por um garoto que conheceu na igreja. Um jovem pobre, que sua família jamais aprovaria. E que ele correspondia à sua paixão. Essa teria sido a razão dos muros ao redor da casa.”
Agora, umas questões de estilo. Primeiro, preciso dizer que o narrador é muito onisciente pro meu gosto, hahah. Quero dizer com isso que falta um pouco de sutileza, de leveza nas falas, algo que às vezes destoa do tom singelo do enredo.
Além disso, há expressões que infantilizam um pouco o texto. P ex: “uma viagem pelo conhecimento”, no início do conto. Em “melodias se derramando ao seu redor, tal qual uma princesa da Disney” e “Mas quando ouvi a melodia, parecia um convite. Foi uma aventura”, eu me sinto brevemente como num conto de fadas. Não há mal nos contos de fadas. Mas seu texto não é isso, certo?
Esse diálogo também é destoante: “– Nossa, Osvaldo, por isso a nossa composição ficou tão triste e melancólica. Absorvemos a aura de tristeza que essas paredes comportam.”
Na frase: “O reencontro com a mãe foi muito comemorado. Muito foi conversado, muitas risadas foram trocadas”. Por que, do nada, de repente, você resolveu usar a voz passiva? Isso ocorre SÓ aqui.
Uma última crítica: o desfecho. É muito legal perceber o tom fantástico que a narrativa vai assumindo, e a revelação de quem era Osvaldo. Mas eu acho que o último parágrafo quebra completamente o clima de suspense e assombro que se queria causar com a revelação de Elizabeth.
De todo modo, parabenizo o trabalho, o enredo, a ideia de mencionar algo sobre a música que a garota estava compondo (eu até precisei reproduzir as notas no violão e imaginar mais ou menos as notas, os timbres, a escala – pra mim, de Dó menor hahah – em que a composição estava). Boa sorte no desafio!
Obrigado, Misael, pelos apontamentos, elogios e correções. Eu realmente tive um problema sério com minha revisão dessa vez, pois achei que estava entregando o conto no último dia possível, 10/09, e na verdade eu estava enganado, rs. Com mais tempo teria enxergado, talvez, o que passou batido. E, sinceramente, não me incomodo do conto ter se aproximado a um conto de fadas, pois tentei dar a ele o tom mais leve e puro que pudesse. Sobre as notas, foram escolhidas da maneira que soassem bonitas juntas e, se falhei, ponho a culpa no meu instrumento musical, que é a bateria, hehe. Valeu.
Olá Efthimiadis!
Gostei bastante do seu conto. A história é bem leve e as descrições conseguem imprimir a emoção da personagem ao adentrar no casarão abandonado, o que provoca uma aproximação do leitor no texto. Não encontrei nenhum desvio gramatical que pudesse comprometer a minha experiência de leitura.
Boa sorte no desafio!
Obrigado, Victor, pelos comentários e elogios! Valeu!
Este é um conto bem escrito que, por outro lado, desenvolve uma história bastante simples em que sobra pouco espaço para muitas expectativas. As palavras evocam uma leitura poética, especialmente nos trechos em que se narra a personagem tocando. Esses foram os momentos em que pude me envolver com a protagonista e seus sentimentos. Mas essa linguagem, quando levada ao diálogo dos personagens, imprimiu mais uma artificialidade demasiadamente açucarada. O elo entre Karina e Osvaldo me pareceu muito belo e puro, tecido na arte musical e cercado de uma cordialidade até antiquada que forçou um pouco do cenário até então trabalhado. Além disso, a maneira como Osvaldo foi introduzido na história indicou logo de primeira o rumo que o texto vinha tomando, esvaindo de surpresa e, portanto, de impacto, o final que foi entregue. Há algumas vírgulas mal colocadas e uma marcação equivocada de um dos diálogos, o que distraiu da leitura que já não vinha tão fluida. Então julgo que é um conto baseado em uma premissa bem consistente, mas com um desenvolvimento que requer uma elaboração maior.
Obrigado, Pedro, pelos comentários. Esse é um conto em que eu queria ter trabalhado melhor, mas acabei escrevendo na correria achando que o prazo seria 10/09, e no final eu estava enganado. Tanto a revisão quanto o final ficaram aquém do que eu queria. Mas, enfim, ainda assim fiquei bastante satisfeito com ele. Valeu!
Conto simples que interliga os lugares abandonados com histórias de fantasmas e de amor. Como cola para ligar tudo, a música. O conto tem uma estrutura de narrativa, que prende o leitor pela qualidade da escrita e pela forma pausada como se desenrola, sem, no entanto, perder o ritmo.
Obrigado, Jorge, pelos comentários e elogios! Valeu.
Olá, quando comecei a pensar em ideias para participar do desafio, tive muita vontade de escrever partindo do tema de lugares abandonados. Uma das dificuldades que encontrei foi a de tornar o lugar em um personagem, com características e “fala” própria. A inclusão do sobrenatural aparece muitas vezes como solução um tanto preguiçosa para o problema. No seu caso, não está ruim. É um texto bem escrito, com uma linguagem leve e delicada, o que pessoalmente me agrada bastante, Mas O sendo bastante extenso e tendo um ritmo um tanto lento. Mas o “fantasma” tira bastante o protagonismo da casa, o que muda o foco do tema. Da mesma forma, fica fácil deduzir o desfecho final, o que dilui o impacto estético. Uma coisa menor que notei: como violinista, não pude deixar de notar o fato de ela ter um Hofma. Seria ela uma musicista pouco experiente e talvez iniciante, ou talvez nem tanto habilidosa ou de sucesso? O que justificaria ela ter um instrumento de fábrica, “made in China”, ao invés de um de Luthier?
Boa sorte. Você tem uma escrita muito bonita.
Obrigado, Felipe, pelos comentários. Eu não tinha a intenção mesmo de criar um impacto com a revelação de Osvaldo, A ideia era que apenas Karina não percebesse o algo sobrenatural da casa. A ideia de usar o Hofma é a de mostrar que Karina é/seria iniciante, ou alguém ainda sem recursos para um instrumento mais caro. Outro motivo é que, como dono de instrumento musical, nunca levo para viajar o meu melhor, ou o mais caro, ainda mais em uma viagem de ônibus, por isso imagino que Karina faria o mesmo. Valeu!
EMA (Escrita, Método, Adequação)
E: Escrita bela e suave, bem melancólica. Os diálogos poderiam ser mais bem separados, de vez em quando, mas não chegaram a atrapalhar a experiência.
M: Quando li a introdução, pensei “ih, lá vem mais drama”. Mas até que o autor(a) se conteve. É uma história muito bonita, cheia de camadas e leve. Os cenários são bem descritos e as emoções transbordam nas coisas.
A: O texto quase escorrega para fora do tema em seu final. De Lugares Abandonados, meio que virou Sobrenatural. Se ainda tivesse algo relacionado com Viagem no Tempo, estaria perfeito. É um ótimo texto, mas que tem um final um tanto inconsistente com o que vinha sendo preparado. Poderia ter sido apenas um amor de infância não correspondido mesmo, sem envolver a morte do segundo protagonista. Contudo, me agradou mesmo assim.
Nota: 9,0
Obrigado, Victor, pelos comentários e elogios. Não era minha intenção fazer um drama, mas flertar com ele em alguns momentos. Valeu!
Salve, Efthimiadis.
Conto sobre uma musicista que, fascinada por um antigo casarão abandonado, resolve entrar e acaba compondo, com a ajuda de outro visitante, uma melodia em seu violoncelo.
Um texto de vocabulário simples e ritmo ágil, contrastando com o tamanho excessivo que o enredo tomou em quase três mil palavras. Embora fácil de ler, todas as descrições acabam cansando um pouco, deixando o ápice, a revelação final, meio sem graça, ou sem a proporção que poderia ter num texto mais direto.
O enredo está bem ajustado, com pontas bem amarradas e sem transformações mirabolantes. Trata-se da história de amor vinculada a um casarão abandonado. O casarão é, a bem da verdade, o grande impedimento ao romance. O obstáculo, que, tomamos conhecimento depois, nunca foi vencido.
A gramática está bem ajustada, se há algum erro, não foi perceptível a ponto de atrapalhar o ritmo da leitura, ou seja, ou não há, ou é mínimo. A escolha frasal é bem simples, abrindo mão de escolhas mais elegantes, o que achei uma boa opção, pois o tamanho do texto aliado a um vocabulário mais hermético, poderia ter deixado o texto com ritmo bastante prejudicado.
Bom, é isso! Boa sorte no desafio!
Uma das coisas que mais me chamou a atenção em “A composição” foi a fluidez suave da narrativa, uma sensação de calma parece emanar do texto, que possui uma escrita simples e limpa, sem rebuscamentos, permeada de ótimas descrições. No fim, apesar de não haver grandes reviravoltas no enredo, ou fatos marcantes, há aquela sensação agradável de ler algo bem escrito. Karina, uma musicista, retorna à sua cidade natal para visitar a mãe e acaba fascinada pela velha mansão dos Magalhães, uma casa vazia e abandonada já na época de sua infância. Curiosa, ela entra no lugar e sente vontade de tocar o seu violoncelo e acaba conhecendo e dividindo a companhia de Osvaldo, que lhe oferece alguns palpites para melhorar a sua composição no instrumento. Quando me referi não haver grandes reviravoltas é justamente na figura de Osvaldo, dado o contexto do abandono da casa, da a presença furtiva e inesperada dele, da história antiga de amor entre a menina rica da mansão e um garoto pobre da vizinhança, antevendo já o seu fantasma vinculado ao lugar. Mas como disse, a leitura vale a experiência de ler algo agradável.
Obrigado, Afonso, pelos elogios e comentários gentis. Minha intenção era mesmo gerar um texto em cima de uma interação entre dois personagens que fosse algo leve e fluida, pontuada pela música. Valeu!
Karina retorna à pequena cidade de sua infância para visitar a mãe. Lá, tem a oportunidade de matar uma curiosidade de infância e entrar em um velho casarão abandonado, onde tem inspiração para compor uma música e encontra um novo amigo, Osvaldo.
Conto muito bem escrito, prende a atenção logo de cara.
Assim que Osvaldo apareceu, eu desconfiei que ele fosse um fantasma. Mas isso não prejudicou a leitura em nada. Foi muito interessante ver as interações entre Karina e Osvaldo e a maneira como a história vai se apresentando.
Uma boa história, bem contada.
Parabéns e boa sorte!
Obrigado, Kelly, pelos elogios. E se você desconfiou logo no começo que Osvaldo fosse um fantasma, então minha intenção foi atendida. Não queria mesmo que fosse um mistério para o leitor, apenas para a personagem. Valeu!
Jovem visita sua cidade natal e encontra um fantasma em uma casa abandonada.
Texto muito bem escrito, com forte apelo emotivo. Imagens melancólicas e boas descrições. Gostei da leitura e a crítica fica por conta de ter soado sobrenatural demais.
Obrigado, Anderson, pela leitura e pelos elogios. Eu não sei se existe um “sobrenatural demais”, haha. Mas se existe, a intenção era essa mesma. Queria um elemento diferente na narrativa, algo que saísse do drama corriqueiro, centrado apenas em emoções e melancolia. Valeu
A COMPOSIÇÃO
O autor (a) escreveu o conto e espera um comentário. Os dias passam e nada. Quando vão escrever um comentário? Indaga.
Pois então vamos a um comentário. Vou procurar não dar spoiler.
Quando li o título, achei que a história se passasse numa viagem de trem. Composição também nos referimos a uma locomotiva e seus vagões. Nada a ver. É a história de uma musicista, compositora, que visita uma casa abandonada, que sobre ela tem curiosidade desde criança. Um dia resolve entrar, e entrando, absorve as emanações da construção, emoções, sentimentos que a faz compor uma melodia. São as conexões do passado, da história da casa que dentro em pouco seria revelada. Um rapaz aparece e os dois iniciam uma amizade e ele passa a ser coautor da melodia.
A história não é ruim, a escrita é boa, sem muitos rodeios, indo direto ao ponto que interessa na construção da trama. Pude notar que a jovem é sentimental, expõe suas emoções. O rapaz, ao contrário, me pareceu frio e distante e foi aí que desconfiei e adivinhei o mote do conto. Ele conduziu alguns trechos da melodia, mas as emoções ficam em off, aparecem apenas nos sons que podemos imaginar.
Num desafio de contos, a originalidade é ponto maior, além da boa escrita, do argumento. Algo diferente, mas não tão diferente que possa ser considerado bizarro, surreal e fora de lógica, como bem conhecemos em certos contos. Às vezes é difícil evitar o clichê, as semelhanças.
Como já conheço histórias semelhantes, foi através da atitude do rapaz e sua aparição repentina, que desvendei o mistério antes de chegar ao fim da leitura. Nem por isso deixa de ser um bom conto.
Valeu pela leitura, Antonio. Minha intenção, na verdade, nem era ter um mistério para o leitor, apenas para a personagem, já que para o leitor seria fácil mesmo de deduzir que Osvaldo pudesse ser um fantasma ou algo assim. Mas também não quis deixar totalmente claro. Pode ser um fantasma, ou pode ser alguma outra coisa. Mas obrigado pelo comentário cedo! Tava difícil de controlar a ansiedade, haha